segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

«Arma Secreta» de António Gedeão

 


Em plena semana de Natal, o que mais desejamos é que as armas não disparem e que acabem as guerras. É do que nos fala este poema de António Gedeão, que enaltece a Vida e o Amor.

Arma secreta

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.


domingo, 28 de novembro de 2021

«O livro da Tila» de Matilde Rosa Araújo

  



Hoje é um dia diferente: vou oferecer a todas as crianças do mundo um lindo poema da poetisa

 Matilde Rosa Araújo, que foi uma professora muito especial de meninos pequeninos. Este é um poema retirado do livro da Tila .



O livro da Tila de Matilde Rosa Araújo Editado pelo Livros Horizonte em 1986 (10ª edição) “Primeiro livro de poemas para crianças escrito por Matilde, caracterizados, na sua maioria, pela estreita relação mãe-filha. A menina descobre o mundo, protegida por uma mãe que responde às suas dúvidas e que se deslumbra com as respostas... Tila representa todas as crianças que são destinatárias destes textos de grande intensidade lírica.” Fonte: Wook Começa assim: "Quadra sozinha Meninas pobres, tão pobres, São tão pobres, que ao vê-las, Meus olhos, que são de cobre, Têm a luz das estrelas!" Fonte: interior do livro Fonte: interior do livro “O Livro da Tila desvela o universo de uma infância, em parte eufórico, feito de pequenos deslumbramentos perante o mundo e a natureza, expresso ora por um sujeito da enunciação infantil/juvenil, ora por uma voz adulta que observa o real e as relações que a criança com ele estabelece. De uma sensibilidade apurada e minimal, exaltando a comunhão com a natureza, com os seres e a divindade, franciscana por excelência, a poesia de Matilde leva-nos a redescobrir o prazer de existir e de ler.” Fonte: Fnac Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 1º ano de Escolaridade

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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

«Como tudo é prodigioso» de Isabel del Toro Gomes

 Como  tudo é  prodigioso

E mágico na natureza

Que renasce em cada madrugada




Como tudo me deslumbra

Do nascer ao pôr do sol

Que marca o tempo que passa

Sem darmos por ele passar

Como se fosse uma surpresa




A eternidade dum minuto

Que pode durar séculos

Uma vida inteira que se traduz

Num pequeno nada que se renova



Um minuto de eternidade

Três ou quatro palavras por dizer

Como é tudo prodigioso

E trágico por natureza.



 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

«O Cantar do Melro» de Afonso Lopes Vieira

O poeta português Afonso Lopes Vieira, nasceu em Leiria a 26 de Janeiro de 1878. Foi um dos primeiros representantes do Neo-Garrettismo e esteve ligado à corrente Renascença Portuguesa. Tem o seu nome associado à Biblioteca Municipal de Leiria, e a sua habitação em São Pedro de Moel foi transformada em casa museu. Afonso Lopes Vieira faleceu em Lisboa, a 25 de Janeiro de 1946.

Afonso Lopes Vieira



O! Que linda é a madrugada.
Que florida, Perfumada
Madrugada!...


Cantam, rindo, riso lindo, estas águas, estas cores
raminhos, pontes e flores
O! Que linda é a vida!
Que florida e encantada 
Madrugada! 


Afonso Lopes Vieira

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

David Mourâo- Ferreira »Maria Lisboa»





Na vida como na poesia, o Amor é a substância de David Mourão-Ferreira. Celebração do erotismo e do corpo feita em palavras, é ele o autor dos mais belos poemas de amor da literatura portuguesa. Mas não só. A sua obra marca todos os géneros literários. Poeta, romancista, novelista, contista, dramaturgo. Mas também ensaísta, cronista, tradutor, crítico literário. E professor. David Mourão-Ferreira (1927-1996) tinha “o ofício de escreviver”, expressão inventada para condensar toda a existência: precisava de viver para escrever e de escrever para viver. Das múltiplas linguagens que experimentou, a poesia foi a que mais o tornou conhecido e reconhecido: apesar de ter explorado outras temáticas como a obsessão da morte e a angústia de existir, ficou o poeta do amor – e da sensualidade -, como refere Vasco Graça Moura na peça que aqui apresentamos. No poema “Jogo de Espelhos”, escreve que a mãe o ensinou a ler e o pai, a contemplar. Nas brincadeiras da infância fazia jornais e peças de teatro. Depois, vem a fase dos romances que nunca chega a terminar. Existe em David amor pela escrita, mas não tivesse Agostinho da Silva convencido a família que o destino do jovem era seguir literatura, e teria ficado preso a um curso de Direito, tão ao gosto dos progenitores. A aventura da poesia, começa com a publicação do livro “A Secreta Viagem”, celebração ainda adolescente do corpo, do erotismo e do amor. Seguiram-se poemas e contos, como “Cancioneiro de Natal”, “As Quatro Estações”, “Os Amantes” e “Matura Idade”, entre muitos outros traduzidos e aclamados. Avesso a movimentos ou a correntes, rejeita o neorrealismo e o imediatismo da inspiração, e tem em José Régio , Almeida Garrett, Octavio Paz e T. S. Eliot, figuras de inspiração e referência na sua formação clássica. Até à publicação de “Um Amor Feliz”, romance tardio, aos 59 anos, David Mourão-Ferreira encontra o fado e leva para a voz de Amália os seus poemas.

domingo, 10 de outubro de 2021

«POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO» de Natália Correia

 



Natália de Oliveira Correia nasceu em S. Miguel, no arquipélago dos Açores , em 1923 e morreu em Lisboa, em 1993. 

Foi uma escritora e poeta portuguesa, tendo ainda desempenhado várias acções ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.


POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO


Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha 
Onde o Amor por fim tenha recreio.
         
