segunda-feira, 19 de novembro de 2012

«Metamorfoses da casa» de Eugénio de Andrade

 
Eugénio de Andrade (pseudónimo de José Fontinhas) nasceu no Fundão em 1923 e morreu no Porto em 2005.
É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa, que conseguiu impor a sua singularidade, mantendo-se sempre independente de toda e qualquer filiação.
Recebeu o Prémio Camões em 2001. 

Vergílio Ferreira, no seu livro Espaço do invisível 2, escreve:

...na poesia de Eugénio de Andrade não há espaços desocupados para neles nos instalarmos nós. O «fruto» é bem o símbolo da sua arte poética. Fechado, uno, compacto, não há senão que saboreá-lo, admirá-lo, tocá-lo a dedos puros para o não conspurcar. Um Eduardo Lourenço deve ter-nos dado a chave dessa singularidade, ao frisar-nos o que havia de «paraíso sem mediação» nessa poesia de plenitude assumida, de morada que se não contrapõe ao mundo mas é de si a única morada do poeta, transparente de pureza na pureza da palavra.

Foi decerto por tudo isto que a poesia de Eugénio de Andrade me agradou sobremaneira, quando a reli com mais atenção há algum tempo. A ponto de afirmar que era o meu poeta de eleição. Poeta da vida plena, que admite que «a morte não existe», porque «tudo é canto e chama». Não obstante a solidão, a amargura, a tristeza, ele afirma uma enorme vitalidade e plenitude solar.
A água é, deste modo, um elemento que trespassa e unifica a sua poesia. Tal como a pedra, a casa, o barco, o bosque.

 
 
  Metamorfoses da casa


Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.


A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.


Como estremece um torso delicado,
assim a casa, asssim um barco.


Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.


Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.

                                                             Eugénio de Andrade

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

«Ah, a música» de Ruy Belo



Para ti, querida Susana, um belo poema de Ruy Belo, de que  tanto gostas. E eu também.
Para os dias de chuva! 
Para todos!


Ah, a música


Quem terá deixado esquecida 
Esta música ouvida num canto da rua?
Ninguém de quem passa nela repara
No entanto - é ela - faltava no dia de chuva
No meu dia de chuva?
Meu seria decerto este dia
Pois por mais precário que eu seja
Nenhuma chuva fora podia
Cair se acaso em mim não caísse
Cai chuva e há música em meu coração 
Era mera ilusão o dia de chuva

                                               Ruy Belo (1933-1978)
                                               Todos os poemas 
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Colóquio Alves Redol e as Ciências Sociais - a literatura e o real, os processos e os agentes

  De 7 a 10 de Novembro, vai realizar-se um Colóquio sobre a vasta obra  de Alves Redol, um dos escritores portugueses mais lidos à sua época, apesar de muitas vezes desvalorizado por se integrar na corrente neo-realista, por alguns dos seus contemporâneos. 

Terá grande interesse com certeza para todos os que admiram a sua obra e para o dar a conhecer a novos leitores.

Terá lugar no Auditório 1 da Universidade Nova de Lisboa e no Museu do Neo-Realismo. 

 http://www.fcsh.unl.pt/eventos/documentos/ColoquioAlvesRedolPrograma.pdf







domingo, 4 de novembro de 2012

«Trafaria» de Isabel del Toro Gomes


 Trafaria


Adeus Tejo
Adeus Lisboa
Adeus Cristo-Rei 
Abençoando as margens
 

Com o fim da viagem
Vem a alegria
Do regresso
A casa.  



quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Monumento aos mortos da 1ª Guerra Mundial






No dia de Todos-os-Santos (última vez feriado), véspera de dia de finados, é justo relembrar os valorosos soldados portugueses que morreram na Grande Guerra de 1914-11918.


Porque a memória dos tempos e dos homens vai-se apagando, embora o monumento situado na Avenida da Liberdade a procure avivar. Muitos serão os que passam por lá na sua luta diária, e que nem sequer nela já reparam.
Mas a História vai-se repetindo,  de formas diferentes e é bom relembrar que a Alemanha declarou guerra a Portugal e ao mundo em tempos não muito longínquos.

 
Não se trata certamente da mesma Alemanha que agora nos impõe a Troika, os seus mandos e desmandos. Muita coisa mudou entretanto, o certo é que vivemos tempos de retrocesso, de tentativas de apagar o passado e de regresso a situações de caos económico, político e social, as mesmas que deram origem às duas grandes guerras mundiais.
É bom não esquecer, voltar a olhar para o passado e para as lições que ele nos dá!
     

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

José Régio

José Régio (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira) nasceu em Vila do Conde em 1901 e viria a falecer na sua terra natal em 1969, embora tenha vivido 34 anos em Portalegre, pois aí foi colocado como professor em 1928, no liceu Mouzinho da Silveira.



















Foi viver para uma pensão e, por necessidade de espaço, foi ocupando todos os quartos, tornando-se o único hóspede. É nesse local que se encontra hoje a Casa-Museu José Régio. Em 1965 vende a sua coleção de antiguidades e de arte sacra (de que se destacam os seus  Cristos) à Câmara Municipal de Portalegre, com a condição desta adquirir a casa e transformá-la em Museu, o que só veio a acontecer em 1971.


 José Régio foi um homem de todas as artes, versátil, revelando o seu talento  em quase todos os géneros literários e artísticos: poesia, teatro, romance, ensaio, crónica, jornalismo, desenhador, pintor, etc.
Foi talvez como poeta que ficou mais conhecido do grande público. É na poesia que vai desenvolver  o seu grande tema: o confronto consigo próprio e a procura da sua identidade, chegando mesmo a ser atacado de umbiguismo (de um verso célebre das Encruzilhadas).


 Poeta sou! cumpro o meu Fado, estranho
Como o dum santo ou um louco:
Só posso dar de mais ou muito pouco,
Que é tudo quanto tenho.


                              José Régio, in Filho da Homem


Deu-nos de mais, de certeza!
Merece continuar a ser lido e lembrado.
E revisitado no seu Museu em Portalegre.  










sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Manuel António Pina (1943-2012)

























Manuel António Pina já não está entre nós, infelizmente.
Ausentou-se deste mundo por este se ter tornado demasiado mesquinho e estreito para ele, que manteve sempre a verticalidade dos homens bons. 
Porque nunca se deixou envaidecer com os prémios que foi recebendo, com o Prémio Camões, em 2011, dizendo: «Já que não posso mudar o mundo, que o mundo não me mude a mim»
Alguém disse que ele soube conservar a ingenuidade e a pureza de criança dentro dele, embora acompanhada da sapiência do adulto.





Foi como autor de literatura para crianças que o conheci melhor e o dei a conhecer aos meninos e meninas que fui encontrando pelo caminho. Isso foi bom mas é muito pouco. Muito mais há a conhecer deste escritor/jornalista de crónicas magníficas, deste poeta que gostava dos gatos. 

Deste escritor que em criança queria ser detetive, santo ou salazar (ele pensava que era uma profissão e, se calhar, tinha razâo).
Mais um poeta que morreu e nos deixou mais sozinhos.


Num PAÍS DAS PESSOAS DE PERNAS PARA O AR.