quarta-feira, 21 de setembro de 2011

«Tradutor de chuvas» de Mia Couto


Ofereceram-me este livro e foi mais uma descoberta: Mia Couto também escreve poesia. Porque poeta sempre ele foi, a sua escrita é toda ela um longo poema. Gostei muito, é um livro inspirador, em que se atinge a beleza completa pela simplicidade, ou vice-versa:
Escolhi alguns poemas que me tocam mais, entre tantos outros:

Flores
Ninguém
oferece flores.

A flor,
em sua fugaz existência,
já é a oferenda.

Talvez, alguém,
de amor,
se ofereça em flor.

Mas só a semente
oferece flores.





Sementeira

O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.

Cada lâmina de enxada
a palavra fere o tempo:
decepa o cordão umbilical
do que pode ser um chão nascente.

No final da lavoura
o poeta não tem conta para fechar:
ele só possui
o que não se pode colher.

Afinal,
não era a palavra que lhe faltava.

Era a vida que ele, nele, desconhecia.


                                                Mia Couto, Tradutor de Chuvas
 


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