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sexta-feira, 1 de julho de 2011

«Soneto a J. Félix dos Santos» de Antero de Quental




Busto de Antero de Quental em Santa Cruz, Torres Vedras


Oliveira Martins, grande amigo de Antero de Quental e que sempre o acompanhou até ao fim, indo visitá-lo a Ponta Delgada, onde este se retirara desistindo de todos os compromissos assumidos, e onde  acaba por se suicidar em 1891, diz de Antero poeta que nunca viu natureza mais complexamente bem dotada, que dava alma a uma família inteira. É um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Enfim, sabe chorar, como todo o homem digno da humanidade.
Dos muitos sonetos que Antero escreveu, tomo nota deste que questiona, de forma aparentemente simples, a complexidade do Tempo:

A J. Félix dos Santos


Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!



 Ai! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega...é presente...e só à dor assiste?...
Assim, qual é a esperança que não mente?


Desventura ou delírio?... O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, pior, espectro impuro...

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.

                                                                                       Antero de Quental

  1.                    Estátua de Antero de Quental - escultor Salvador Barata-Feyo (1902-1990), no Jardim da Estrela
 

quinta-feira, 16 de junho de 2011

«Primaveras Românticas - Versos dos vinte anos» de Antero de Quental



Antero de Quental, um dos maiores poetas portugueses, introdutor do socialismo em Portugal e figura complexa das nossas letras, também escreveu poemas de juventude, inocentes, cheios de frescura e de idealismo.
Eis o motivo da sua publicação, pelas próprias palavras de Antero:

Ter sido moço é ter sido ignorante, mas inocente.
..................................................................................................
Fomos todos assim, naquela encantada e quase fantástica Coimbra de há dez anos. Um sopro romântico, cálido mas balsâmico, fazia rebentar tumultuariamente as nossas primaveras em borbotões de flores................................................................

                                                         (1872)
Muitos desconhecem estes versos dos vinte anos de Antero, também eu fiquei surpreendida com a sua jovialidade e pureza. Dos muitos que me encantaram, escolhi alguns que penso representativos desta fase de Antero, muito jovem ainda:


Eu sou a concha das praias
Qua anda batida da onda
E, de vaga em outra vaga,
Não tem aonde se esconda.
Mas se um menino, da areia
A colher e a for guardar
No seio...ali adormece
E é ali seu descansar.
Pois sou a concha da praia
Que anda batida da onda...
Sê tu esse seio infante,
Aonde a triste se esconda.
............................................                                             

                                     in Pepa (1863)



Nós somos loucos, não somos?
D' esta louca poesia,
D' esta riqueza dos pobres
Que se chama fantasia!
..........................................................................
                                                                  
                                                          in Idílio Sonhado (1864)



 
À Guitarra

Três cordas tem a guitarra,
Uma d' ouro, outra de prata...
À terceira, que é de ferro,
Todos lhe chamam ingrata.

Ninguém faça ramalhetes
Com flores que hão de murchar...
Ninguém tenha cordas de ouro,
Se as não quer ver estalar!
....................................................
Das três cordas da guitarra
Uma chora, outra dá ais...
Bastou-me um amor na vida,
Um só amor e não mais!

                                       in Cantigas (1864)



                         Memorial a Antero de Quental, no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa