sexta-feira, 31 de maio de 2019

Termas de Cabeço de Vide

Termas de Cabeço de Vide

Estou mais uma vez nas termas de Cabeço de Vide, onde as águas emanam de dentro da terra a uns cento e tantos metros de profundidade. Andaram por aqui os americanos, claro, a meter o bodelho e a dizerem que se houver água em Marte, será muito parecida com esta. O que faz de nós, que vimos a águas aqui, e aos alentejanos, os Marcianos do futuro.
Os gatinhos também vêm a águas termais, passeiam-se altivos pelo parque e à porta da residencial, onde são protegidos por um funcionário boa pessoa. Hoje foi com este felino que dividi o almoço.

Tenho vindo para estas termas para me tratar de uma rinite crónica que me apoquenta há 5 anos. As águas aliviam bastante as doenças respiratórias e outras, a mim têm-me feito bastante bem e gosto de tudo aqui.
Só há um inconveniente este ano: o restaurante a que costumávamos ir almoçar e jantar está fechado, por motivos de doença (ou de outro), tendo nós de ir aos grelhados ali no Parque em frente, onde se goza até mais do fresco das lonas e do fio de água que corre na ribeira.




A praia fluvial também ainda não está pronta, outra desvantagem porque aqui o calor aperta a sério, nos próximos dias.
Estava com alguma esperança de conseguir boas fotos de borboletas, elas andam por aí, mas até agora nada.
Fica a esperança, ainda estou no princípio dos tratamentos.



E quanto a bicharada, contento-me por tirar fotos aos muitos gatos que por aqui andam, protegidos aqui nas termas. E a alguns melros que cantam e assobiam logo pela manhã nas ramadas dos plátanos.



























segunda-feira, 27 de maio de 2019

Sua excelência, de corpo presente» de Pepetela


Pepetela, pseudónimo de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em 1941 em Benguela e é um dos mais importantes escritores angolanos. Recebeu o Prémio Camões em 1997, confirmando o seu lugar de destaque na literatura lusófona.
Neste livro, Pepetela faz uma crítica mordaz ao abuso de poder e aos sistemas de governo totalitários disfarçados de democracia, usando um sentido de humor inteligente, em que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
A ideia de colocar um presidente-ditador defunto no seu velório, num enorme salão cheio de flores, a ver todos os que lá vão (as suas várias mulheres e filhos…) e a recordar toda a sua vida, é uma ideia de génio que agarra o leitor logo ao primeiro parágrafo.
O ditador está morto, mas vê, ouve e pensa.

É um livro que se deve ler, pela sua actualidade e originalidade.


Somos de uma terra de mistérios, mas há limites.
Uma ideia estranha me martelava o cérebro morto ou quase. Porque ainda me fazia certa confusão estar morto, saber disso e pensar, o que foge a toda a racionalidade. Se o mundo fosse como sempre pensámos, esquecendo ou desconhecendo a tal outra dimensão.
(…)
Os ladrões tecem sempre muitos laços e escondem-nos bem, já devia o Maquiavel ter explicado aos pretendentes a políticos.

(capítulo nove).

segunda-feira, 20 de maio de 2019

A Borboleta de Odylo Costa, Filho



Odylo Costa, filho, nasceu em 1914 na cidade de S.Luis no Maranhão, e morreu no Rio de Janeiro em 1979.

Foi um jornalista, cronista, novelista e poeta brasileiro.


A Borboleta

De manhã bem cedo
uma borboleta
saiu do casulo.
Era parda e preta.

Foi beber ao açude.
Viu-se desntro da água.
E se achou tão feia
que morreu de mágoa.

Ela não sabia
-boba!- que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.

Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela, 
mas deu roupa nova
azul e amarela. 

Odylo Costa, Filho in Brasil



quarta-feira, 15 de maio de 2019

«Trem de Ferro» de Manuel Bandeira


Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife,1886 - Rio de Janeiro, 1968) 

Manuel Bandeira foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. 
É considerado como parte da geração de 1922 do modernismo no Brasil.



Quando vemos aqueles filmes antigos com comboios a carvão, perece-nos mesmo que ele diz «Café com pão café com pão» como diz Manuel bandeira neste seu engraçado poema. 
Há quem diga que também pode ser «Pouca terra pouca terra». De qualquer maneira já não os podemos ouvir para confirmar. Eu ainda andei num deles, que me levou do Porto para Ofir, onde havia uma Pousada da Juventude. Nunca mais me esqueci desta viagem mítica, ainda para mais porque ia carregada duma mala muito pesada, eu pequena com 15 anos, a mala grande e pesada. Mas lá consegui  chegar e valeu a pena o esforço. 


Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?
 
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
 
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
 

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
 
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
 
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...



