João da Cruz e Sousa (1861-1898) foi um poeta brasileiro que teve uma vida assaz singular.
Filho de um escravo e de uma lavadeira, ambos negros, foi educado em casa do marechal Guilherme Xavier de Sousa, como filho adotivo.
Fugindo assim à triste sorte que o esperava, recebeu uma educação esmerada com os melhores professores e, desde muito jovem, começou a sua atividade de escrita, com publicações em jornais. Fundou mesmo com outros escritores um pequeno jornal literário, Colombo.
Entretanto morre o poeta Castro Alves, poeta que lutou pela libertação dos escravos no Brasil e que muito influenciou a poesia de Cruz e Sousa. Ele próprio defende a causa abolicionista, fazendo conferências em várias cidades.
Os seus dois livros mais importantes são Missal (poemas em prosa) e Broquéis, ambos editados em 1893 pelo editor Fernando Magalhães, que abrira pouco antes a sua editora, a Magalhães e Companhia - Editores. Apostar num autor negro cinco anos após a Abolição era um apelo irresistível e arriscado, que não foi recebido pela crítica da época com o esperado sucesso.
A hipótese de haver um grande artista negro no Brasil não parecia possível. Entretanto, aquelas obras consolidaram o Simbolismo no Brasil, de que Cruz e Sousa foi precursor. Foi mais tarde alcunhado de Dante Negro e Cisne Negro, o que revela a admiração que conquistou do público em geral.
A sua vida foi recheada de desventuras e infelizmente acabou por morrer de tuberculose, com apenas 37 anos, numa situação económica deplorável.
Mais um poeta desditoso a juntar a tantos outros, ao longo da história da Literatura. Que não sejam ao menos esquecidos!
Gostei sobretudo dos poemas em que se revela o seu fascínio pelo mar. Este é um deles:
Ocaso no Mar
Num fulgor d' ouro velho o sol tranquilamente desce para o ocaso, no limite extremo do mar, d' águas calmas, serenas, dum espesso verde pesado, glauco, num tom de bronze.
No céu, de um desmaiado azul, ainda claro, há uma doce suavidade astral e religiosa.
Às derradeiras cintilações doiradas do nobre Astro do dia, os navios, com o maravilhoso aspecto das mastreações, na quietação das ondas, parecem estar em êxtase na tarde.
Num esmalte de gravura, os mastros, com as vergas altas, lembrando, na distância, esguios caracteres de música, pautam o fundo do horizonte límpido.
Os navios, assim armados, com a mastreação, as vergas dispostas por essa forma, estão como que a fazer-se de vela, prontos a arrancar do porto.
Um ritmo indefinível, como a errante, etereal expressão das forças originais e virgens, inefavelmente desce, na tarde que finda, por entre a nitidez já indecisa dos mastros.
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Surgindo através de tufos escuros de folhagem, além, nos cimos montanhosos, uma lua amarela, de face chata de chim, verte um óleo luminoso e dormente em toda a amplidão da paisagem.
Ocaso no Mar in Missal, de Cruz e Sousa
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Surgindo através de tufos escuros de folhagem, além, nos cimos montanhosos, uma lua amarela, de face chata de chim, verte um óleo luminoso e dormente em toda a amplidão da paisagem.
Ocaso no Mar in Missal, de Cruz e Sousa