segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

«Quando olhei o céu» de Isabel del Toro Gomes

Que bom lembrar os poemas da minha juventude, quando ainda não sabia nada do amor, só sonhava com ele. Teria os meus 16 anos, 17? Ah, a flor da idade, a juventude a brotar no meio dos sonhos e dos vastos campos  de olivais... Tão simples e tão belo, genuinamente sábio, pois já sabia que nas rosas como no amor os espinhos não deixarão de coexistir.


Quando olhei o céu







Quando um dia olhei o céu

Vi nele os teus olhos límpidos.

Voltei a olhar o céu

E vi nele a tua dor infinita

De alguém que precisa de amor.



Quando um dia olhei o céu

Vi nele as flores dum jardim

De pétalas de todas as cores

E em cada ramo de rosa

Vi os espinhos do nosso amor.






«Sonhos» de Florbela Espanca




Sonhos

Viva o sonho que comanda a vida! Como neste poema de Florbela Espanca.
O amor existirá?
Há quem diga que só existem provas de amor.



Sonhei que era a tua amante querida,
A tua amante feliz e invejada;
Sonhei que tinha uma casita branca
À beira dum regato edificada...

Tu vinhas ver-me, misteriosamente,
A horas mortas quando a terra é monge
Que reza. Eu sentia, doidamente,
Bater o coração quando de longe

Te ouvia os passos. E anelante,
Estava nos teus braços num instante,
Fitando com amor os olhos teus!

E, vê tu, meu encanto, a doce mágoa:
Acordei com os olhos rasos d' água,
Ouvindo a tua voz num longo adeus!

                  Florbela Espanca

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

«As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média» de Álvaro Cunhal



Toda a gente conhece Álvaro Cunhal como figura política importante, tanto nos tempos do fascismo, como depois do 25 de Abril. Mas Álvaro Cunhal «historiador» e homem da cultura, muito poucos conhecerão. Pois é, este homem fez muitas outras coisas, além de dedicar toda a sua vida a um partido e a uma ideologia, de que nunca se desviou nem um milímetro: escreveu obras literárias, pintou e desenhou, e estudou história, muita história, com certeza, como se pode comprovar neste livro publicado em 1975, pela Editorial Estampa. Mais um achado fantástico nas estantes da minha casa.
Contradizendo o que o autor chama de «historiadores burgueses», Álvaro Cunhal procura dar-nos a sua visão da história, à luz do marxismo, completamente diferente daqueles outros, claro está. É fascinante apercebermo-nos, ao longo desta obra, que a história não é um somatório de acontecimentos e de personagens, mas sim a interpretação que cada um faz desses mesmos acontecimentos e personagens. Portanto, a História que se ensina nas escolas, é apenas uma História, tendo cada um de descobrir as outras Histórias ao longo da sua vida, conforme puder e tiver curiosidade.
Eis um excerto que achei muito interessante e actual, salvas as devidas distâncias:

Os historiadores burgueses têm apresentado sempre o casamento da filha única de D.Fernando com o rei de Castela, em 1383, como «erro» de um rei inconstante e imprevidente. A verdade é ter sido tal casamento uma manobra política da nobreza, manobra maduramente reflectida e de efeitos cuidadosamente previstos e desejados.
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Sentindo o terreno a fugir-lhe debaixo dos pés, incapaz de suster com os seus recursos próprios o movimento revolucionário ascendente, a nobreza procura deliberadamente a entrada em acção contra a revolução ascendente, do aparelho militar da aristocracia territorial de além fronteiras. Nessa sua política, a nobreza de então seguiu o caminho que sempre têm seguido as classes dominantes, quando sentem em perigo a sua existência.
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As classes parasitárias preferiram sempre, a uma vitória das forças nacionais progressistas, a dominação do seu país por um estado estrangeiro que abafe a revolução e lhes mantenha esses privilégios.

Interessante! Abstraindo da visão marxista do autor, substituindo o estado estrangeiro por uma «União Europeia», será que não nos está a acontecer o mesmo? Dão-nos estradas e depois tiram-nos tudo o resto, os nossos direitos mais básicos, tudo com a simpatia e a bênção da tal Potência Estrangeira. Até um dia!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Português Homem de todas as raças- Isabel d.T. Gomes

Português Homem de todas as raças


Na fronteira do infinito


Sento-me a pensar


Que sou de todas as raças


E de nenhuma.






Na fronteira do infinito


Pressinto com estranheza


Que todas as raças vivem em mim


Se fundem no meu sangue genitivo


No meu ser e no meu espírito


E aprofundam o meu abismo.






Na fronteira do infinito


Sinto que todas as raças me habitam


E me abraçam


Olho as minhas mãos ciganas


Solto os meus cabelos moçárabes


Perpasso os meus olhos de África


Por todo o meu corpo asiático


Por onde correm


Sangues de todas as raças


E de nenhuma.






domingo, 6 de fevereiro de 2011

António Pedro




António Pedro da Costa nasceu em 1909, em Cabo Verde. Veio para Lisboa estudar Direito e Letras, tendo vivido depois em vários países. Viveu os últinos anos da sua vida em Moledo do Minho, onde morreu em 1966.
Esteve ligado ao teatro, tendo sido director, encenador e professor de teatro no Porto. A sua acção encontra-se ligada a todos os movimentos artísticos de vanguarda e foi um dos principais animadores e renovadores do nosso teatro.
Foi também pintor e escritor, pertenceu ao  Movimento Surrealista de Londres e foi à sua volta que se formou o primeiro grupo deste movimento, em Portugal.
Quero dar a conhecer aqui a sua faceta de escritor, ou melhor, a de poeta. A sua poesia vai evoluindo de uma lírica simplicidade para um barroquismo cheio de gosto pelo concreto, onde os temas do Minho raiano e marítimo e o surrealismo se foram cruzando cada vez mais.
Escolhi, assim, o poema intitulado

 Maresia

Neste mar à minha frente
O sol repoisa e os nossos olhos dormem...

-Caem saudades mortas como chuva miúda,
Ou sobem, trémulas, como o vapor das algas,
Ou ficam, extáticas como um bafo de areia,
Calmas, sobre a paisagem,
Como um véu de cambraia deixado...

Não sei se é o calor das algas,
Se é o bafo de areia que baila,
Ou se é a chuva miúda que cai neste dia de sol
Como um véu de cambraia deixado,

Sei que me lembram os signos do zodíaco
Em boa caligrafia,
Uns signos como nem sequer eu tinha imaginado!...

E este calor que dimana da terra e nos confunde com ela,
Nos aquece as pernas de encontro à areia, numa vida exterior

Com mais sangue que a nossa e, sobretudo, cheia
Duma inconsciência que se não parece com nada,
Esta respiração pausada como as ondas, de trás para diante
Fazendo, lentas, e desfazendo
A mesma curva humaníssima e sensível,
Faz-me escrever, devagar, e com letra de menino pequeno
Sobre o chão acamado, esta palavra
                                                              AMOR
                                                         (in Aventura, nº3)


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

«Livro» de José Luis Peixoto



Pode-se afirmar que José Luis Pexoto faz parte da «novíssima geração de Abril», já que nasceu em 1974, em Galveias, Ponte de Sor. Nascido e criado em tempos de gritos de liberdade, de novas realidades nunca vistas, de avanço e progresso, de prosperidade... enfim, tudo tão diferente do que foi a nossa infância e juventude, separada  apenas por vinte anos (fiz vinte anos em 1974). Pena é que tudo isto tenha acabado quando estes jovens alcançam a maioridade e têm apenas 36 ou 37 anos. Foi uma felicidade efémera...
Pode-se afirmar que este é um caso de sucesso, um bom «fruto da revolução de Abril», já que obteve imensos prémios e granjeou um sucesso invejável.
Li este livro chamado estranhamente «Livro» porque aborda o tema da emigração dos portugueses para França, nos anos da miséria salazarista, tema bastante actual, aliás, neste momento de crise.
Posso dizer que gostei da sua escrita e da forma como narra a estória, de uma forma geral, não aderindo, no entanto, à tendência do uso do palavrão e de referências aos instintos mais sórdidos dos humanos, sintomático nestes jovens autores. Penso que isso se deve a uma sua necessidade congénita de chamar a atenção para esses aspectos, de se servir de forma aleatória dos mais baixos instintos humanos, que não nos caracteriza a nós, mais velhos e fruto de outra educação.
Cá por mim, todos eles podiam muito bem passar sem este tipo de conteúdos ou de linguagem, o público ia lê-los na mesma, não têm necessidade nenhuma de usar tanto palavrão (não é muito no caso deste autor, comparado com outros), que podem agradar a algum tipo de público, mas que «perturba» um pouco muita gente dos 50 para cima, que afinal ainda é uma parte importante dos seus leitores, visto que ainda possuem algum poder de compra e alguns hábitos de leitura.
Penso que é uma má aposta, a médio e longo prazo, destes novos escritores, mas isto é a minha opinião. E quem sou eu?
Que tal fazer-se um estudo de mercado, a várias faixas etárias? Gosta de ouvir ou ler palavrões a eito em livros ou outras formas de expressão artística? Ou já lhe chegam os que tem de ouvir na vida real?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Saul Dias




Pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira, irmão do poeta José Régio, Saúl Dias nasceu em Vila do Conde em 1902. Formou-se em Engenharia Civil, frequentou a Escola de Belas-Artes do Porto, realizando em Portugal várias exposições individuais   de pintura e desenho. Colaborou artisticamente em diversas revistas e jornais, nomeadamente a Presença,a cujo grupo pertenceu como poeta e como artista plástico.
A sua poesia caracteriza-se por uma grande delicadeza e pureza de expressão.
Achei muito curioso este poema, por me identificar com ele: também eu tive que eliminar da minha vida, progressivamente, o café, o fumo, e muitas outras coisas. Mas há sempre muito que fica ainda para viver, para além destes pequenos deleites da vida.

Álcool, Fumo e Café

Não mais o álcool,
não mais o fumo,
de azulado rumo,
nem o café.
Resta-me a fé
num áureo aprumo.
Não me consumo.
Sei como é.

Os nervos cansam
e vão partir-se.
A voz de Circe
ouço-a ainda...
E, mais mais linda,
ainda me chama
e, embora lama,
quero-lhe ainda.

Mas quero quietos
os meus sentidos,
comprometidos
em ascensões.
As sensações
hei-de chamá-las,
purificá-las
com comunhões.

Resto sedento,
desalentado...
Quem a meu lado
no funeral?
Negro portal
hei-de quebrá-lo.
Cantar de galo
sobre o coval.
..................

De qualquer forma
sigo o meu rumo,
num áureo aprumo,
cheio de fé.
Sem o café,
sem o tabaco, cortar o opaco
sei com é.

                             in «Tanto»