segunda-feira, 11 de abril de 2011

«A Condição Humana» de André Malraux



André Malraux nasceu em Paris em 1901 e morreu em Créteil em 1976. Foi amigo pessoal de Camus, outro grande escritor, bem com de Charles De Gaulle. Participou ativamente na Resistência Francesa durante a ocupação da França pelos nazis, durante a Segunda Guerra Mundial.
Foi o que se pode intitular hoje de um escritor «engagé» e um grande pensador, empenhado em retratar todos os domínios da ação humana, desde a luta dos homens pelos seus ideais, o sacrifício da própria vida pela defesa duma «ideia», da liberdade ou da dignidade da condição humana.
O que se pode dizer mais deste grandioso livro escrito em 1933, que descreve a vida miserável dos habitantes de Xangai, nos anos vinte do século passado? Xangai surge-nos como uma cidade chinesa onde persistem concessões a países ocidentais, onde se cruzam pessoas de todas as nacionalidades e interesses vários. Franceses, chineses do regime despótico de Chiang Kai-Chek e chineses revolucionários levam ao extremo a condição humana na sua luta interminável e desesperada pelo poder.
Jorge de Sena, que prefacia e traduz a edição da Editora «Livros do Brasil», afirma que não se é o mesmo antes e depois de se ler esta obra.
Para mim, foi uma leitura sofrida e mesmo dolorosa em certas páginas. Mas valeu a pena. É um livro indispensável, uma grande lição de vida. Ainda bem que o li só agora, para perceber ainda melhor que os sofrimentos por que passamos na vida, e que nós julgamos os mais terríveis e os mais injustos, não são nada comparados com o sofrimento da humanidade inteira, ao longo dos séculos.-Pode enganar-se a vida muito tempo, mas ela acaba sempre por fazer de nós aquilo para que somos feitos. (Gisors)

Destaquei alguns pensamentos postos na boca de alguns personagens, autênticos princípios de vida que nos podem guiar nestes tempos conturbados:


-Vermelhos ou azuis - dizia Ferral, - os «colis» não deixarão por isso de serem «colis». Não acha que é  de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
-É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem. (Gisors)
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. Mas não tinha vontade de discutir as ideias de Kyo com Ferral. Voltou a este:
-É sempre preciso intoxicarmo-nos; este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher...Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...

sábado, 2 de abril de 2011

«Prosaica» de José Blanc de Portugal



Neste país de poetas, a maior parte desconhecidos, mais um que foi grande e que deve ter caído no esquecimento. Para o relembrar, aqui estou eu.
D. José Bernardino Blanc de Portugal (grande nome!) nasceu em Lisboa em 1914 e faleceu em 2001. De formação na área das Ciências Geológicas, trabalhou nos serviços de metereologia em Lisboa, na ilha do Sal, nos Açores, em Luanda e em Moçambique. Publicou várias memórias científicas, exerceu crítica musical, foi fundador dos Cadernos de Poesia, onde publicou muitos dos seus poemas. Um homem de vastos interesses e conhecimentos, portanto, como há cada vez menos.
A sua poesia caracteriza-se por uma dignidade de tom, uma severidade austera da expressão, uma linguagem original, irónica e muito peculiar que, através de um humor quase negro ou de uma  discreta ternura, repercutem uma consciência trágica das contradições do mundo moderno.
A própria imagem da vida humana, ontem hoje e sempre, pelos vistos. «Prosaica» é um belo exemplo disso mesmo:

Prosaica
Se um dia vier a ser
-Tudo é bem possível,
Ou, melhor, o que é provável
Muito mais do que possível,
Entendamo-nos noeticamente-
Se um dia vier a ser - ia dizendo -
A besta apropriada para ter assento
Em um (ou mais )Conselhos de Administração,
Faço o propósito solene de assinar
Toda e qualquer lista de subscrição
Mesmo que caridosamente apenas
Político-literárias, de candidaturas...

O intuito óbvio podia ser;
Mas não é:
Quererei mostrar apenas que, por cá,
Ser uma besta é menos que insultuoso:
Taxonomia apenas, cientificamente,
O que ainda não é só mineral,
O calhau, do qual e aliás,
Se aproxima insensivelmente.

