quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Outubro - Isabel del toro Gomes


(Finalmente, um poema meu. Ganhei coragem!)



Outubro



É Outubro ainda...

Mês das despedidas dos amores de verão


Outubro ameno, cheio deste sol


Que tão meigamente nos aquece, sem agressão


Mais um dia feliz


Em que me sinto feliz aqui sentada


Na nossa sala, sem frio, sem calor


No nosso sofá que tão comodamente


Me ampara o corpo e a alma


Quase adormecidos, sem medo


Sem sofrimento, sem depressão


Mais um dia de Outono amarelecido


Em que me deixo estar aqui quase imóvel


Feliz languidez e lassidão


Em paz à espera de ti meu amor


Do mês de Outubro.




















quarta-feira, 20 de outubro de 2010

D. Carlos I e os «Vencidos da Vida» de F.A. Oliveira Martins

                                                           Estátua de D. Carlos I, em frente à Baía de Cascais

Enquanto o país se entretinha a comemorar o centenário da Implantação da República,   tentando branquear a crise e a penúria com muita música e festanças, os nossos dilectos governantes preparavam pela calada da noite o «prato de fome» que se iria seguir à festa. Enquanto isso, eu lia um livrinho de folhas amarelas, editado pela Parceria António Maria Pereira, de 1942, intitulado D. Carlos I e os «Vencidos da Vida», de F.A. Oliveira Martins, que encontrei por acaso numa prateleira e que custou 10 escudos.
Fiquei logo curiosa por lê-lo, pois pouco ou nada sabia nem do rei D. Carlos I, nem dos «Vencidos». Aprendi um manancial de coisas interessantes, entre as quais que Portugal se encontrava à época do rei-mártir exactamente na mesma situação da que se encontra agora: com o tesouro saqueado, o Estado em bancarrota e a precisar de um «endireita». E também pelas mesmas razões, salvas as devidas distâncias: « A política pessoal de D.Carlos I fazia e a política partidária desfazia» (pág. 107). Só que agora, não se sabe quem faz e quem desfaz, nem o quê...

São tantas as semelhanças entre estas duas épocas históricas, a de D. Carlos I e a nossa (a de D. Sócrates...ou a de D. Cavaco???) que vale a pena ler esta obra. É o nosso retrato, quase, só os nomes são diferentes.
 Alexandre Herculano escrevia : «Dá vontade de morrer». Que diria ele agora?



domingo, 19 de setembro de 2010

Jorge Barbosa

Jorge Barbosa, poeta cabo-verdiano (1902-1971), quase desconhecido entre nós, deu a conhecer a tragédia humana das populações de Cabo-Verde nos seus poemas. Escolhi este poema por ser uma descrição perfeita, cheia de realismo, duma cena da vida quotidiana.

Ilha
Quando o barco alemão vem à ilha carregar sal
há um sobressalto íntimo de contentamento
na gente que fica a ver de terra.

À varanda da antiga casa do largo
olhos curiosos em direcção ao mar
atravessam as lentes baças
de velho binóculo do tempo dos piratas.


Toma certo ar garboso e oficial
com a bandeira nacional à popa
o escaler a remos
ao partir apressado ao vapor
com as autoridades todas do porto
e o empregado da firma carregadora
que leva uma grande pasta sob o braço...

Compram-se a bordo novidades
ouvem-se notícias de longe...
bebe-se
cerveja gelada...

O barco parte depois
e a Povoação resignada
retoma a monotonia habitual...

...à noitinha
à hora tagarela de em seguida ao jantar
os homens reúnem-se na rua principal
comentando as ocorrências do dia.

Vem então à baila aquela passageira de boca pintada
que seguia para o Congo Belga...
E da evocação da mulher estrangeira
ficou um sonho parado
em cada um...
                                (in Ambiente)



segunda-feira, 13 de setembro de 2010

José de Almada Negreiros

                                                                  auto-retrato
José de Almada Negreiros, nasceu em São Tomé em 1893 e faleceu em Lisboa em 1970.

retrato de Fernando Pessoa , por Almada Negreiros, 1954

Universalmente conhecido pelo retrato de Fernando Pessoa, como pintor e artista plástico, Almada Negreiros também foi poeta, romancista, ensaísta, crítico de arte, conferencista, dramaturgo, enfim, uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa. Um génio, na opinião de muitos.