Fonte:
Antologia Poética. Rio de Janeiro: J.Olympo, 1976

sábado, 11 de maio de 2019

Coreto do Jardim da Estrela



É o mais antigo dos coretos existentes em Lisboa. 
Foi inaugurado em 1894 e situava-se na Avenida da Liberdade. Nos anos 30, o aumento do tráfego na Avenida, motivou a sua transferência para o Jardim da Estrela.
Continua, ainda hoje, a fazer as delícias de quem por ali passa.
Eu sou uma das que adora este Jardim, cada vez que lá vou olho para esta verdadeira obra de arte como se fosse a 1ª vez. 
Também adorei os concertos que lá se fizeram  nos anos anteriores, espero que haja mais este ano(providos pela Câmara de Lisboa). 



quinta-feira, 9 de maio de 2019

O meu chapéu de chuva cor-de-rosa




História triste do meu chapéu de chuva cor-de-rosa:


Alguém resolveu roubar-me o meu belo chapéu de chuva cor-de-rosa, enquanto eu fazia Chi-Kung, Este era de ótima qualidade, resistente e estava a chover. 3 boas razões para uma mulher já com uma certa idade (eram a maioria) pensar: este já é meu! E lá fui eu à chuva.
Hoje resolvi ir à Loja do chinês comprar um chapelito. Abriu-se (não era automático embora o chinês dissesse que era) e paguei 5 euros e meio. Vinha pela rua fora e, de repente, ouvi um som de qualquer coisa a cair. Era o cabo do chapéu de chuva, que se tinha desenroscado e caiu.
Conclusão: não preciso de aumento porque vou à loja do chinês!
Agora tenho um amarelo.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

A República dos Corvos de José Cardoso Pires


José Cardoso Pires é um dos nossos maiores escritores, com uma obra vasta e uma escrita perfeccionista e eivada de ironia. 
Dediquei algum tempo a reler algumas das suas obras, pois já desde os anos 90 que as não lia ( O Hóspede de Job e agora A república dos Corvos, esta última na edição do Círculo de Leitores).
Nos anos 60, 70 e 80 foi um escritor de grande divulgação, com as obras O Delfim (1968), A Balada da Praia dos Cães (1982), ou Alexandra Alpha (1987).



Vale a pena ler ou reler este grande escritor português, que parece esquecido no emaranhado de tanta mediocridade «literária».
Corvos é um pássaro que quase todas as crianças e jovens desconhecem, pois no nosso país já há poucos, ao que parece. Encontrava muitos em França, que se ouviam bem à distância. 
Antigamente também devia de haver bastantes, como prova a Fábula de La Fontaine A Raposa e o Corvo.
Será que é mais uma ave em extinção?

O conto A república dos Corvos é uma história muito bem contada, mas foi do conto Dinossauro Excelentíssimo que retirei este excerto:


O Reino naquela época tremia de frio e desconfiança. Tinha-se deslocado mais para a beira-mar, não se sabe bem porquê mas calcula-se: fome. A fome vinha do interior e varria tudo para o oceano.
(…)
Os restantes, os que não conseguiam enganar os vendavais, fugiam de roldão pelo país, atravessando aldeias e planícies, vinhas e repartições, hoje fazendo família neste ponto, amanhã mais naquele, até se verem diante do mar, acossados. Uma vez ali, entregavam o corpo aos caranguejos ou faziam como o mexilhão: Pé na rocha e força contra a maré. Daí o nome de Reino do Mexilhão que lhe pôs a geografia em homenagem a esse marisco mais que todos humilde, só tripa e casca.


Quando o mar bate na rocha
quem se lixa é o mexilhão
(…)


        biblioteca municipal em Vila-de-rei (com placa danificada)

terça-feira, 7 de maio de 2019

«Começar de novo» de Ivan Lins



Quase todos nós tivemos de recomeçar qualquer coisa ao longo da nossa vida, por motivos bons ou menos bons.
Mas não nos deixámos abalar, não baixámos os braços, lutámos com todas as forças.
Podemos não ter conseguido vencer, mas, como diz este poema de Ivan Lins, fomos em frente e contámos connosco próprios e com os outros também, é preciso acrescentar.

A interpretação desta canção por Simone é maravilhosa e podem ouvi-la no link indicado em baixo.




Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Ter me rebelado
Ter me debatido
Ter me machucado
Ter sobrevivido
Ter virado a mesa
Ter me conhecido
Ter virado o barco
Ter me socorrido
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Sem as tuas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura
Sem tuas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido

Sem as tuas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura
Sem tuas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Já ter te esquecido

Compositores: Ivan Lins / Vitor Martins
https://www.youtube.com/watch?v=UUc3GODAwX0

domingo, 5 de maio de 2019

José Régio

Estive a reler e a recordar «Mas Deus é grande» de José Régio, o poeta que foi professor de Português e Francês, não porque quisesse realmente ser professor, mas por obrigação, para poder subsistir e tornar-se independente. Mesmo sendo filho de ourives.

