quarta-feira, 27 de setembro de 2017

«O Vendedor de Passados» de José Eduardo Agualusa



O Vendedor de Passados


O Vendedor de Passados é um romance de José Eduardo Agualusa.
Este livro conta a história de um vendedor de ilusões. O personagem principal é Felix Ventura, um albino que tem a curiosa profissão de preparar e vender árvores genealógicas.

Apresenta-se-nos deste modo um enredo cheio de curiosidades mirabolantes, que têm o condão mágico de prender constantemente o leitor. 
Os clientes de Félix Ventura são prósperos empresários, políticos, generais, isto é, a burguesia angolana, têm o seu futuro assegurado mas, porém, falta-lhes um bom e representativo passado.





Até que um dia lhe aparece em casa um estrangeiro que precisa de uma nova identidade, uma identidade angolana.

Este é o «sonho» de muito boa (ou má) gente, certamente, e só um escritor com muita criatividade e sabedoria consegue urdir uma história como esta, tanto pela sua originalidade (apresentando uma osga - esse pobre bicho de que tanta gente tem nojo - como narrador), como pela sua perícia em fazer reflectir sobre a realidade humana angolana (e universal). 

O Vendedor de Passados
de José Eduardo Agualusa é a partir de agora  recomendado para o Ensino Secundário como sugestão de leitura pelo Plano Nacional de Leitura.

Um ótimo livro que os alunos do Ensino Secundário irão ler com agrado certamente, devido à sua escrita satírica e divertida.



Lembro-me de um quintal estreito, de um poço, de uma tartaruga dormindo na lama.
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A minha mãe estava sempre ao meu lado, uma mulher frágil e feroz, ensinando-me a recear o mundo e os seus perigos inumeráveis.
«A realidade é dolorosa e imperfeita», dizia-me, «é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos. Quando algo nos parece muito belo pensamos que só pode ser um sonho e então beliscamo-nos para termos a certeza de que não estamos a sonhar - se doer é porque não estamos a sonhar. A realidade fere, mesmo quando, por instantes, nos parece um sonho. Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros.»


 Entre a vida e os livros in O Vendedor de passados de José Eduardo Agualusa


domingo, 3 de setembro de 2017

Um mundo plastificado


quadro de Mily Possoz, s/título
Um mundo plastificado

Talvez um dos maiores males da nossa civilização se deva ao uso excessivo do plástico, que não só entope os oceanos e os estômagos dos peixes, como também é tido por muitos como um  material desadequado para fabricar os brinquedos das crianças. 





Roland Barthes já o afirmava nos anos 50 no seu livro  Mythologies, capítulo Jouets. Os brinquedos construtivos e de madeira são muito mais criativos do que os de plástico. E é constrangedor o seu progressivo desaparecimento.


A matéria plástica apaga o prazer, a doçura, a humanidade do toque que possui a madeira. Fazem brinquedos que morrem depressa e deixam de ter qualquer préstimo para a criança.

A madeira, por seu turno, é uma substância familiar e poética, que põe a criança em contacto continuado com a árvore, a mesa, o chão...
Com a madeira fazem-se objectos essenciais, que duram uma vida inteira, que vivem com a criança ao longo da vida, modificando pouco a pouco a  relação do objecto e da mão.
De facto: o tradicional cavalinho de madeira de baloiçar pode durar uma vida, passar de pais para filhos, ou de uma criança para outra. 

Neste momento, sinto pena de ter dado o dos meus filhos, mas com a falta de espaço um dia lá foi para outro menino, que não tinha possibilidades de fazer cavalgadas.

Felizmente, muitos dos nossos artesãos ainda se dedicam a fazer brinquedos de madeira, que são lindíssimos e muito úteis. Vendem-se em muitas feiras e nalgumas lojas.
Assim os pais os comprem e os ofereçam aos seus filhos, para bem de todos e para que o nosso mundo não se transforme num monte de lixo de plástico.


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

«Sesimbra» de Isabel del Toro Gomes




Sesimbra





Recordo o mar de Sesimbra

Esse mar que nos chama

E nos cativa, lá do fundo

E que é sempre da cor do céu









Esse mar em que todas as coisas

Se confundem e se misturam

Algas, rochas, lapas

Peixes, conchas, pedras








Ali, na linha do horizonte

Azul é o céu

Azul é o mar

Azul é a esperança







Ouço o teu apelo amigo

De dia suave e calmo

De noite rouco e turbulento



  

E respondo então assim

Mar grande e profundo

Estou aqui!

