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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

«O Homem das Castanhas» de Ary dos Santos



Com o frio, sabem sempre bem umas castanhas quentes, assadas pelos vendedores ambulantes nos seus carrinhos com assadores de barro, agora substituídos por alumínio, que felizmente já estão melhor na vida, pois o negócio sai mais rendoso com os muitos turistas e a dúzia da castanha assada já se paga bem: 2 euros e meio este ano.
Por mim, não me queixo do preço, porque ter o trabalho de as assar em casa é impossível por agora, o braço não o permite. 
E é sempre diferente comê-las na rua, tirando-as bem quentes dum cartucho de papel e saboreá-las lentamente.
Em casa tem a vantagem de serem acompanhadas com jeropiga, uma ótima  bebida também para aquecer os corações.
Este poema de Ary dos Santos expressa bem o que representa na paisagem das cidades esta figura popular, e é interpretado com a voz magnífica de Carlos do Carmo, que este ano completou oitenta anos de vida.


«Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.»


O Homem das Castanhas

Na Praça da Figueira,
ou no Jardim da Estrela,
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,
O Homem Das Castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira, nem guarida,
e apregoa como um desafio.
É um cartucho pardo a sua vida,
e, se não mata a fome, mata o frio.
Um carro que se empurra,
um chapéu esburacado,
no peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor p'ra casa.
A mágoa que transporta a miséria…




https://www.youtube.com/watch?v=1PN0zy0XaOQ