sexta-feira, 3 de junho de 2011

«Avieiros» de Alves Redol

Alves Redol nasceu em Vila Franca de Xira em 1911 e morreu em Lisboa em 1969. Empenhado na luta de resistência contra o regime salazarista, fez da sua escrita uma forma de intervenção social e de luta.
O grande contador de histórias do povo, dá-nos nesta obra com admirável fidelidade e plasticidade a dolorosa faina dos pescadores do sável do rio Tejo. De tal forma, que o seu rosto se assemelha ao rosto dos personagens da sua obra, de todos os Zés,de todos os Tóinos, de todas as suas personagens gigantescas em capacidade de sofrimento e de sobrevivência.
Alves Redol foi mesmo viver para uma das mais conhecidas aldeias avieiras, a Palhota, para melhor conhecer a vida sofrida destes homens, mulheres e crianças, denominados pejorativamente «os ciganos do rio», como se não fossem gente. Ou «vagabundos do rio», hoje talvez uma designação envolvida em algum romantismo e lirismo, ausente naquela época. 

Foi nesta casa que Alves Redol permaneceu e escreveu o seu livro «Avieiros». Este não é o Malagueiro, o cão do pequeno e malogrado João da Vala, cujo nascimento marca o início da obra e que deixa nela uma marca indelével, pois nasce e morre no saveiro que era a sua casa, deixando um enorme vazio na narrativa.







Nestas imagens tiradas noutra localidade avieira, Escaropim, também citada na obra, podem ver-se como eram aproximadamente as barracas dos avieiros, feitas de zinco e de palha, bem como os saveiros que eram as suas habitações e locais de trabalho, enquanto não arranjavam madeiras e outros materiais.
Muitas outras localidades são cenários desta obra, ou apenas citadas, como Muge, Valada, etc, hoje bem diferentes e com bons equipamentos ribeirinhos, como o belo Parque Natural de Valada.





-Assim arrenegado ficas mais velho, Tóino!
-Devia ficar velho depressa e morrer depressa. Que anda a gente aqui a fazer? Não me dizes?!...
-À espera de melhores dias.
Uma semana depois lançam a primeira rede à água. Uma semana depois sabem todos que desapareceram onze barracas e que a palha das outras começa a apodrecer.

À espera de melhores dias, é o destino de toda a humanidade, afinal, ontem como hoje! A nossa condição humana!



quarta-feira, 1 de junho de 2011

«Sonho de criança» de Isabel del Toro Gomes

Hoje, Dia da Criança, um poema para aquelas que não podem ter infância!
    


Sonho de criança
               

Sonho...

Uma criança que brinca

Uma bola no ar

Um papagaio a voar

Um barco à vela ao fundo

Uma concha na areia

Um pensamento profundo

Que leva uma sereia

A um palácio

No fundo do mar.


terça-feira, 31 de maio de 2011

Sabedoria Ameríndia



A Oração não chega para o Guerreiro Interior.
Precisa de transformar as palavras em montanha, em lago,
Em rio ou em cavalos selvagens.
Tal como ele, tens de aprender a criar a realidade
A partir dos teus desejos.
Só assim as palavras «felicidade»,
Quietude, paz de espírito
Se transformarão em paisagens da alma.
E tu poderás habitar realmente
Um Mundo Novo.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Saber ou imaginação?

A imaginação
É mais importante
Do que o saber.


                                                                     Einstein (1879-1955)

O saber e a imaginação têm de ser complementares, são os dois importantes e vitais. Ou só restarão ruínas!

terça-feira, 24 de maio de 2011

«No Boquilobo» de Isabel del Toro Gomes


No Boquilobo
As águas invadiram as terras
As garças chegaram de longe
O rio espraiou-se à vontade
Como se tudo fosse dele agora
Patos grasnam voam reproduzem-se
Peixes percorrem felizes
Todo o lago manso dum azul translúcido
E por baixo de tudo isso
Bem lá no fundo lamacento
Continuam a viver
As raízes das árvores
E a lutar
As almas dos homens.

domingo, 22 de maio de 2011

«Húmus» de Raul Brandão



Raul Brandão nasceu em 1867, na Foz do Douro, e morreu em 1930, em Lisboa. É um dos poucos autores iniciados na corrente simbolista que não se dedicou à poesia, o que é realmente estranho.
«Húmus» foi escrito em 1917 e confirmou o escritor como modernizador da ficção portuguesa. Neste romance que mais parece um diário, o autor  reflete de forma atormentada os grandes temas da alma humana: a culpa, o bem e o mal, a angústia existencial, a vida e a morte, Deus.
Embora estes sejam temas importantíssimos para o leitor em geral, que levam à reflexão e ao enriquecimento pessoal e humano, este não é um dos livros que mais me agradaram, pelo seu tom demasiado pessimista e lúgrube mesmo.
No entanto, quero salientar algumas linhas, de grande beleza e profundidade:

Em lugar do uso de palavras fazia isto melhor com o emprego de dois tons - cinzento e oiro: uma nódoa que se entranha noutra nódoa. O sonho turva a vila como a primavera toca neste charco só lodo e azul: tinge-o e revolve-o.
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O hábito tem profundidades de légua.
A princípio olham-se desconfiados, com medo uns dos outros. Sem dúvida gostam de viver mais um século, mais dois séculos, mas não sabem ainda que emprego hão-de dar à existência. Não se lhes dava mesmo de morrer com tanto que continuassem a jogar o gamão no infinito. O que lhes custa mais a perder não é a vida, são os hábitos.

                                                                      in «Húmus»