Mostrar mensagens com a etiqueta «A invenção do Amor» de Daniel Filipe. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta «A invenção do Amor» de Daniel Filipe. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 3 de março de 2020

«A invenção do Amor» de Daniel Filipe e o Coronavírus

Rua da Senhora da Glória, à Graça (Vihls)
E agora, como é que os namorados (e os outros)  vão fazer?
Como é que se pode namorar sem beijar e abraçar?
Podemos evitar viajar, ir a espaços fechados, até andar nas ruas …tudo isso se remedeia com facilidade, nestes tempos mais «livres». Mas nada de beijinhos e abraços... até o nosso Presidente Marcelo vai ficar deprimido, faz muita falta aos povos mediterrânicos, que falam muito com as mãos e em voz alta e que gostam de beijinhos.
Que se acabe depressa a quarentena dos beijos e abraços, que entretanto se vão mandando por telemóvel e pelas redes sociais.

Bairro Padre Cruz-Lisboa

Entretanto, veio-me à mente o belíssimo poema de Daniel Filipe, 
A Invenção do Amor, em que se perseguem os amantes por todos os meios, que transcrevo aqui em parte. 
Esperemos ainda que este vírus não tenha sido inventado em laboratório, tudo é possível nos tempos que passam! 
E que escapemos vivos, claro!

A invenção do amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos 
nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro 
que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia iminente a captura 
A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
 Antes que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
(...)
Daniel Filipe