Mostrar mensagens com a etiqueta Rosa Ramalho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rosa Ramalho. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«Rosa» de Mário Cláudio



«Rosa» (1988) é o título do terceiro volume de uma trilogia de romances inspirados em personagens reais. Sobre ele, disse Mário Cláudio:

Eu procurei fazer dela uma figura pluridimensional. No fundo, a Rosa Ramalho é a figura do norte português, é a fêmea do Norte de Portugal que vem desde a Idade Média, que se prolonga pelos nossos  dias, e que naquela mulher específica de S. Martinho de Galegos, de certa forma, encarnou com uma violência tal que permitiu que se erigisse como uma figura tutelar na nossa neutralidade.»

De facto, o autor consegue transmitir o retrato duma figura não só pluridimensional, mas única no nosso meio cultural. Figura franzina, pequena e de olhos ladinos, de resposta trocista na ponta da língua afiada, como é próprio de quem vive num meio natural inóspito, é uma personagem verdadeiramente telúrica, uma força da natureza que fazia o milagre dos bonecos de barro, que lhe saíam das mãos prodigiosas e da mente ensimesmada.
Rosa fazia bonecos desde muito nova, quando a mãe a chamava guardava-os no seio, como tesouro. Quando se casou com um moleiro aos 16 anos, dedicou-se aos 7 filhos que teve e à vida dos moinhos, nunca mais fazendo bonecos. Só aos 68 anos, depois de enviuvar, se dedicou novamente aos seus bonecos fantasiosos e dramáticos. Mulher inteligente, ensinou tudo que sabia à sua neta Júlia Ramalho, filha de um filho que lhe morreu, para que a sua arte não acabasse.

Abria a porta do forno, retirava as telhas e a lama com que a barrara, esperava que se dissipasse aquela névoa. ali estava, pois, diante da assadura, breve magote de fantoches calcinados, como se fora recolhê-los aos depósitos eternos. Lambiam-lhe as farripas do cabelo algumas chamas, que retomavam o ar livre, enfim, uma vez concluída sua função torturadora e aglutinante. Formava-se o Universo dos gestos que executava, conferia o resultado que deles obtinha, com as rugas todas numa crispação. e a paz a tomava, porque não conhecia o parto dos artistas em pecado que, na proximidade de tudo, não sabem adestrar a natureza que têm.