quinta-feira, 25 de novembro de 2021

«Como tudo é prodigioso» de Isabel del Toro Gomes

 Como  tudo é  prodigioso

E mágico na natureza

Que renasce em cada madrugada




Como tudo me deslumbra

Do nascer ao pôr do sol

Que marca o tempo que passa

Sem darmos por ele passar

Como se fosse uma surpresa




A eternidade dum minuto

Que pode durar séculos

Uma vida inteira que se traduz

Num pequeno nada que se renova



Um minuto de eternidade

Três ou quatro palavras por dizer

Como é tudo prodigioso

E trágico por natureza.



 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

«O Cantar do Melro» de Afonso Lopes Vieira

O poeta português Afonso Lopes Vieira, nasceu em Leiria a 26 de Janeiro de 1878. Foi um dos primeiros representantes do Neo-Garrettismo e esteve ligado à corrente Renascença Portuguesa. Tem o seu nome associado à Biblioteca Municipal de Leiria, e a sua habitação em São Pedro de Moel foi transformada em casa museu. Afonso Lopes Vieira faleceu em Lisboa, a 25 de Janeiro de 1946.

Afonso Lopes Vieira



O! Que linda é a madrugada.
Que florida, Perfumada
Madrugada!...


Cantam, rindo, riso lindo, estas águas, estas cores
raminhos, pontes e flores
O! Que linda é a vida!
Que florida e encantada 
Madrugada! 


Afonso Lopes Vieira

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

David Mourâo- Ferreira »Maria Lisboa»





Na vida como na poesia, o Amor é a substância de David Mourão-Ferreira. Celebração do erotismo e do corpo feita em palavras, é ele o autor dos mais belos poemas de amor da literatura portuguesa. Mas não só. A sua obra marca todos os géneros literários. Poeta, romancista, novelista, contista, dramaturgo. Mas também ensaísta, cronista, tradutor, crítico literário. E professor. David Mourão-Ferreira (1927-1996) tinha “o ofício de escreviver”, expressão inventada para condensar toda a existência: precisava de viver para escrever e de escrever para viver. Das múltiplas linguagens que experimentou, a poesia foi a que mais o tornou conhecido e reconhecido: apesar de ter explorado outras temáticas como a obsessão da morte e a angústia de existir, ficou o poeta do amor – e da sensualidade -, como refere Vasco Graça Moura na peça que aqui apresentamos. No poema “Jogo de Espelhos”, escreve que a mãe o ensinou a ler e o pai, a contemplar. Nas brincadeiras da infância fazia jornais e peças de teatro. Depois, vem a fase dos romances que nunca chega a terminar. Existe em David amor pela escrita, mas não tivesse Agostinho da Silva convencido a família que o destino do jovem era seguir literatura, e teria ficado preso a um curso de Direito, tão ao gosto dos progenitores. A aventura da poesia, começa com a publicação do livro “A Secreta Viagem”, celebração ainda adolescente do corpo, do erotismo e do amor. Seguiram-se poemas e contos, como “Cancioneiro de Natal”, “As Quatro Estações”, “Os Amantes” e “Matura Idade”, entre muitos outros traduzidos e aclamados. Avesso a movimentos ou a correntes, rejeita o neorrealismo e o imediatismo da inspiração, e tem em José Régio , Almeida Garrett, Octavio Paz e T. S. Eliot, figuras de inspiração e referência na sua formação clássica. Até à publicação de “Um Amor Feliz”, romance tardio, aos 59 anos, David Mourão-Ferreira encontra o fado e leva para a voz de Amália os seus poemas.

domingo, 10 de outubro de 2021

«POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO» de Natália Correia

 



Natália de Oliveira Correia nasceu em S. Miguel, no arquipélago dos Açores , em 1923 e morreu em Lisboa, em 1993. 

Foi uma escritora e poeta portuguesa, tendo ainda desempenhado várias acções ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.


POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO


Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha 
Onde o Amor por fim tenha recreio.
         
Natália CorreiaPassaporte. Lisboa, Ed. Gráf. Portuguesa, 1958
         



segunda-feira, 20 de setembro de 2021

«Desenho de Rapariga» de Saul Dias

  


Saúl Dias (1902-1983)  é o pseudónimo do pintor Júlio dos Reis Pereira

O poeta, irmão de José Régio, é conhecido sobretudo como pintor, assinou Júlio, e é autor de uma obra plástica notável.

Da sua obra poética escolhi este poema, que sublinha a beleza e singeleza duma jovem: Retrato de Rapariga.

Desenho de rapariga

Corpo suave,

de traços finos,

modulados trinos

ao entardecer…

A linha esguia

que delimita

e acaricia

o braço de ave

é tão bonita…

Quase mulher…

Quase criança…

Toda pureza…

— Vede

a beleza

como se enlaça

na sua trança!



sábado, 21 de agosto de 2021

«Asas» de Luisa Dacosta





Maria Luísa Saraiva Pinto dos Santos, mais conhecida pelo nome literário de Luísa Dacosta (Vila Real 16 de Fevereiro de 1927 - Matosinhos, 15 de Fevereiro de 2015


Luísa Dacosta foi professora e escritora: 
"Não consigo imaginar a minha vida sem livros»

O seu amor aos livros e à poesia, o seu interesse pelos alunos e pelo ensino fazem-na merecedora de um espaço neste blogue, ainda que breve.

Asas

Ansiosas de liberdade
e de igualar o voo das gaivotas,
as palavras soltam-se no vento,
que as desgrenha,
enrodilha,
e deixa cair
sobre as águas revoltas, de um mar em flor.


Luisa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias





 


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

«Ode ao gato» de pablo Neruda

 Para os que estimam os gatos como seus animais de companhia, aqui fica a Ode ao Gato, de Pablo Neruda. 

Com ilustrações das minhas gatas, Luna (preta e branca) e Sammy




Ode ao gato 

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, voo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento ao rato vivo,
da noite até seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma só coisa
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e subtil é como
a linha da proa de um navio.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
seguramente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço ao gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o por e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
o seu olho tem números de puro.

Paulo Neruda