                                                       Vitral da Igreja de Fátima, Lisboa

Na Igreja de Nossa Senhora de Fárima, em Lisboa, obra do Arquitecto Pardal Monteiro, que foi inaugurada a 13 de Outubro de 1938, são da sua autoria o portão do Baptistério, os frescos da cúpula da ábside e os magníficos vitrais, que são a parte mais visível e conhecida dos trabalhos de Almada Negreiros nesta Igreja.


A obra mais importante da sua derradeira fase criativa foi um grande painel em pedra gravada, destinado ao átrio da sede da Fundação Calouste Gulbenkian. Trata-se de Começar (1968-1969), uma obra fascinante, de complexa e mística concepção.


                         A.Negreiros a trabalhar nos painéis da Gare Marítima de Alcântara


                                                      Gare Marítima de Alcântara


 gravuras incisas na entrada da Faculdade de Letras de Lisboa


A sua poesia não ocupa, no conhecimento do público, o lugar a que tem direito. Aqui fica, então, o poema Rondel do Alentejo, de Almada Negreiros.
                                    Almada Negreiros com a mulher e pintora, Sarah Afonso

                                  Rondel do Alentejo
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

Meia-Noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.

Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.

Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.

Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.

Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.

Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés,
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.

O colete
desta Virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.

Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete de luar.
                                             in «Contemporânea»


                                              Com os filhos, na Quinta de Bicesse


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Irene Lisboa


Mais um poema de Irene Lisboa:

                                    Jeito de escrever
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?

Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
                                                      (excerto dum poema inédito, in «Líricas Portuguesas de Jorge de Sena)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Irene Lisboa

Na minha tentativa de dar a conhecer poetas, uns mais outros menos conhecidos, hoje é a vez duma mulher, Irene Lisboa, que assinou várias vezes sob pseudónimos de nomes masculinos, o que é muito revelador do receio de se ser mulher num meio maioritariamente masculino. Não nos esqueçamos que a rainha D. Maria I proibiu (de novo) as mulheres de pisarem os palcos.
Irene Lisboa nasceu em 1892 e faleceu em 1958. Foi professora primária, especializou-se em  questões pedagógicas, escreveu poesia, contos e muitas outras obras, colaborou em jornais e revistas, enfim é autora duma vasta obra bastante considerada.
Escolhi um pequeno poema dela, de grande ironia e muito actual. Hoje como noutros tempos, Portugal no seu melhor:

Este mundo é um curro.
E nem um curro será.
É um beco sujo,
um velho quintal.
As vizinhas malcriadas despicam-se, espreitam-se.
Lá estão elas de mãos na ilharga:
Tira, toma, é mentira, é falso...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Roberto de Mesquita


Roberto de Mesquita foi um poeta quase desconhecido, no seu tempo e no nosso. Por isso, o menciono aqui. Poeta acoreano, nasceu em 1871 na Ilha das Flores e aí morreu em 1923. Foi um dos poetas simbolistas dos inícios do movimento em Portugal e foi Vitorino Nemésio quem o descobriu. A sua obra foi reunida num volume intitulado Almas Cativas.

Aqui fica um poema que denota a sua clasusura de ilhéu, virado para o mar:

                                   Ar de Inverno

Aves do mar que em ronda lenta
giram no ar, à ventania,
gritam na tarde macilenta
a sua bárbara alegria.

Incha lá fora a vaga escura,
uiva o nordeste aflitamente.
Que mágoa anónima satura
este ar de Inverno, este ar doente?

Alma que vogas a gemer
na tarde anémica, de vento,
como se infiltra no meu ser
o teu esparso sofrimento!

Que viuvez desamparada
chora no ar, no vento frio,
por esta tarde macerada
em que a esp'rança se esvaiu!...