sexta-feira, 26 de outubro de 2012

José Régio

José Régio (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira) nasceu em Vila do Conde em 1901 e viria a falecer na sua terra natal em 1969, embora tenha vivido 34 anos em Portalegre, pois aí foi colocado como professor em 1928, no liceu Mouzinho da Silveira.



















Foi viver para uma pensão e, por necessidade de espaço, foi ocupando todos os quartos, tornando-se o único hóspede. É nesse local que se encontra hoje a Casa-Museu José Régio. Em 1965 vende a sua coleção de antiguidades e de arte sacra (de que se destacam os seus  Cristos) à Câmara Municipal de Portalegre, com a condição desta adquirir a casa e transformá-la em Museu, o que só veio a acontecer em 1971.


 José Régio foi um homem de todas as artes, versátil, revelando o seu talento  em quase todos os géneros literários e artísticos: poesia, teatro, romance, ensaio, crónica, jornalismo, desenhador, pintor, etc.
Foi talvez como poeta que ficou mais conhecido do grande público. É na poesia que vai desenvolver  o seu grande tema: o confronto consigo próprio e a procura da sua identidade, chegando mesmo a ser atacado de umbiguismo (de um verso célebre das Encruzilhadas).


 Poeta sou! cumpro o meu Fado, estranho
Como o dum santo ou um louco:
Só posso dar de mais ou muito pouco,
Que é tudo quanto tenho.


                              José Régio, in Filho da Homem


Deu-nos de mais, de certeza!
Merece continuar a ser lido e lembrado.
E revisitado no seu Museu em Portalegre.  










sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Manuel António Pina (1943-2012)

























Manuel António Pina já não está entre nós, infelizmente.
Ausentou-se deste mundo por este se ter tornado demasiado mesquinho e estreito para ele, que manteve sempre a verticalidade dos homens bons. 
Porque nunca se deixou envaidecer com os prémios que foi recebendo, com o Prémio Camões, em 2011, dizendo: «Já que não posso mudar o mundo, que o mundo não me mude a mim»
Alguém disse que ele soube conservar a ingenuidade e a pureza de criança dentro dele, embora acompanhada da sapiência do adulto.





Foi como autor de literatura para crianças que o conheci melhor e o dei a conhecer aos meninos e meninas que fui encontrando pelo caminho. Isso foi bom mas é muito pouco. Muito mais há a conhecer deste escritor/jornalista de crónicas magníficas, deste poeta que gostava dos gatos. 

Deste escritor que em criança queria ser detetive, santo ou salazar (ele pensava que era uma profissão e, se calhar, tinha razâo).
Mais um poeta que morreu e nos deixou mais sozinhos.


Num PAÍS DAS PESSOAS DE PERNAS PARA O AR.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

São João de Deus


 Um dia destes ouvi falar, por acaso, num programa de História na televisão, do rapaz nascido em Montemor-o-Novo, em 1495, muito pobre, chamado João Cidade. Partiu para Espanha com apenas 8 anos de idade, para ser pastor. Por lá cresceu e tornou-se num homem «com maus hábitos», que passava a vida bêbado, sem eira nem beira. Até que um dia ouviu a voz de Deus, que o levou para o caminho da virtude. Dedicou então o resto da sua vida a tratar dos pobres e dos doentes, fundando um hospital em Granada, em 1539. Aí faleceu em 1550.
 Mais tarde foi santificado, passando a ser chamado  São João de Deus.


