sábado, 28 de novembro de 2020

Cinema Londres

 A Flauta Mágica, de Bergman, no cinema Londres (com o seu mítico snack bar em círculo e sofás para sentar à entrada).

Deve ter sido em 1975.



Parece que foi há já muito muito tempo e que não passou de um mau sonho.
Mas não foi. O cinema Londres só fechou definitivamente em 2013 e virou um loja de produtos chineses (mais uma).

O processo por que tudo passou foi explicado num artigo de João Pedro Pincha, no Observador

A chegada dos empresários chineses é o fim da linha para o Londres, o fim de uma aventura cinematográfica iniciada em janeiro de 1972, com a exibição do filme Morrer de Amar, de André Cayatte. O filme não fez grande história, mas inaugurou aquela que durante muitos anos foi considerada a “mais luxuosa sala-estúdio de Lisboa”, com as famosas cadeiras que deslizavam para baixo onde, ao longo dos anos, milhares de espetadores viram títulos como Vivre sa VieHiroxima, meu AmorFitzcarraldoParis Texas e, mais recentemente, êxitos de bilheteira como A Vida é Bela Titanic, entre tantos outros.

“O meu falecido tio comprou o prédio em 1948”, lembra António Serralha Ferreira, a cujas mãos o edifício chegou em 1985, na sequência da morte daquele familiar. Na altura, a fração A já era ocupada pelo cinema. Mas podia nunca ter existido Londres. O espaço fora já uma discoteca e um salão de bowling e só por acaso não se transformou num supermercado.

“Quando aquilo deixou de ser [um salão de] bowling, ficou devoluto e o meu tio pediu-me para ver se havia hipótese de arranjar alguém, uma entidade do Estado, nomeadamente a obra social do Ministério das Corporações, que tinha um supermercado [que ocupasse o espaço]. Essa hipótese pôs-se, chegou-se a estudar, mas entretanto apareceu a Socorama”.

A Socorama, distribuidora de cinema ligada à família Castello Lopes, ocupou o Londres até fevereiro de 2013. Nessa altura, a empresa pediu insolvência e viu-se obrigada a encerrar essa e outras salas por falta de pagamento da conta da luz. Apesar de, à data, o encerramento ter sido dado como meramente provisório, a verdade é que a histórica sala não voltou a abrir as portas e as tão famosas cadeiras ficaram paradas definitivamente, à espera de melhores dias.

cinema londres,

Situado na Avenida de Roma, o cinema Londres foi durante 41 anos o refúgio de muitos que buscavam um outro cinema. Hugo Amaral/Observador

 Uma questão de vida ou de morte

Os dias melhores nunca chegaram. E, quando António Serralha Ferreira recebeu a confirmação definitiva de que o Londres já não exibiria mais filmes da Castello Lopes, começou a movimentar-se. “Eu tentei junto de vários empresários do ramo cinematográfico – que fizeram algumas visitas – e do ramo cultural – que fizeram algumas visitas -, que aquilo continuasse da mesma forma. Tanto assim é que eu pedi ao João Paulo Abreu, administrador da Socorama, que não mexessem em nada, deixassem estar tudo tal e qual, equipamentos, salas montadas, cadeiras, projetores, tudo, para ver se conseguia encontrar alguém que os substituísse.”

É aqui que as versões entre movimento de comerciantes e os proprietários divergem. Após a assinatura do contrato com os empresários chineses, a 7 de dezembro de 2013, estes promoveram imediatamente obras no espaço. António Serralha diz que os trabalhos eram necessários dada a destruição causada pela retirada de equipamento. Carlos Moura-Carvalho rejeita que a responsabilidade seja toda da administração de insolvência da Socorama. “Não foi só a massa falida a destruir, foram também as obras dos chineses”, que, aliás, “queriam que o entulho fosse a base” do nivelamento do chão do cinema. O co-proprietário desvaloriza as críticas. Isso, diz, foi “mais uma guerra levantada por essa famigerada associação de comerciantes”.

Trabalhadores da Socorama Castello Lopes manifestam-se

A Socorama pediu a insolvência em fevereiro de 2013 e levou ao encerramento de 49 salas de cinema. Setenta e cinco pessoas ficaram desempregadas.  Manuel de Almeida/Lusa

Voando sobre um ninho de cucos

“Se eu preferia um uso diferente? Preferia, mas não era possível. A ideia era boa, mas pura e simplesmente inexequível.” António Serralha Ferreira é peremptório quando fala no projeto proposto pelo movimento de comerciantes, que chegou a contar com o apoio de Rui Nabeiro, fundador da Delta Cafés. Só em dezembro de 2013, quando o negócio entre os proprietários do Londres e os chineses estava já consumado, é que houve a primeira reunião entre Serralha e Moura-Carvalho, entre outros negociantes. Desse contacto saiu desilusão para ambas as partes.