Foi em Vila do Conde que José Régio nasceu, filho do ourives José Maria Pereira Sobrinho e de Maria da Conceição Reis Pereira, e aí viveu até acabar o quinto ano do liceu. Ainda jovem publicou os seus primeiros poemas nos jornais vilacondenses A República e O Democrático, dirigidos por seu tio e padrinho António Maria Pereira Júnior.
Depois de uma breve e infeliz passagem por um internato do Porto (que serviu de matéria romanesca para Uma gota de sangue), aos dezoito anos foi para Coimbra, onde se se licenciou em Filologia Românica, em 1925 com a tese As correntes e as individualidades na moderna poesia portuguesa. Esta tese na época passou um pouco ignorada, uma vez que valorizava poetas quase desconhecidos na altura, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro; mas, em 1941, foi ampliada e publicada com o título Pequena história da moderna poesia portuguesa.


Foi em 1927 que José Régio começou a leccionar Português e Francês num liceu no Porto, até 1928, e a partir desse ano em Portalegre, onde ensinou grande parte da sua vida no então Liceu Nacional de Portalegre (atual Escola Secundária Mouzinho da Silveira) de 1929 a 1962, ano em que se aposentou do serviço docente. Manteve-se em Portalegre até 1966, quando regressou definitivamente a Vila do Conde. 

Em 1927, com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões, fundou a revista Presença, que veio a ser publicada, irregularmente, durante treze anos. Esta revista veio a marcar o segundo Modernismo , que teve como principal impulsionador e ideólogo José Régio, que também escreveu em jornais e revistas como Seara Nova, Ler, etc.


Em Coimbra, no Café Central, reunira-se o grupo de jovens da Presença, incluindo Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões , que José Régio também frequentava.
Depois, nos seus anos de Alentejo, Régio presidira a nova tertúlia no Café Central, agora de Portalegre, que integrava entre outros o médico Feliciano Falcão, o pintor Arsénio da Ressurreição e o capitão Carlos Saraiva, entre outros. 
Já nos últimos anos da sua vida, Régio foi de novo a figura tutelar de uma tertúlia que reunia semanalmente no Diana-Bar da Póvoa de Varzim, ou no restaurante Marisqueira em A-Ver-o-Mar (o "grupo dos sábados") a que compareciam regularmente Manuel de Oliveira, Luis Amaro de Oliveira, Orlando Taipa, Flávio Gonçalves e Pacheco Neves e a que se juntou Agustina Bessa-Luis


Durante o tempo que passou no Alentejo, e para apoiar as suas apetências de coleccionador, Régio desenvolveu um pequeno negócio de comércio e restauro de antiguidades, e empregou artífices por sua conta para recuperar as suas próprias peças e aquelas que vendia. 
Veio assim a reunir uma extensa e preciosa coleção de antiguidades e de arte sacra alentejanas que vendeu à Câmara Municipal de Portalegre em 1964, com a condição de esta comprar também o prédio da pensão onde vivera e de o transformar em casa-museu. Providenciou de igual modo para a sua casa de Vila do Conde e hoje em dia ambas as casas de Vila do Conde e de Portalegre são casas-museu, onde se expõe um rico acervo de arte sacra e de arte popular, as duas predileções artísticas de Régio.




Como escritor, José Régio é considerado um dos grandes criadores da moderna literatura portuguesa. Refletiu em toda a sua obra problemas relativos ao conflito entre o Homem e Deus, o artista e a sociedade, o Eu e os outros. Construiu a sua poderosa arte poética e ficcional num tom misticista e num intimismo psicologista com que analisava a problemática das relações humanas e da solidão do indivíduo, procedendo ao mesmo tempo a uma dolorosa autoanálise. 

A escolha dum poema foi difícil, mas aqui vai um que me tocou especialmente.


Ode

Nuvens tocadas pelos ventos, ide!
Lá para além de vós, o céu não passa.
Contra as rochas erguidas e paradas,
Desfazei-vos na vossa eterna lide,
Ondas, flocos de espumas encrespadas…


Que a praia, não há onda que a desfaça.

Desfolhai-vos nas asas do tufão,
Rosas inda em botão esta manhã,
Folhas aos ventos troncos arrancadas!
Cinzas levais, só cinza!, em vossa mão,
Tempestades futuras e passadas!



Sobre a semente, a vossa fúria é vã.

Decorrei, dias meus já sem sentido
Senão o de ficar, que não é vosso.
Dissolvei-vos no ar, mãos revoltadas!
Gestos, formas, visões, sons, pó erguido,
Voltai ao pó das tumbas ignoradas!...

Que não se apaga a luz de além do poço.

Sou, como as nuvens sou que nada são,
E as ondas frágeis como vãs quimeras,
E as pétalas e as folhas desfolhadas,
E as formas fogo-fátuos da ilusão…
Correi, lágrimas fúteis enganadas!

Mas tu canta, minh'alma!, enquanto esperas.

                                                     in Mas Deus É Grande