No dia a seguir ao programa, encontrei, também por acaso, a estátua de São João de Deus, num pequeno jardim perto da estação de comboios de Areeiro-Alvalade. É ele que dá o nome à freguesia São João de Deus.
Acaso ou coincidência? Ou fui eu ter com ele ou ele ter comigo, como ele é santo é mais provável a segunda hipótese.
Aqui ficam as imagens. Como se vê, a placa aguarda restauração, talvez alguém possa fazer mais um milagre e repor as letras que faltam!



domingo, 14 de outubro de 2012

«Ocaso no Mar» de Cruz e Sousa


  
João da Cruz e Sousa (1861-1898) foi um poeta brasileiro que teve uma vida assaz singular. 
Filho de um escravo e de uma lavadeira, ambos negros, foi educado em casa do marechal Guilherme Xavier de Sousa, como filho adotivo.
Fugindo assim à triste sorte que o esperava, recebeu uma educação esmerada com os melhores professores e, desde muito jovem, começou a sua atividade de escrita, com publicações em jornais. Fundou mesmo com outros escritores um pequeno jornal literário, Colombo.
Entretanto morre o poeta Castro Alves, poeta que lutou pela libertação dos escravos no Brasil e que muito influenciou a poesia de Cruz e Sousa.  Ele próprio defende a causa abolicionista, fazendo conferências em várias cidades.
Os seus dois livros mais importantes são Missal (poemas em prosa) e Broquéis, ambos editados em 1893 pelo editor Fernando Magalhães, que abrira pouco antes a sua editora, a Magalhães e Companhia - Editores. Apostar num autor negro cinco anos após a Abolição era um apelo irresistível e arriscado, que não foi recebido pela crítica da época com o esperado sucesso. 
A hipótese de haver um grande artista negro no Brasil não parecia possível. Entretanto, aquelas obras consolidaram o Simbolismo no Brasil, de que Cruz e Sousa foi precursor. Foi mais tarde alcunhado de Dante Negro e Cisne Negro, o que revela a admiração que conquistou do público em geral.
A sua vida foi recheada de desventuras e infelizmente acabou por morrer de tuberculose, com apenas 37 anos, numa situação económica deplorável. 
Mais um poeta desditoso a juntar a tantos outros, ao longo da história  da Literatura. Que não sejam ao menos esquecidos!
Gostei sobretudo dos poemas em que se revela o seu fascínio pelo mar. Este é um deles:




Ocaso no Mar


Num fulgor d' ouro velho o sol tranquilamente desce para o ocaso, no limite extremo do mar, d' águas calmas, serenas, dum espesso verde pesado, glauco, num tom de bronze.
No céu, de um desmaiado azul, ainda claro, há uma doce suavidade astral e religiosa.
Às derradeiras cintilações doiradas do nobre Astro do dia, os navios, com o maravilhoso aspecto das mastreações, na quietação das ondas, parecem estar em êxtase na tarde.
 Num esmalte de gravura, os mastros, com as vergas altas, lembrando, na distância, esguios caracteres de música, pautam o fundo do horizonte límpido.
 
Os navios, assim armados, com a mastreação, as vergas dispostas por essa forma, estão como que a fazer-se de vela, prontos a arrancar do porto.
Um ritmo indefinível, como a errante, etereal expressão das forças originais e virgens, inefavelmente desce, na tarde que finda, por entre a nitidez já indecisa dos mastros. 
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Surgindo através de tufos escuros de folhagem, além, nos cimos montanhosos, uma lua amarela, de face chata de chim, verte um óleo luminoso e dormente em toda a amplidão da paisagem.


                       Ocaso no Mar in Missal, de Cruz e Sousa

terça-feira, 9 de outubro de 2012

«Keep the Oceans clean», no Oceanário de Lisboa

 
 
A exposição que se encontra no átrio do Oceanário de Lisboa é de entrada livre e é importante que todos a vejam. 




Não é que seja grande novidade, já todos sabemos que o aumento do consumo no mundo atual de plásticos, garrafas, papel e toda a espécie de lixo tem um efeito devastador no nosso Planeta.


Mas quando somos confrontados com as imagens, tem sempre um maior impacto. Como por exemplo a dos golfinhos que eram treinados para carregar bombas e as levarem no seu corpo, durante a Segunda Guerra Mundial.
 
