terça-feira, 18 de outubro de 2011

«Barranco de Cegos» de Alves Redol



Barranco de Cegos de Alves Redol



Para mim, esta obra de Redol é mais do que um retrato magistral de uma personagem. É um dos maiores romances sobre Portugal, que nos dá a conhecer o Ribatejo profundo, nas suas grandezas e misérias, nas suas brutalidades por vezes chocantes, mas também nas suas coisas belas, como o Tejo, o fandango, os cavalos e os toiros.  O Ribatejo que o lavrador de Aldebarã descreve ao rei D.Carlos como a pátria  do homem criador da própria terra, onde semeava e colhia, como o holandês...

É ainda um precioso documento de como os portugueses viveram outros momentos de crise, de revoltas e convulsões sociais que levaram à morte do rei D. Carlos I e do príncipe real.
Um livro que devia ser lido por todos e pelos nossos políticos e governantes. A ver se aprendiam alguma coisa com a história!


Diz Diogo Relvas sobre os inimigos da Lavoura e da Pátria:

Façam todas as loucuras já que estão loucos. Caminhem para o abismo já que estão cegos. Mas não nos arrastem para o barranco dos cegos e dos loucos...

                                         Barranco de Cegos, de Alves Redol


Barranco de Cegos acaba por ser a biografia de uma personagem real, mas fundamentalmente simbólica de um potentado ribatejano, cuja história Redol nos relata a partir de 1891, ano da revolta republicana no Porto.
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Aquilo que Redol nos mostra é, fundamentalmente, a luta interior e exterior de Diogo Relvas - que simboliza tanto a ideologia conservadora de uma classe dominante como a ideologia reacionária de uma classe decadente - contra a ideologia revolucionária das classes ascendentes.
Redol dá-nos, dentro do romance português, o primeiro retrato magistral de um tal tipo de personagem.

Alexandre Pinheiro Torres



sábado, 15 de outubro de 2011

Montaigne




A vida é como um grande livro que folheamos e cujas páginas mais belas se encontram no fim.

                                               Montaigne (1533-1592)

Montaigne devia ter razão quando escreveu isto, já há alguns séculos.
Que a vida de todos nós podia dar um livro, acho que sim, mesmo a dos mais simples mortais. Aliás, são esses que mais  interessam muitas vezes, porque mais cheias de episódios cómicos e trágicos, ao contrário das vidas vazias de alguns famosos.
Que as páginas mais belas se encontram no fim, já é controverso, embora compreenda a ideia de Montaigne. O fim dum livro é  o mais importante para muitas pessoas, o que desperta mais curiosidade. Daí irem espreitar as páginas finais, o que  tira todo o mistério à história ou ao que se está a relatar. Também o fim  pode ser «a página mais bela» das nossas vidas.
A propósito de tudo isto, aproveito para dizer que ler um LIVRO continua a ser uma experiência maravilhosa, para mim e para muitas pessoas felizmente. Nada poderá substituir ou usurpar o prazer e o lugar desse objeto de arte que é o livro, nem ipods nem ipads ou seja lá o que venham a inventar. Ter um livro nas mãos, folheá-lo, ver e admirar as suas ilustrações, levá-lo para todo o lado, sem limitações de qualquer espécie (espaço, tempo eletricidade, internet...), ler e reler quando se quer (muitas vezes releio os livros da minha infância ou doutros tempos), encher a casa com os livros de que gostámos e que fizeram parte da nossa vida, enfim, é algo insubstituível.
Neste momento de crise social, política e financeira, de angústias,  tristezas e  revoltas, resta-nos sempre o livro que nos permite sobreviver a tudo isto. E as bibliotecas.
Quanto aos jovens, grandes vítimas dos erros que todos têm cometido, governantes e não governantes, só lhes posso dizer que leiam, leiam tudo o que quiserem e que puderem, que desenvolvam as suas capacidades de leitura e que se cultivem com o prazer da leitura. Para que possam defender-se melhor, reagir melhor a todas as situações, principalmente as más, e interpretar melhor toda a realidade que nos rodeia, que cada vez é mais complexa. Por isso, é preciso saber mais e a sabedoria vem da VIDA e dos LIVROS.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