Deixa-me mergulhar em ti.



quarta-feira, 16 de agosto de 2017

«O Piano» de Isabel del Toro Gomes



quadro de Milly Possoz

O piano

Ao longe, num palco qualquer

Alguém o piano tocava

E eu ouvia

Aqui à espera sentada.



A concertista

Fazia exercícios rápidos

E os seus dedos mágicos

Eram como crianças endiabradas

Aos saltos.



O piano cantava

A música rodopiava

O mundo como que parava

E eu aqui sentada

Ouvia e lia poesia.

                                                         quadro de Milly Possoz


sábado, 12 de agosto de 2017

Um casal-estátua em Santiago de Compostela


Santiago de Compostela é um local de culto religioso e de turismo com muita gente pelas ruas, normalmente. Mas nunca imaginei que houvesse tanta, em Julho de 2017.
Não obstante a temperatura baixa e a ausência de sol, os corações estavam quentes e sequiosos de tempos mais afortunados e com menos crise.
Duvido que os deuses ou os santos possam ajudar neste aspecto, mas a Fé nalguma coisa sempre ajuda.
E a Galiza proporciona a todos um enlevo na alma de verde do arvoredo, de azul do céu, das rias e do mar, e de dourado das estátuas e adornos das igrejas e templos.
Nas ruas comprava-se e vendia-se de tudo numa enorme Feira Medieval, com exposição de aves de falcoaria, com artistas de rua, muito comércio, enfim. Como é costume, à boa maneira castelhana.


No meio de todo esse azáfama, um casal-estátua chamou-me a atenção. Simpáticos, chamavam-nos para tirarmos uma foto com eles. Ela está notoriamente grávida, mesmo assim consegue manter-se naquela posição imóvel durante horas. No fim do retrato, ele ofereceu-me uma bela concha, símbolo do peregrino de Compostela. A vida vai ser difícil para cuidar de um filho, espero que a futura mãe possa ficar o tempo necessário com o bébé em casa, e que tudo lhes corra o melhor possível. 


A felicidade é uma irresponsabilidade cada vez mais difícil, mas vai-se tentando e construindo a cada dia que passa. Com a ajuda de São Tiago de Compostela.


quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Reabertura do Palácio Galveias em 2017



Depois de obras de requalificação, que demoraram muito mais tempo do que previsto (tinha que ser!), fui finalmente em Agosto visitá-lo e requisitar livros.


Eis as minhas primeiras impressões:

- por dentro, o Palácio está rejuvenescido e maravilhoso (como já era);



- existem mais salas de leitura, foram abertas várias no 1º piso, com livros expostos em estantes donde podem ser retirados e colocados pelo leitor;



- como não podia deixar de ser, placa à porta com o nome do Presidente da Câmara e data da inauguração;



- no jardim parece que houve uma daquelas revoluções em que não fica pedra sobre pedra, com saldo infelizmente negativo, na minha opinião: jardim descaracterizado, uma árvore enorme e arbustos selvaticamente cortados, para servirem de bancos e mesas. Os pavões (que atraíam muitos pais com as suas crianças e que podíamos admirar no seu quotidiano de criação e nos seus gritos de chamamento e que tornavam aquele recanto num pequeno paraíso no meio da cidade) não voltaram depois do encerramento para obras. Lamentável!
-  o Quiosque está ainda fechado e sem sombra, pois a árvore mesmo ao lado foi cortada.


Resultado: ao contrário do que era esperado no mês de Agosto, não havia quase ninguém no jardim, onde até se podia estar abrigado naquele dia de vento.






segunda-feira, 7 de agosto de 2017

«Luz ao fundo do túnel» de Isabel del Toro Gomes



Luz ao fundo do túnel



Já ninguém olha para o céu

Já ninguém admira a forma das núvens

Nem o brilho das estrelas

Nem a lua banhando-se no mar...


Nem o sol quando nasce e se põe

Nem as manhãs frescas e claras

Nem a água a correr nos rios

Nem os gritos do vento

Nem as montanhas altivas

Nem as rochas, nem as pedras...


Para quê olhar o céu?

Quem quer saber de constelações?

Já só interessam os milhões!

Quem quer saber das coisas e dos outros?

Já só interessa viver aos poucos
Sobreviver à angústia de cada dia.


Todo o dia é uma noite

Em que se percorre um imenso túnel

Sem encontrar  uma luz ao fundo.

                                                                            3 Out./95