segunda-feira, 27 de abril de 2020

«História de um caracol que descobriu a importância da lentidão» de Luis Sepúlveda




Luis Sepúlveda (Ovalle, 4 de outubro de 1949Oviedo, 16 de abril de 2020) foi um romancista, realizador roteirista, jornalista e activista político chileno
Residia ultimamente em Gijon, Espanha, após viver entre Hamburgo e Paris
Morreu em Abril deste ano de Covid 19, depois de muitos dias de luta contra este vírus que está a assolar o mundo e a causar milhares de mortos.
Depois de vencer tantas dificuldades e barreiras desde jovem, de combater contra o fascismo de Pinochet e de lutar pela liberdade do seu país, o Chile, foi este vírus desconhecido que o fez sucumbir.
Deixou-nos uma grande obra, entre a qual realço este livro «História de um caracol que descobriu a importância da lentidão», que resultou de uma pergunta feita por um dos seus netos e que é uma lição para todos nós, que vivemos num mundo cada vez mais rápido e indiferente aos outros.
E que nos revoltamos, por vezes, contra a lentidão e contratempos a que a passagem do tempo pelo nosso corpo nos constrange.

- Quero saber porque sou tão lento - segredou o caracol.
O mocho abriu então os seus olhos enormes e redondos e observou atentamente o caracol.. Depois fechou-os outra vez.
-És lento porque carregas um grande peso - revelou-lhe o mocho.
(…)
Tu és um jovem caracol e tudo o que viste, tudo o que provaste, as coisas amargas e doces, a chuva e o sol, o frio e a noite, tudo isso vai contigo, pesa, e, como és tão pequeno, esse peso torna-te lento.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

23 de abril 2020 - Dia Mundial do livro





O que seria de todos nós , sem os livros, em todos estes dias de isolamento profilático, sem poder sair de casa?



Era muito mau, de certeza, porque os livros nos trazem o mundo lá de fora, nos falam de viagens, de coisas que não podemos ver nem sentir agora. 
E nos impedem de estar sempre a ver as notícias do Covid 19!


Ítalo Calvino disse:
«Só nas leituras desinteressadas pode acontecer encontrares o livro que se tornará o «teu livro».





quinta-feira, 16 de abril de 2020


A imunologista Maria de Sousa, que morreu esta terça-feira aos 81 anos vítima de Covid-19, deixou uma última mensagem, em verso, escrita a 3 de abril, momento em que já se encontrava gravemente doente.
O poema, escrito em inglês, foi divulgado esta quarta-feira numa tradução do médico e poeta João Luís Barreto Guimarães pela editora Quetzal.

A cientista foi uma das primeiras mulheres portuguesas reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas, tendo-se destacado na área da imunologia, nomeadamente na questão da distribuição dos linfócitos.


O último poema de Maria de Sousa, uma emocionante despedida da vida desta grande mulher portuguesa e uma carta do verdadeiro amor que dedicava à ciência e à humanidade.




Carta de amor numa pandemia vírica
Gaitas-de-fole tocadas na Escócia
Tenores cantam das varandas em Itália
Os mortos não os ouvirão
E os vivos querem chorar os seus mortos em silêncio
Quem pretendem animar?
As crianças?
Mas as crianças também estão a morrer
Na minha circunstância
Posso morrer
Perguntando-me se vos irei ver de novo
Mas antes de morrer
Quero que saibam
O quanto gosto de vós
O quanto me preocupo convosco
O quanto recordo os momentos partilhados e
queridos
Momentos então
Eternidades agora
Poesia
Riso
O sol-pôr
no mar
A pena que a gaivota levou à nossa mesa
Pequeno-almoço
Botões de punho de oiro
A magnólia
O hospital
Meias pijamas e outras coisas acauteladas
Tudo momentos então
Eternidades agora
Porque posso morrer e vós tereis de viver
Na vossa vida a esperança da minha duração



Maria de Sousa
3 de abril de 2020

terça-feira, 14 de abril de 2020

«Recordando o mar» de Isabel del Toro Gomes


Mais um dia de isolamento em casa.
Recordo o mar de todos os lados por onde andei.
Este é o de Burgau.


Esse mar que nos chama

E nos cativa, lá do fundo

E que é sempre da cor do céu







Esse mar em que todas as coisas

Se confundem e se misturam

Algas, rochas, lapas

Peixes, conchas, pedras










Ali, na linha do horizonte

Azul é o céu

Azul é o mar

Azul é a esperança







Ouço o teu apelo amigo

De dia suave e calmo

De noite rouco e turbulento



  

E respondo então assim: 

Mar grande e profundo

Estou aqui!

Deixa-me mergulhar em ti.





sábado, 11 de abril de 2020

«As palavras mal soam» de Isabel del Toro Gomes



No 30º dia de Quarentena devido ao Covid 19 e à beira de um ataque de nervos, pois a situação sanitária e o nº de mortos em Portugal continua assustadora e a respectiva sanidade mental é cada vez mais difícil de manter, aqui fica mais um excerto de um poema meu. 
Foi escrito noutras circunstâncias de angústia, mas adapta-se às actuais.


As palavras mal soam
Na minha memória
Longínquas e esquecidas
Qual viajante peregrino
Em busca do seu caminho
Por entre as urzes perdidas.

Isabel del Toro Gomes



terça-feira, 7 de abril de 2020

«Dia tristonho e cinzento» de Isabel del Toro Gomes



Dia tristonho e cinzento.
Mesmo assim mais um dia de vida com poesia. 
Com uma cesta de flores deslumbrantes, oferecidas pelo marido num dia.

Dia tristonho e cinzento
Onde foram parar
Os dias felizes de outrora?
Nada deles parece restar
Para além das belas paisagens
Dos postais ilustrados.
E de nós só parece ter ficado
Este pobre retrato desarticulado.





domingo, 5 de abril de 2020

«Film» de Adolfo Casais Monteiro



Adolfo Vítor Casais Monteiro  (Porto, 4 de Julho de 1908 - São Paulo, 23 de Julho/24 de Julho de 1972)  foi um poeta, tradutor, crítico e novelista português. 


Esperemos que as nuvens passem, como diz Adolfo Casais Monteiro neste poema. Hão-de passar .
Nada será como dantes, faltarão muitos que foram vítimas desta pandemia, mas as noites continuarão a suceder-se aos dias, a alegria voltará como nos anos 20 depois da 2ª Guerra Mundial, os vivos continuarão a tarefa iniciada pelos pais e pelos mortos.
Como nos filmes.




Film
Asas...Tanta coisa me fugiu!
Caminhos, entreabertas onde
espaço que não os becos?
Tantas fogueiras acesas
havia na minha vida...
Brancura. Nada se prende
nas malhas que se romperam.
E todavia, há ainda os horizontes!
Espero que as nuvens passem.

Adolfo Casais Monteiro
«Poesias Completas»




sábado, 4 de abril de 2020

«Ilha do Pessegueiro» de Isabel del Toro Gomes



Ilha do Pessegueiro


Nesta ilha - paraíso

Já não há nenhum pessegueiro



De dia

Apenas aves

Céu e paisagem



À noite

Promessas de mil estrelas e astros

Sobre o mar



Aí volvemos

Ao princípio dos tempos

Somos Adão e Eva



Comemos maçãs
Corremos saltamos

Somos companheiros

Inseparáveis e felizes.

Isabel del Toro Gomes
23 de Julho 2005