«Erosão» de Fernando Namora



Fernando Namora nasceu em Condeixa-a-Nova, em 1919, e faleceu em Lisboa,em 1989. Foi médico e escritor duma vasta obra que, durante os anos 70 e 80, foi das mais divulgadas e traduzidas. Mas a sua estreia foi com uma coletânea de poemas, quando era muito jovem, em 1938. O seu terceiro livro de poesia, em 1941, teve a importância histórica de iniciar a coleção Novo Cancioneiro e contribuiu decisivamente para fixar certas linhas rurais e humanitárias do neorrealismo na poesia. Seguiu-se um longo silêncio poético, regressando no entanto mais tarde à poesia, com o livro As Frias Madrugadas e Marketing. Sendo tão  pouco divulgada a obra de Fernando Namora poeta, faz todo o sentido lembrá-lo aqui:
Erosão

As terras envelhecem como as pessoas.
São meninas
são adultas
são caducas.
Dói ver morrer
mesmo sendo casas pedras.
Dói que o silêncio
entre nas aurículas
e aí seja musgo
paz saqueada.
Dói tanta coisa:
até um western
numa cidade fantasma.
Dói tudo o que finda
e a findar nos mata.

As terras envelhecem como as pessoas.
São hoje
são amanhã
são ontem.
São futuro
são urtigas
são remorso.
São o próprio desejo
de acabar.

Marketing



Casa onde viveu Fernando Namora, em Monsanto, onde exerceu a profissão de médico

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

«A Espera»


A espera

Depois da espera

Não fica nada…

Os dias que se sucedem

O amanhã que se adia

A vida que não se vive

As palavras que não se dizem

O papel que fica vazio…

Depois da espera

Fica apenas a impunidade

A raiva a injustiça a dor

Ou seja, muito pouco…

Talvez a flor do campo

Que na sua singeleza

Teima em brotar

Das pedras do caminho

Consiga sobreviver mais um dia!


 P.S.: Este poema é dedicado, em geral, a todos que têm sido vítimas da estupidez de algumas leis, da incúria e incompetência de alguns homens que detêm pequenos ou grandes poderes, da ganância e desonestidade de alguns doutores de medicina que se dizem médicos e que não passam de carrascos, etc,etc. Enfim, da desorientação do  mundo e de um Estado desprovido de sentido ético e humanista, que se pode tornar tão cruel e desumano que se devora a si próprio.
E, em especial, a todas as vítimas duma instituição portuguesa, indevidamente intitulada «Caixa Geral de Aposentações», que depois de nos ficar com os descontos de trinta ou quarenta anos de trabalho, fazendo deles o que muito bem lhes apeteceu, sem dar contas a ninguém, se arroga no final o papel de «dono» do resto das nossas vidas.




terça-feira, 4 de outubro de 2011

«Mouraria» de Isabel del Toro Gomes

                                                                            Mouraria e castelo de S. Jorge
 

Mouraria
Por aquele misterioso Beco das Flores
Bem escondido dos deuses e dos homens
Tudo é segredo, nada acontece
Para além do sol que pinta os muros brancos
Um gato preto que se espreguiça
Um pardal que esvoaça no céu sem cor
Alguém que espreita à janela sorrateiramente
Ou um velho trôpego que se dirige
À tasca da esquina, lentamente
Para expulsar os seus fantasmas, as suas dores…
É por aquele misterioso Beco
Que passo um dia e fico cativa.
                                                                                      Beco das Flores

Naquele secreto e minúsculo Beco das Flores
Onde no Inverno os dias são noites
E as noites dias, com fados e guitarradas
Apenas o silêncio escorre pelas paredes
Nada acontece de visível
Para além do frio e da chuva
E da passagem da moura cativa.

O sol deixa de brilhar
O gato de se espreguiçar
O pardal de esvoaçar
Ninguém na janela a acenar
Nem novo nem velho
Na tasca da esquina bebe
O sino da igreja emudece
Nada acontece de plausível…

Apenas o lento e monótono girar do universo
Que é tudo e é nada
No quieto e mudo Beco das Flores
Que me transforma em moura encantada.

