terça-feira, 7 de setembro de 2010
Irene Lisboa
Mais um poema de Irene Lisboa:
Jeito de escrever
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
(excerto dum poema inédito, in «Líricas Portuguesas de Jorge de Sena)
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Irene Lisboa
Na minha tentativa de dar a conhecer poetas, uns mais outros menos conhecidos, hoje é a vez duma mulher, Irene Lisboa, que assinou várias vezes sob pseudónimos de nomes masculinos, o que é muito revelador do receio de se ser mulher num meio maioritariamente masculino. Não nos esqueçamos que a rainha D. Maria I proibiu (de novo) as mulheres de pisarem os palcos.
Irene Lisboa nasceu em 1892 e faleceu em 1958. Foi professora primária, especializou-se em questões pedagógicas, escreveu poesia, contos e muitas outras obras, colaborou em jornais e revistas, enfim é autora duma vasta obra bastante considerada.
Escolhi um pequeno poema dela, de grande ironia e muito actual. Hoje como noutros tempos, Portugal no seu melhor:
Este mundo é um curro.
E nem um curro será.
É um beco sujo,
um velho quintal.
As vizinhas malcriadas despicam-se, espreitam-se.
Lá estão elas de mãos na ilharga:
Tira, toma, é mentira, é falso...
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Roberto de Mesquita
Roberto de Mesquita foi um poeta quase desconhecido, no seu tempo e no nosso. Por isso, o menciono aqui. Poeta acoreano, nasceu em 1871 na Ilha das Flores e aí morreu em 1923. Foi um dos poetas simbolistas dos inícios do movimento em Portugal e foi Vitorino Nemésio quem o descobriu. A sua obra foi reunida num volume intitulado Almas Cativas.
Aqui fica um poema que denota a sua clasusura de ilhéu, virado para o mar:
Ar de Inverno
Aves do mar que em ronda lenta
giram no ar, à ventania,
gritam na tarde macilenta
a sua bárbara alegria.
Incha lá fora a vaga escura,
uiva o nordeste aflitamente.
Que mágoa anónima satura
este ar de Inverno, este ar doente?
Alma que vogas a gemer
na tarde anémica, de vento,
como se infiltra no meu ser
o teu esparso sofrimento!
Que viuvez desamparada
chora no ar, no vento frio,
por esta tarde macerada
em que a esp'rança se esvaiu!...
domingo, 22 de agosto de 2010
António Gedeão
Na revista «Pública» de hoje vem uma entrevista interessante com a filha de António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho), Cristina Carvalho. Pareceu-me uma personalidade muito interessante, com opiniões com que me identifico no que diz respeito à semelhança entre homens e mulheres (nada feminista como eu) e que deve ter livros interessantes, que vou ter que ler. Ou não fosse ela filha de um poeta que põe todo o universo em verso, de uma forma simples e tocante. Um poeta de emoção pura, de palavras puras, de lágrimas puras...
Levou-me esta entrevista à procura dos poemas de António Gedeão, que já não lia há tanto tempo. Reli os que já conhecia (Venho da terra assombrada, do ventre da minha mãe; não pretendo roubar nada nem fazer mal a ninguém. Só quero o que me é devido por me trazerem aqui, que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci... «Fala do homem nascido»; Encontrei uma preta que estava a chorar, pedi-lhe uma lágrima para a analisar...«Lágrima de preta».
Mas não são estes poemas, já bem conhecidos, que eu quero destacar aqui. Encontrei no «Poema do Homem Só» o retrato do homem de sempre e, portanto, do homem e da mulher do séc. XXI. Aqui fica:
Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem,
Os astros não se explicam:
arrefecem.
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concentro,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se e desflorar-se,
é nosso, de mais ninguém.
( Teatro do Mundo )
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Fantasia
«Dá rédea solta à fantasia,
nunca é em nossa casa
que o prazer se encontra.»
John Keats
(Fantasia, séc. 19)
Discutível, mas percebe-se a ideia. A fantasia pode-nos levar para fora, sem nunca sair. É o que muitas vezes nos acontece, quando escrevemos.
nunca é em nossa casa
que o prazer se encontra.»
John Keats
(Fantasia, séc. 19)
Discutível, mas percebe-se a ideia. A fantasia pode-nos levar para fora, sem nunca sair. É o que muitas vezes nos acontece, quando escrevemos.
sábado, 24 de julho de 2010
A PÉROLA de John Steinbeck
John Steinbeck é mais um prémio Nobel (1962) que li ultimamente. Esta pequena história, de leitura simples, mas ao mesmo tempo de grande profundidade na análise que faz dos sentimentos humanos e da complexidade da vida, devia por isso ser uma leitura mais divulgada ao nível dos alunos e das escolas, como o foi, aliás, noutros tempos. Esta obra teria de certeza mais interesse para os jovens das nossas escolas, despertaria neles mais interesse pela leitura, do que muitas outras que constam nos programas, que exercem neles o efeito contrário (não ler mais nenhum livro nos tempos mais próximos).
A Pérola é uma alegoria baseada num conto popular mexicano, que nos mostra como um objecto muito precioso ou um acontecimento feliz na vida de um ser humano se pode transformar na coisa mais abjecta ou na maior tragédia, para si próprio e para os outros que o acompanham. É desta forma que a Pérola do Mundo, que representa para Kino a esperança de uma vida nova, com dinheiro para um casamento na Igreja e para educar o seu filho, se transforma na maior tragédia da vida dele, pondo toda a sua família em perigo de vida.
Devido à ganância desmesurada dos compradores de pérolas de La Paz (nome curioso da aldeia em que vivem) e porque não quer seguir os conselhos da sua mulher Juana, mais realista ou talvez menos persistente do que ele, Kino ultrapassa os seus próprios limites levando ao drama final em que o filho de ambos, ainda bébé, morre.
Se o bem se pode transformar em mal, fica implícito o inverso: muitos acontecimentos infelizes ou desagradáveis que nos acontecem, podem-se tornar em qualquer coisa de útil e proveitoso no nosso caminho.
É por esta dupla virtude, que gostei tanto desta história. Steinbeck mostra-nos que tudo tem limites e que o dinheiro não paga tudo. Actual, mesmo nos tempos que correm!
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Inspiração
Para quem anda à procura dela, aqui fica:
A Inspiração é a hipótese que reduz o autor a um papel de observador.
Paul Valéry (1871/1945)
Um leigo pensaria que, para criar, é preciso aguardar a inspiração. É um erro.
Stravinsky (1882-1971)
A Inspiração é a hipótese que reduz o autor a um papel de observador.
Paul Valéry (1871/1945)
Stravinsky (1882-1971)
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