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quinta-feira, 29 de maio de 2014

«Um rosto na cidade» de David Mourão-Ferreira




Sempre a poesia e os poetas, que nos salvam do efémero caótico do dia a dia a que nos querem condenar.
E as cidades que eles nos evocam, como Veneza (cidade a emergir da terra), Sevilha ou, noutra escala,  Aveiro,  também bela e pitoresca com os seus barcos e canais.
Os rostos, esses, continuam a passar pelas cidades, mas sem risos.
 
 
David de Jesus Mourão-Ferreira (1927/ 1996) 
 
 
 Veneza e as suas gôngolas
 
Um rosto na cidade



Um rosto   Uma cidade  
Um rosto sem nevoeiro
Acordas de manhã no golfo do meu ombro
E vem contigo a luz dos campi de Veneza
com a laguna ao longe e gôndolas na sombra
Um rosto   Uma cidade a espreguiçar-se ao vento
Luz de canais em torno   E de canais por dentro

Um rosto   Uma cidade  
E um rasto se adivinha
no riso de uma rua   à esquina de uma ruga
Nem vejo a tua boca   Um pátio de Sevilha
agradece em Agosto a chegada da chuva
Um rosto   Uma cidade a emergir da terra
Luz de pátio molhado   E de água na cisterna

                                                               David Mourão-Ferreira, in Matura Idade




Aveiro
De dia e à noite, com os seus  barcos moliceiros - 2004
 

domingo, 2 de junho de 2013

Sevilha




Dos meus antepassados de Sevilha, apenas conheci o meu avô Mariano, que eu adorava e que me chamava «joinha». Foi também meu padrinho. Ficou viúvo muito cedo, a minha avó morreu aos 33 anos. Era um pai extremado, vivendo sempre com a sua filha (minha mãe) e dando-lhe todo o amor e carinho que conseguia, para colmatar a falta que uma mãe faz, como ele próprio sabia.




Era uma doce e terna criatura, e como sevilhano de gema, gostava de  touradas. Nisso não o acompanhava. Sua mãe, Dolores, morreu de parto, o pai um ano depois, dizem que por ter ficado no cemitério tempo de mais ao sol, em frente ao túmulo dela. 



Meu avô Mariano foi compensado de tanta desventura com um novo amor encontrado numa mulher do povo, trabalhadora e inteligentíssima, que começou por servir lá em casa: a Tatão   
(diminutivo de Conceição). Esta também ficou no meu coração, para sempre.

Da breve vida dos meus bisavós sevilhanos não me restou nada, nem uma foto. Terão passeado e namorado pelo magnífico Parque Maria Luisa, deixado lá a marca dos seus passos felizes naquele momento. É estranho olhar estas imagens paradisíacas e pensar que aqui começou uma parte da minha família. E sentir saudades do que nunca se conheceu. 
E tudo tão belo, num mundo cheio de sofrimento e dor.