Mostrar mensagens com a etiqueta António Jacinto. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta António Jacinto. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

«Monangambé», por Lura



Mesmo os que nunca estiveram em África conheciam a bela canção interpretada por Rui Mingas, que fala dos Monangabé, os negros de Angola que eram contratados para as roças longe de sua casa e de suas terras natais. E que aí trabalhavam e sofriam para sobreviver. História antiga e de sempre, afinal!
Escolhi a interpretação de Lura pela sua voz lindíssima e por ser uma versão menos conhecida, talvez.
António Jacinto é o poeta que escreveu a letra e que transmitiu magistralmente o sofrimento das gentes angolanas.


http://www.youtube.com/watch?v=NtwuSSxEmFk




 Monangambé

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;
Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"

António Jacinto(Poemas, 1961)