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sábado, 2 de abril de 2011

«Prosaica» de José Blanc de Portugal



Neste país de poetas, a maior parte desconhecidos, mais um que foi grande e que deve ter caído no esquecimento. Para o relembrar, aqui estou eu.
D. José Bernardino Blanc de Portugal (grande nome!) nasceu em Lisboa em 1914 e faleceu em 2001. De formação na área das Ciências Geológicas, trabalhou nos serviços de metereologia em Lisboa, na ilha do Sal, nos Açores, em Luanda e em Moçambique. Publicou várias memórias científicas, exerceu crítica musical, foi fundador dos Cadernos de Poesia, onde publicou muitos dos seus poemas. Um homem de vastos interesses e conhecimentos, portanto, como há cada vez menos.
A sua poesia caracteriza-se por uma dignidade de tom, uma severidade austera da expressão, uma linguagem original, irónica e muito peculiar que, através de um humor quase negro ou de uma  discreta ternura, repercutem uma consciência trágica das contradições do mundo moderno.
A própria imagem da vida humana, ontem hoje e sempre, pelos vistos. «Prosaica» é um belo exemplo disso mesmo:

Prosaica
Se um dia vier a ser
-Tudo é bem possível,
Ou, melhor, o que é provável
Muito mais do que possível,
Entendamo-nos noeticamente-
Se um dia vier a ser - ia dizendo -
A besta apropriada para ter assento
Em um (ou mais )Conselhos de Administração,
Faço o propósito solene de assinar
Toda e qualquer lista de subscrição
Mesmo que caridosamente apenas
Político-literárias, de candidaturas...

O intuito óbvio podia ser;
Mas não é:
Quererei mostrar apenas que, por cá,
Ser uma besta é menos que insultuoso:
Taxonomia apenas, cientificamente,
O que ainda não é só mineral,
O calhau, do qual e aliás,
Se aproxima insensivelmente.

(Que possua real vida ou não
É objecto de outra dissertação
Mas, para a besta, que isso seja vida
É a consabida incerta sensação.)
                                                     Odes Pedestres