“Ali não estava nenhum interesse cultural, ali estava um interesse totalmente comercial e financeiro, nada mais do que isso. Eles entendem que uma loja de chineses ali lhes vai fazer sombra em diversos aspetos. É a minha impressão de tudo aquilo”, acusa António Ferreira.

“Fomos sempre procurando mantê-los [aos proprietários] no processo. Nunca quiseram [dialogar]”, acusa, por seu turno, Carlos Moura-Carvalho.

Assinado o novo contrato de arrendamento, foi pedido à Secretaria de Estado da Cultura que, tal como está na lei, autorizasse a afetação do recinto a outros usos que não os cinematográficos. Essa desafetação chegou apenas em junho deste ano, mas já em maio o Expresso noticiara que essa seria a decisão de Jorge Barreto Xavier. Entretanto, as obras iniciadas foram suspensas e o responsável governamental reuniu-se com o movimento de comerciantes para avaliar a viabilidade do seu projeto. “Falámos com ele e correu muito bem”, lembra Moura-Carvalho. “Não fomos para a posição cómoda à espera do dinheiro do Estado. Apresentámos um plano financeiro sólido”, afirma. Também com o adido cultural da Embaixada da China chegou a haver um encontro. “Mostrou-se acessível, mas não queria polémicas”.

Barreto Xavier recebeu os comerciantes, mas não os proprietários, que apenas foram ouvidos por dois assessores do secretário de Estado numa reunião que juntou todas as partes à mesma mesa. “Senti-me mal”, admite António Ferreira, que ficou “com a pior impressão” do responsável do Governo.

fotografia-2

O estado da sala de cinema em junho. Retirado do blogue Encontros Informativos Democracia Direta

Adeus, Cinema Paraíso

Eis-nos chegados ao momento presente. Desde que o Londres fechou passaram 21 meses e ninguém parece ter realmente ganho nada com tudo o que aconteceu. O movimento de comerciantes não conseguiu ver implementado o seu projeto. Os chineses não conseguiram ainda abrir a sua loja, onde, dizem, haverá móveis de Paços de Ferreira e atoalhados de Torres Novas à venda. António Serralha Ferreira não recebeu um único euro em rendas. O prejuízo já será superior a 200 mil euros.

Quem terá perdido mais, contudo, foram os espetadores. “Era frequentador do cinema, fui lá muita vez. Muito frequentador. Foi uma surpresa muito desagradável”, garante o proprietário, que tinha dois lugares reservados em todas as estreias. “Tive pena, pois tive, como tive pena que fechasse o King”. Ele e muitas pessoas, que durante anos rumaram à Avenida de Roma e arredores em busca do cinema alternativo que ofereciam o Londres, o King, o Star, o Quarteto, o Roma… Agora, na zona, não há qualquer cinema de rua.

E, como é unanimemente apontado por quantos se envolveram na ‘questão Londres’, a criação da loja chinesa é um mal menor. Tal como no fim do Cinema Paraíso, deste filme não se sai sem um sabor agridoce na boca.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

«Olhamo-nos nos olhos pela internet» de José Luis Peixoto

 




José Luís Peixoto
 (GalveiasPonte de Sor, 4 de setembro de 1974) é um narradorpoeta e dramaturgo português, cuja primeira obra foi publicada em 2000.

Com apenas 27 anos, José Luís Peixoto foi o mais jovem vencedor de sempre do Prémio Literário José Saramago. Desde esse reconhecimento, a sua obra tem recebido amplo destaque nacional e internacional. Os seus livros estão traduzidos e publicados em 26 idiomas.



Em Março deste ano, escreveu este poema que retrata o que todos nós sentimos quando ficámos enclausurados em casa, por motivo da pandemia.

E o poema era como uma casa que nos protegia. 

Temos esperança que continue a ser.



Olhamo-nos nos olhos pela internet.

 

Eu transmito-te este domingo à tarde,

a voz do vizinho através da parede.

 

Tu transmites-me a distância que existe

depois do que consigo ver pela janela.

 

Durante a noite mudou a hora e, no entanto,

continuamos no tempo de ontem.

 

Como é raro este domingo, não podemos

garantir que amanhã seja segunda-feira.

 

O futuro perdeu-se no calendário, existe

depois do que conseguimos ver pela janela.

 

O futuro diz alguma coisa através da parede,

mas não entendemos as palavras.

 

Lavamos as mãos para evitar certas palavras.

 

E, mesmo assim, neste tempo raro, repara:

tu e eu estamos juntos neste verso.

 

O poema é como uma casa, tem paredes

e janelas, é habitado pelo presente.

 

Olhamo-nos nos olhos pela internet,

estamos verdadeiramente aqui.

 

O poema é como uma casa,

e a casa protege-nos.

 

José Luís Peixoto, 29 de Março de 2020

 





terça-feira, 24 de novembro de 2020

A urze

 Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.”

Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.” 

Mas vamos conhecer melhor a Urze. Esta pequena planta que se destaca na paisagem das montanhas e serras, nas florestas e jardins de Portugal e que Torga tão bem descreveu, revelando a sua importância e a “personalidade” única de resistência e persistência.