Natália CorreiaPassaporte. Lisboa, Ed. Gráf. Portuguesa, 1958
         



segunda-feira, 20 de setembro de 2021

«Desenho de Rapariga» de Saul Dias

  


Saúl Dias (1902-1983)  é o pseudónimo do pintor Júlio dos Reis Pereira

O poeta, irmão de José Régio, é conhecido sobretudo como pintor, assinou Júlio, e é autor de uma obra plástica notável.

Da sua obra poética escolhi este poema, que sublinha a beleza e singeleza duma jovem: Retrato de Rapariga.

Desenho de rapariga

Corpo suave,

de traços finos,

modulados trinos

ao entardecer…

A linha esguia

que delimita

e acaricia

o braço de ave

é tão bonita…

Quase mulher…

Quase criança…

Toda pureza…

— Vede

a beleza

como se enlaça

na sua trança!



sábado, 21 de agosto de 2021

«Asas» de Luisa Dacosta





Maria Luísa Saraiva Pinto dos Santos, mais conhecida pelo nome literário de Luísa Dacosta (Vila Real 16 de Fevereiro de 1927 - Matosinhos, 15 de Fevereiro de 2015


Luísa Dacosta foi professora e escritora: 
"Não consigo imaginar a minha vida sem livros»

O seu amor aos livros e à poesia, o seu interesse pelos alunos e pelo ensino fazem-na merecedora de um espaço neste blogue, ainda que breve.

Asas

Ansiosas de liberdade
e de igualar o voo das gaivotas,
as palavras soltam-se no vento,
que as desgrenha,
enrodilha,
e deixa cair
sobre as águas revoltas, de um mar em flor.


Luisa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias





 


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

«Ode ao gato» de pablo Neruda

 Para os que estimam os gatos como seus animais de companhia, aqui fica a Ode ao Gato, de Pablo Neruda. 

Com ilustrações das minhas gatas, Luna (preta e branca) e Sammy




Ode ao gato 

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, voo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento ao rato vivo,
da noite até seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma só coisa
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e subtil é como
a linha da proa de um navio.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
seguramente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço ao gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o por e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
o seu olho tem números de puro.

Paulo Neruda



segunda-feira, 19 de julho de 2021

«Pastoral» de António Gedeão

 


PASTORAL

Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há de certeza, duas folhas iguais.

Limbo, todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
baínha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.

Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelo nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou.

António Gedeão



sábado, 10 de julho de 2021

«Silencio» de Octávio Paz

 


Octavio Paz Lozano 

Nascido na Cidade do México em 1914, morreu na mesma cidade em 1998.




Foi um poeta, ensaísta e tradutor, tendo recebido o Nobel da Literatura em 1990.

«Cada leitor é outro poeta; cada poema, outro poema.»

«O poema deve provocar o leitor; obrigá-lo a ouvir - a ouvir-se».  


                                      Octávio Paz


Silêncio

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra"

Tradução de Luis Pignatelli





sexta-feira, 9 de julho de 2021

«Para ti meu amor» de Jacques Prévert (tradução de Zé Lima)




Para ti meu amor


Fui ao mercado dos pássaros

e comprei pássaros

para ti

meu amor

Fui ao mercado das flores

e comprei flores

para ti

meu amor 

Fui à feira das ferragens

e comprei cadeias

pesadas cadeias

para ti

meu amor

E depois fui à feira dos escravos

e andei à tua procura

mas não te encontrei

meu amor

Jacques Prévert




sábado, 3 de julho de 2021

«Frutos» de Eugénio de Andrade

https://www.youtube.com/watch?v=xu-KeQROjEM 

  • Frutos

    Pêssegos, peras, laranjas,
    morangos, cerejas, figos,
    maçãs, melão, melancia,
    ó música de meus sentidos,
    pura delícia da língua;
    deixai-me agora falar
    do fruto que me fascina,
    pelo sabor, pela cor,  
    pelo aroma das sílabas:
    tangerina, tangerina.

     

  • Eugénio de Andrade




Estanos no Verão, época de todas as frutas, de as experimentar e de se deliciar com os seus delicados sabores.
Também eu gosto de tangerinas, que felizmente agora há o ano todo. Como-as principalmente ao pequeno-almoço, porque se deve comer um fruto nesta refeição, são fáceis de descascar e sumarentas.
Gosto também das outras todas enumeradas pelo poeta. Ele tem bom gosto.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

«Dança do Vento» de Afonso Lopes Vieira (Leiria, 26 de janeiro de 1878 — Lisboa, 25 de janeiro de 1946)

 

Dança do Vento

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!

Afonso Lopes Vieira, in 'Antologia Poética'



domingo, 14 de março de 2021

«Bucólica» de Miguel Torga




Neste domingo de Março, cheio de sol mas ainda frio, mais um poema de Miguel Torga, de grande beleza e inspiração na natureza.

Para nos animar e lembrar que a vida é o que temos de melhor, bem como a esperança.




 Bucólica


A vida é feita de nadas;
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.



TORGA, M., Diário, 1941.




sábado, 6 de março de 2021

«Visão cosmológica do tempo» de Isabel del Toro Gomes

 




Visão cosmológica do Universo


Como  tudo é  prodigioso

E mágico na natureza

Que renasce em cada madrugada




Como tudo me deslumbra

Do nascer ao pôr do sol

Que marca o tempo que passa

Sem darmos por ele passar

Como se fosse uma surpresa

A eternidade dum minuto

Que pode durar séculos, 

Milhões, bilhões de anos

Uma vida inteira que se traduz

Num pequeno nada que se renova

Um minuto de felicidade



Três ou quatro palavras por dizer

Como é tudo prodigioso

E trágico por natureza

No nosso imenso universo.