«Deve e haver» é um livro que reúne notas, crónicas e reportagens do professor, jornalista e ex-director do Diário de Notícias, em que o autor fala dos factos e fait-divers dos tempos dos anos oitenta. É, assim, um ótimo livro para se ler agora, trinta anos depois, para relembrar o que se fez e o que se disse nessa época de atentados (Camarate), de ADs, do Solidadriedade na Polónia e tantas outras coisas que esquecemos já.
Do autor diz Eduardo Prado Coelho: «...E há o Mário Mesquita com uma prosa ladina...».
Vasco Pulido Valente acrescenta: «...um açoriano cético e, portanto, temível, chamado Mário Mesquita.»
Pena é que tenha abandonado a política em 1978 (ele lá sabe porquê), pois o seu espírito percutante e corajoso faz falta nos tempos que correm.
Nada mais atual do que esta nota (substituam-se os nomes à vontade do freguês):
O poder pessoal
A personalização é característica bem vincada da vida política portuguesa. Escolhem-se pessoas concretas, mais do que ideias abstratas. Opta-se por líderes tornados familiares pela TV, e não por fastidiosos programas impressos em brochuras que ninguém lê.
Fulanismo ibérico? Talvez, embora a tendência esteja generalizada na Europa e fora dela. Entre nós, tivemos os exemplos elucidativos de Sá Carneiro, Ramalho Eanes e, agora, de novo, o de Mário Soares, desta vez a nível interno do PS.
Será um bem ou um mal esta tendência? Todos condenam, em abstrato, as insinuações em que a personalização possa converter-se em poder pessoal, mas, em concreto, cada qual é mais sensível quando a pessoa é outra e o poder alheio...
Assim se compreende que setores da maioria desejem o reforço do poder pessoal de Soares no PS, na suposição de que desse modo será possível impedir o poder pessoal de Eanes no País. Ninguém pensa os cargos independentemente dos seus titulares; discutem-se as pessoas, por interpostas instituições...»
O texto acaba assim, em reticências. A história repete-se, não há dúvidas. Podíamos era tirar alguns ensinamentos do passado, para o presente ou futuro, se a memória não fosse curta e o tal «fulanismo ibérico» tão exacerbado!
Olhemos o caso dos belgas, que nem de governo precisam para se governarem! E têm a «batata frita» como herói nacional ( ao menos come-se e é bom)!