(Que possua real vida ou não
É objecto de outra dissertação
Mas, para a besta, que isso seja vida
É a consabida incerta sensação.)
                                                     Odes Pedestres



terça-feira, 22 de março de 2011

«Elsa» de João Tordo


Ontem, 21 de Março, foi o Dia Mundial contra o Racismo. Pouco ou nada falado, pelos órgãos de comunicação social, «por acaso».
Peço-vos um favor: leiam o conto de João Tordo, «Elsa», integrado no livro «Em busca da felicidade», da D. Quixote. É um relato pungente do sofrimento dum jovem moçambicano, negro e árabe, às mãos dos seus carrascos hooligans, em Londres, para onde tinha ido em busca de melhor vida!
Horrível e imprescindível! É preciso começar a ler-se estes textos nas escolas! Ministério da Educação (Deseducação???), acordem! Já é tempo de fazerem qualquer coisa mais além do blábláblá!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Primavera Primavera Primavera!!!!!!Poesia Poesia poesia !!!!!



Como neste blogue é quase sempre dia da Poesia, hoje ofereço-vos uma pequena frase em prosa, embora bastante poética, de Raul Brandão, sobre a primavera. 

Mesmo morto, o que eu não quero é morrer...Primeiro rebate da primavera doirada e frenética, primeiro impulso que estonteia e deslumbra...

                                        Raul Brandão, «Húmus»




domingo, 20 de março de 2011

«Rosa,Rosae» de Merícia de Lemos



 
Mais uma poeta que caiu no esquecimento, mesmo entre os moçambicanos, que não a conhecem, na sua grande maioria.

Merícia de Lemos nasceu em 1913 na Beira, Moçambique, e morreu em 1996. Viajou bastante pela Europa, Ásia e África, vivendo depois entre Lisboa e Paris, dedicada às antiguidades e ao jornalismo. Colaborou em diversas revistas e jornais, onde foram publicadas várias poesias suas de inspiração africana. A sua poesia caracteriza-se por um tom direto muito lúdico e subtil, em que uma feminilidade franca sabe encontrar uma intensidade ora graciosa ora melancólica, ora comovente. Foi das primeiras, depois de Irene Lisboa, a evitar o convencionalismo socio-sentimental da poesia «feminina».

Rosa, Rosae
Dá-me rosas, outras rosas
dá-me mais rosas amor.

Já olhaste bem as rosas?
Rosas-bocas rosas-olhos
e há rosas coração.
Há rosas que são sorrisos
e rosas que são paixão
Rosa-beijo, rosa-abraços
e rosas-mãos.

Numa noite de luar
uma grande rosa aberta
acenou-me num jardim:
corri logo para ela
- seria a rosa-aventura?

Pela tarde num caminho
à hora em que o sol cansado
pensa em ir-se deitar
encontrei uma roseira
com uma rosa em botão
muitas folhas e espinhos
-e estava ali porquê?
Linda rosa cor-de-rosa

Era o amor feito rosa,
sem saber...
                                          in «Rosa, Rosae)

quarta-feira, 16 de março de 2011

«Rogando à musa que torne claro o coração obscuro» de Natália Correia


Outro poema de Natália Correia, que acho lindíssimo e que tem como tema a própria poesia. Há quem acredite que existem musas e inspiração, outros que só o trabalho leva à inspiração. Eu estou no meio termo: musas não tenho, na inspiração ainda acredito, mas depois é preciso trabalhá-la, sem dúvida. 

III
Súbita a inspiração faz o convite:
Mais alto, rumo à meta indefinida!
Ofereço o sentimento ao ilimite
Dos ecos do mistério que intimida.

Rebelde ao senso a Musa não permite
À razão que chegue à chama erguida
O canto aceso, magia que transmite
Remota música noutro mundo ouvida.

A minha ânsia mede-se por versos
E na descida a meus jardins submersos
Vedadas rosas rebentam-me na boca.

Poesia: angústia de querer sempre mais,
Saudoso endereço de termos imortais,
E ao fim de tanto anseio, a vida pouca.
                                                 in «Sonetos Românticos»



terça-feira, 15 de março de 2011

«Japão, Março 2011» de Isabel del Toro Gomes


Japão, Março 2011

 
Cá vamos fazendo


O nosso caminho


Por este atribulado mundo


Que estremece arde e se revolve


Simples mortais outrora ufanos


Orgulhosos e julgando-se deuses


Cá vamos fundindo os dias e as horas


Mitigando as noites e os minutos


Esperando o milagre


Enfrentando a catástrofe


E os segundos que faltam


Será o fim ?


Será o começo?


Nada sabemos


Apenas sentimos o frio a fome e a sede


A ansiedade e a esperança


E continuamos fazendo


O nosso caminho


Conforme podemos.