Sempre a poesia e os poetas, que nos salvam do efémero caótico do dia a dia a que nos querem condenar.
E as cidades que eles nos evocam, como Veneza (cidade a emergir da terra), Sevilha ou, noutra escala, Aveiro, também bela e pitoresca com os seus barcos e canais.
Os rostos, esses, continuam a passar pelas cidades, mas sem risos.
David de Jesus Mourão-Ferreira (1927/ 1996)
Veneza e as suas gôngolas
Um rosto na cidade
Um rosto Uma cidade
Um rosto sem nevoeiro
Acordas de manhã no golfo do meu ombro
E vem contigo a luz dos campi de Veneza
com a laguna ao longe e gôndolas na sombra
Um rosto Uma cidade a espreguiçar-se ao vento
Luz de canais em torno E de canais por dentro
Um rosto Uma cidade
E um rasto se adivinha
no riso de uma rua à esquina de uma ruga
Nem vejo a tua boca Um pátio de Sevilha
agradece em Agosto a chegada da chuva
Um rosto Uma cidade a emergir da terra
Luz de pátio molhado E de água na cisterna
David Mourão-Ferreira, in Matura Idade
Aveiro
De dia e à noite, com os seus barcos moliceiros - 2004