Jorge Barbosa, poeta cabo-verdiano (1902-1971), quase desconhecido entre nós, deu a conhecer a tragédia humana das populações de Cabo-Verde nos seus poemas. Escolhi este poema por ser uma descrição perfeita, cheia de realismo, duma cena da vida quotidiana.
Ilha
Quando o barco alemão vem à ilha carregar sal
há um sobressalto íntimo de contentamento
na gente que fica a ver de terra.
À varanda da antiga casa do largo
olhos curiosos em direcção ao mar
atravessam as lentes baças
de velho binóculo do tempo dos piratas.
Toma certo ar garboso e oficial
com a bandeira nacional à popa
o escaler a remos
ao partir apressado ao vapor
com as autoridades todas do porto
e o empregado da firma carregadora
que leva uma grande pasta sob o braço...
Compram-se a bordo novidades
ouvem-se notícias de longe...
bebe-se
cerveja gelada...
O barco parte depois
e a Povoação resignada
retoma a monotonia habitual...
...à noitinha
à hora tagarela de em seguida ao jantar
os homens reúnem-se na rua principal
comentando as ocorrências do dia.
Vem então à baila aquela passageira de boca pintada
que seguia para o Congo Belga...
E da evocação da mulher estrangeira
ficou um sonho parado
em cada um...
(in Ambiente)