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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

«POema do Menino Jesus» de Alberto Caeiro






presépio em frente da Igreja de Moscavide, Dezembro de 2017

Poema do Menino Jesus


Num meio-dia de fim de primavera
Eu tive um sonho, como uma fotografia.
Eu vi Jesus Cristo descer à terra.
Ele veio pela encosta de um monte,
tornado outra vez menino,
a correr e a rolar-se pela erva
e a arrancar flores para as deitar fora
e rir de modo a ouvir-se de longe.

Ele tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
de segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
com flores e árvores e pedras.
No céu, Ele tinha que estar sempre sério
e de vez em quando de se tornar outra vez homem
e subir para a cruz.
Estar sempre a morrer
com uma coroa toda à roda de espinhos
e os pés espetados por um prego com cabeça,
e até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas,
um velho chamado José, que era carpinteiro.
Não era pai dele;
o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo.
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala em que
ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
e nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!





Um dia que Deus estava a dormir
e o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
e deixou-o pregado na cruz que há no céu
e serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje Ele vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso natural. 
Ele limpa o nariz no braço direito,
Ele chapinha as poças de água,
Ele colhe as flores e gosta delas e esquece-as. 
Atira pedras aos burros,
rouba fruta dos pomares
e foge a chorar e a gritar dos cães.
E porque sabe que elas não gostam
e que toda a gente acha graça,
Ele corre atrás das raparigas
que vão em ranchos pelas estradas
com aquelas bilhas nàs cabeças
e levanta-lhes as saias.

A mim [...] ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão
e olha devagar para elas.




Depois cansado, o menino Jesus adormece nos meus braços.
Levo-o ao colo para dentro de casa
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

Damo-nos tão bem um com o outro
na companhia de tudo,
que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos, os dois com um acordo íntimo
como a mão direita e a esquerda.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens.
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ele ri dos reis e dos que não são reis,
e tem pena de ouvir falar das guerras,
dos comércios, da violência e dos navios
que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que a tudo isso falta àquela verdade
que uma flor tem ao florescer
e que anda com a luz do sol
a variar os montes, vales,
fazem doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
e como seguindo um ritual muito limpo
e todo materno até ele estar nu.




Ele adormece dentro da minha alma
e às vezes acorda de noite
e brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
põe uns em cima dos outros
e bate as palmas sozinho
sorrindo para o meu sono.
     
Quando eu morrer, filhinho,
seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
e leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
e deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba,
não há de ser ela mais verdadeira
que tudo quanto que os filósofos pensam
e tudo quanto as religiões ensinam!


                                                      Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa)
                                                      VOZ: António Abujamra




domingo, 19 de julho de 2015

Alberto Caeiro


 
Alberto Caeiro
 
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, foi venerado como mestre pelos outros heterónimos e até pelo seu criador.
Nasceu em Lisboa, mas passou a vida no campo, como «guardador de rebanhos».

 
O seu rebanho, esclareceu num poema, eram os seus pensamentos.
 
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.


Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.


Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

                                     Poemas de Alberto Caeiro

quinta-feira, 20 de março de 2014

«Quando Vier a Primavera» de Alberto Caeiro






Quando Vier a Primavera 


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

                                                               Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
                                                              




Para comemorar o início da primavera 2014, que não vai ser uma primavera qualquer, certamente, aqui fica este poema de Alberto Caeiro, o heterónimo de Fernando Pessoa panteísta e bom conhecedor das sensações. Com muitas flores, como as prímulas ou primaveras.