Quase todas as esculturas e instalações que estão ali expostas têm a particulariedade de serem feitas com lixo e materiais apanhados nos mares, dando-lhes um significado ainda maior!


 Quanto a números e estatísticas, existem vários cartazes que nos lembram a triste realidade dos nossos mares e do planeta em geral.
Esperemos que os governantes do mundo inteiro façam alguma coisa, de forma rápida e urgente, e que todos nós mudemos alguns dos nossos hábitos poluidores.



 

domingo, 7 de outubro de 2012

Mais Homens-Estátuas

Em Salvador da Bahia, Janeiro 2012, em pleno Pelourinho, dei de caras com um Jesus Cristo, sem cruz, com as marcas das chagas e, pormenor interessante, uma cabaça para se depositar as moedas. No meio de tantas igrejas e de tantos santos, tinha a sua lógica!
 Mais adiante, também no Pelourinho, estava um belo cowboy prateado, bem disposto e folgazão, que apitava com uma espécie de assobio que tinha na boca, cada vez que caía uma moedinha.
 Aqui mesmo na Baixa lisboeta, no dia 26 de Dezembro de 2009, um Homem de Barro, com um grande coração, sorria bonacheirão aos passantes, lembrando-lhes que não passávamos de pó da terra, mesmo em época natalícia. 
 
Primavera, 2015.
O calor tem sido pouco, o sol escasso. Daí, a bela moça leiteira ter montado a banca num local sem arvoredo, perto do Rossio. E o leite escorria escorria, fazendo as admirações de todos.
Tudo corria normalmente, quando, repentinamente, o sol começou a brilhar e a escaldar. A moça leiteira já suava por todos os poros. Teve de se mexer, de estender os músculos, pois o sol não se compadecia.
Os turistas, esses, emergiram que nem caracóis por tudo quanto era sítio, deslumbrados com aquele calor tropical tão repentino.
Acho que ninguém deve ter reparado que a mulher estátua se mexeu, mas eu vi muito bem, ao longe, o seu desespero, a abanar o corpo e os braços.
Malditas nuvens, porque se sumiram assim sem pré-aviso??!!
Depois, não sei o que aconteceu, também eu tive de ir embora.

 
 

sábado, 6 de outubro de 2012

Encontro com Mozart

Encontrei hoje Mozart, quando me passeava na Rua Augusta.
Ou melhor, uma estátua de Mozart.
 
Claro que não há lá nenhuma estátua de Mozart, toda a gente sabe.
Era um Homem-Estátua, mas tão perfeito, com uma encenação tão sofisticada, que podia enganar qualquer um: tinha anjinhos, um pombo em cima da cabeça e outro que abria e fechava as asas, cagadelas de pássaros, enfim, tudo! 
Exigências da profissão e da modernidade. O público é cada vez mais exigente, já não se contenta com qualquer estátua.
 Admiro o trabalho destes homens e mulheres (também as há), que tenho visto por todos os países por onde tenho passado. Não é nada fácil fazer o que eles fazem, e viver desta arte ainda deve ser mais difícil!
O cartaz deste Homem-Estátua, escrito em várias línguas, dizia o seguinte:

Se um homem faz da vida um uso artístico, o cérebro passa a ser o seu coração.

Assim devia de ser em todas as formas de arte! 
 






 

domingo, 30 de setembro de 2012

«21 Momentos em Timor-Leste» de Luís Ramos Pinto

 Fui ver a exposição de fotos de Luís Ramos Pinto, no lounge do Museu do Oriente, intitulada 21 Momentos em Timor-Leste e gostei muito.






As fotografias são excecionais, retratam bem as pessoas deste novo país, o primeiro a tornar-se independente no séc. XXI.






 O autor consegue contar-nos uma história em cada uma delas, a história gloriosa daquele povo que foi vítima de tantos jugos e que só com muita luta e resistência se conseguiu libertar dos que os queriam dominar pela força.
 