                                                                  Isabel del Toro Gomes

                                                                               Beco da Achada, Mouraria


domingo, 2 de outubro de 2011

«Livros atrás das grades»-reportagem de Ana Cristina Pereira e Adriano Miranda



A reportagem que a revista Pública apresenta hoje é muito curiosa e gratificante para os escritores e autores em geral: se há alguém que lê os seus livros são as pessoas que estão nas prisões, quer dizer, os presos. E a leitura ajuda-os muito.
É um estudo bastante interessante conhecer os vários perfis possíveis de leirores e esta reportagem é um contributo inegável para esse estudo.
Eis o que alguns presos dizem:

Ler é fugir daqui.
Um livro pode ser uma forma de liberdade.
Um livro pode ser uma estratégia para nos protegermos - de nós, dos outros.
Um livro pode ser um amigo, uma escola, um auxílio para quem deseja manter um namoro à distância ou apenas passar o tempo.
Os livros afastam-me um bocado dos meus conflitos emocionais, ocupam-me com questões intelectuais.
A leitura é uma escola. Não! A leitura é mais porque está disponível a qualquer momento. A leitura faz parte da sala de aulas que é a vida. Sou um aluno constante. Lerei até ao fim da minha vida.
Gosto de olhar para os livros. Gosto de olhar para eles. Posso estar stressado, chego aqui (à biblioteca) e passa-me o stress...Sinto-me em paz.
Às vezes vejo uma muito em baixo e digo: «Anda cá!» Aquele livro faz milagres. Não o faz toda a poesia?

Estes são testemunhos fantásticos de pessoas que vivem sem liberdade. Nós, os autores e todos os que estão ligados à «indústria» dos livros, não devíamos esquecer isto. Nós ajudamos muita gente e podemos ajudar cada vez mais. A leitura é importante para muita gente! Que bom!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

«O signo da Ira» de Orlando da Costa

Orlando da Costa nasceu em 1929, em Lourenço Marques. É, porém, em Goa que passa toda a sua infância e vive até aos 18 anos. Concluídos os estudos secundários, vem para Portugal em 1947 e licencia-se em 1953, em História e filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa. Após uma curta experiência no ensino, dedica-se à publicidade.
A sua actividade literária inicia-se em 1951 com a publicação de um livro de poesia A Estrada e a Voz. Escreveu vários livros de poesia e de teatro, bem como de ficção. Em 1984 publicou A como estão os cravos hoje, peça levada à cena pela Companhia Seiva Trupe. Pelo conjunto da sua obra, a Academia das Ciências de Lisboa atribuiu-lhe o Prémio Ricardo Malheiros.
Foi militante do Partido Comunista Português até 2006, ano em que morreu em Lisboa.
Reler este livro e redescobrir este autor (comprei-o ao Círculo de Leitores em 1973) foi para mim imensamente enriquecedor. Não só pelo «mergulho» nos cenários estranhos e longínquos dum subcontinente indiano, o Industão, à época ocupado pelos soldados portugueses - os paclé; pelo retrato pungente e dramático da vida daquelas gentes miseráveis que, apesar de trabalharem de sol a sol, nada têm de seu a não ser um mísero casebre e uma esteira no chão para se deitarem (a Natel, a Pidade, o Jaqui, o Gustin, a Coinção); pela aprendizagem de palavras e expressões do crioulo daquelas gentes colonizadas e exploradas ao longo dos séculos, cujas marcas da lusofonia são notórias; como também pela expressão literária deste autor, imbuída de realismo dramático e de beleza telúrica, que devia e podia ser mais lembrado e conhecido entre nós.
Apenas um excerto desta maravilhosa epopeia:

Escravizados à lei do sol e das chuvas, os homens do campo olharam constrangidos para tudo quanto de novo acontecia à sua volta e assistiram, perplexos e temendo a sua própria revolta, à fraqueza e ao declínio dos batcarás, senhores das terras que amanhavam. Viram apodrecer sob o chão alagado a última semente do senhor e à beira do desespero conteve-os a submissão e a esperança. E por isso suportaram a fome caminhando de mãos dadas com o sol no meio de uma paisagem de verdura luxuriante, onde só os frutos suspensos e as ervas de pasto pareciam sobreviver. Mal-aventuradas gentes condenadas a ver as monções vestir de verde a própria morte!

                 Orlando da Costa, O Signo da ira