A urze

Esta espécie, única do género Calluna, pertence à família das Ericaceae, e também é conhecida pelos nomes vulgares de Torga, Queiró, Queiroga, entre outros. 

Urze. Foto: Sannse/WikiCommons

A sua designação científica apresenta alguma curiosidade. O género Calluna surge do grego – Kallunein – que significa “varrer” e que está associado ao tradicional uso de vassouras artesanais e vulgaris, do latim, que indica que se trata de uma planta comum.

A urze é um pequeno arbusto perene, que pode chegar aos 40 anos de idade. De crescimento reduzido, pode atingir 20 a 100 cm de altura e formar pequenos tufos densos e coloridos. Bastante ramificada desde a base, os seus ramos crescem na vertical, apresentando tons amarelos e avermelhados. As raízes ramificam profundamente, garantindo um bom suporte e sustentação. Com o decorrer dos anos as raízes tornam-se grossas, lenhosas e retorcidas.

As folhas persistentes e muito pequenas, ligeiramente pubescentes, são verdes durante todo o ano. No entanto durante o inverno, as folhas envelhecidas que permanecem na planta, podem apresentar tons de bronze, prata, amarelo, laranja, púrpura e vermelho. Os frutos são pequenas cápsulas, redondas, com cerca de 2 mm de diâmetro e com numerosas sementes no seu interior.

As flores, de tons rosa, púrpura e lilás, surgem no outono numa tela colorida muito especial, atraindo inúmeros polinizadores. A diversidade de insectos que visitam esta planta é notável, incluindo as abelhas, moscas, borboletas noturnas e diurnas. Da atração das abelhas, pelas suas flores ricas em néctar, resulta um mel rico e escuro, descrito como sendo um mel perfumado, com odor a caramelo, doce e com um travo ligeiramente amargo. 

A urze em Portugal

Esta é uma espécie nativa da Europa e norte de África. Em Portugal ocorre um pouco por todo o território, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Urze. Foto: Bjorn S./WikiCommons

sábado, 14 de novembro de 2020

«Cheirinho a Madressilva» de josé Luís Gordo-Mário Raínho / Fontes Rocha





A beleza desta planta com flores amarelas e brancas dão grande beleza aos campos, além de terem um agradável cheirinho adocicado.




Tive a sorte de ter passado umas pequenas férias num hotel no Caramulo, que tinha belos recantos para descanso ou para leitura rodeados de Madressilva.
Nunca hei-de esquecer esse tempo e essa flor, que já inspirou até um fado, cantado por Maria da Fé, cujos versos se seguem.




 Cheirinho a Madressilva


José Luís Gordo-Mário Raínho / Fontes Rocha
Repertório de Maria da Fé

Ai Madressilva perfumando os montes
Ao povo não contes quem te perfumou
Foi água fresca da velha nascente
A cantar contente, que por ti passou
Ai Madressilva, pézinho silvestre
Como tu cresceste nos jardins da serra
Ai Madressilva no muro da esperança
Ai madre criança a enfeitar a terra
Ai Madressilva, menina dos muros
Dos cheiros mais puros, singelos, sadios
Ai Madressilva, ai madre que eu canto
Vestida de encanto á beira dos rios
Ai Madressilva dos meus namorados
Dos bailes mandados lá nas romarias
Ai Madressilva, quem te deu o cheiro
Tão casamenteira p’ra tantas Marias




sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Metamorfose da borboleta - zebra




Tendo encontrado no Facebook um grupo sobre Lepidópteros, Borboletas em Portugal, comecei a ler os posts para aprender o mais possível sobre estes maravilhosos seres coloridos alados.

O mais interessante é ir pelos jardins ou campos, encontrá-los a alimentar-se nas flores e, claro, fotografá-los, o que requer muita paciência e sabedoria.

A minha 1ª lagarta foi esta gorducha, há alguns dias, que se alimentava freneticamente, para passar à fase de pupa ou crisálida, nascendo desta metamorfose a bela Borboleta-Zebra (nome comum).

Fiquei muito contente por a ter encontrado, claro, pois é difícil ver as lagartas numa cidade num ramo acessível à vista. Tive sorte.

Deixo-vos um pequeno vídeo sobre o nascimento e desenvolvimento das borboletas.

Talvez vos desperte a curiosidade por saber mais.


https://www.youtube.com/watch?v=b8BrZcyT2fQ 









quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 



As nuvens têm feito a sua aparição em poucos dias deste Outono.

Ontem, no entanto, apresentavam-se em contrastes branco/negro, com formas curiosas.

E de facto choveu mesmo, refrescando os nossos pensamentos, sonhos e  natureza.

Mais um belo poema de Fernando Pessoa.


Como nuvens pelo céu

Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.
São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece.
Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transtorna?
Que coisa inútil me dói?

.
Fernando Pessoa
In Poesias Inéditas (1930-1935)