Aqui ficam algumas fotos (fotos das fotos, aliás).



sábado, 29 de setembro de 2012

«Velho Cedro do Príncipe Real»

  
Velho cedro do Jardim do Príncipe Real, como consegues ainda viver e ser tão formoso, com mais de 100 anos?


Porque te obrigaram  os homens a um jugo tão pesado, e te impediram de erguer os teus ramos para os céus?
E, mesmo assim, aí continuas tu, a dar lições aos homens de resistência e de luta pela vida!











 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

«Em Lisboa» de Isabel del Toro Gomes




 Em Lisboa

 

na cidade  toda
nas ruas nos passeios
nas lojas nos cafés
nas praças nos jardins
nos jornais nas livrarias
tudo é Tejo
tudo cheira a rio

 
na cidade toda
nas pessoas que andam
que correm que falam
que discutem que gritam
que trabalham que lutam
tudo é Tejo
tudo é música do rio



é assim que o azul do Tejo
não acaba nem começa
onde Lisboa
começa e acaba
 


terça-feira, 25 de setembro de 2012

«Espaço do invisível 2» de Vergílio Ferreira



 
Não há criança nenhuma que não goste de palhaços e de circo! Até muitos adultos gostam, como eu!
Esta personagem ridícula e cómica, pobre ou rico, faz parte do nosso imaginário individual ou coletivo.
Achei surpreendente a afirmação de Vergílio Ferreira neste seu livro, Espaço do invisível 2, quando afirma que o Palhaço era um lugar-comum da arte dos primeiros cinquenta anos do século vinte, que fascinava os escritores, os poetas e outros artistas. Basta lembrar O Palhaço Verde de Matilde Rosa Araújo, entre muitos outras obras.
O Palhaço é sempre um símbolo de imensas coisas, mas é sobretudo uma pessoa de carne e osso que faz rir os outros, mesmo sem ter vontade nenhuma, um homem (ou mulher) que trabalha duramente no circo, que representa a alegria, a vontade de viver e de ultrapassar as dificuldades com uma sonora gargalhada, até de si mesmo. 
Deve ser muito difícil ser palhaço nos dias que correm, por isso ainda os devemos admirar mais.
Eu admiro-os ao ponto de ter começado há vários anos uma coleção de palhaços, de todas as formas e feitios.
Se calhar por ter nascido nos anos cinquenta do século XX! De qualquer maneira, sempre me atrairam.
Aqui fica esta pequena homenagem ao Palhaço.
 


São sobretudo os palhaços, que centram a sua tragédia na própria alegria que dão aos outros. O palhaço é um lugar-comum da arte deste meio século. Ele fascina como símbolo do contraste entre a verdade trágica da vida e a plenitude que se lhe sonha. Ele fascina ainda porque reincarna o Cristo que se condena para que os outros se salvem. Variedade do poeta, do artista, que chama a si os pecados do mundo para que os pecadores se redimam, o palhaço é em tragédia na obra de Raul Brandão o que as velhas são em comédia.

                      Vergílio Ferreira, No Limiar de um mundo, Raul Brandão, in Espaço do Invisível 2

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

«Monangambé», por Lura



Mesmo os que nunca estiveram em África conheciam a bela canção interpretada por Rui Mingas, que fala dos Monangabé, os negros de Angola que eram contratados para as roças longe de sua casa e de suas terras natais. E que aí trabalhavam e sofriam para sobreviver. História antiga e de sempre, afinal!
Escolhi a interpretação de Lura pela sua voz lindíssima e por ser uma versão menos conhecida, talvez.
António Jacinto é o poeta que escreveu a letra e que transmitiu magistralmente o sofrimento das gentes angolanas.


http://www.youtube.com/watch?v=NtwuSSxEmFk




 Monangambé

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;
Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"

António Jacinto(Poemas, 1961)