terça-feira, 4 de agosto de 2020

«A figueira» de Eugénio de Andrade




Para todos os que gostam de poemas e de figos a acompanhar, aqui fica mais este poema de Eugénio de Andrade.


A Figueira

Este poema começa no verão,
os ramos da figueira a rasar
a terra convidavam a estender-me
à sua sombra. Nela
me refugiava como num rio.
A mãe ralhava: A sombra
da figueira é maligna, dizia.
Eu não acreditava, bem sabia
como cintilavam maduros e abertos
seus frutos aos dentes matinais.
Ali esperei por essas coisas
reservadas aos sonhos. Uma flauta
longínqua tocava numa écloga
apenas lida...


Eugénio de Andrade


Uma pequena figueira na Portela
As figueiras do Carvalhal do Pombo (famosos figos secos de Torres Novas)

sábado, 1 de agosto de 2020






Agosto, mês das amoras silvestres já maduras.
São doces, mas picam, como tudo na vida.
Não há bela sem senão.




sexta-feira, 31 de julho de 2020

Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental


Aqui transcrevo o artigo publicado na revista Wilder, da investigadora Ana Isabel Queiroz, de grande interesse para a defesa da biodivesidade e do ambiente. 
A «paisagem literária» em foco, desta vez, é a obra de Aquilino Ribeiro, O Homem da Nave.

Todos os meses, o projecto “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental”, ligado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dá-lhe a conhecer as paisagens e a biodiversidade que povoam as obras literárias de escritores portugueses.

Em desconto dos meus pecados (…) proibi terminantemente que dentro da Quinta se fizesse mal aos bichos. No rol estava compreendida toda a espécie de aves, desde o pardal, a quem o Sr. de Buffon consagra a soberana antipatia de aristocrata, devoto do pavão e do condor, ao nebri, que não tem culpa de nascer sem outras artes que não sejam as de bandoleiro, e toda a ordem de roedores, desde o coelho ao texugo, excepto os ratos, é óbvio, contra os quais mobilizaria todos os rattenfanger deste mundo e do outro. E não lhes fazer mal significava: não lhes tirar os ninhos, nem meter-lhes medo com espantalhos ou caravelas, muito menos dar-lhes fogo. Tal como no parque Kruger.”
Aquilino Ribeiro, O Homem da Nave

“Kruger” evoca a vida selvagem. Na região sul-africana do Transvaal emergem áreas delimitadas para a proteção de recursos cinegéticos, muito apreciados pela população branca, desde meados do século XIX, numa história com contornos autoritários e repressivos sobre as comunidades locais. Em 1926, o estatuto de Parque Nacional chega a um território que absorve as anteriores reservas de caça, numa extensão considerável, a Este com fronteira a Moçambique.
Para muitos de nós, o Parque Nacional de Kruger é um símbolo internacional da conservação e um local extraordinário, que já visitámos ou gostaríamos de visitar. Ali, é possível observar uma parte significativa da biodiversidade africana, incluindo os grandes mamíferos, conhecidos como “big five” (elefantes, leões, rinocerontes, búfalos e leopardos) e cerca de 500 espécies de aves.
Este território tem um regulamento que limita as atividades humanas no seu interior. Proliferam aqui, ao abrigo de olhares vigilantes e de conservação da natureza, as espécies que se encontram muito ameaçadas pela caça, pelo furtivismo e pela destruição das suas condições de alimento e abrigo.
Intramuros, na Quinta de Soutosa (Moimenta da Beira), onde viveu a juventude e regressava a cada ano para uma temporada estival, Aquilino Ribeiro decretou que não “se fizesse mal aos bichos”. Era o seu parque Kruger. Seria, por isso, uma zona interdita a qualquer atividade que os assustasse ou os pusesse em perigo, “muito menos dar-lhes fogo”! Criou ali um santuário, só seu, em que os seres preciosos voavam e cantavam nos quintais e pomares.


Entrada para a antiga Quinta de Soutosa, hoje sede da Fundação Aquilino Ribeiro. Foto: Fundação Aquilino Ribeiro

Esta proteção universal às aves (e aos mamíferos, com exceção dos ratos) visou pôr fim às brincadeiras dos garotos trepadores das árvores, ágeis destruidores de ovos e ninhadas, aos tiros de caçadeira, e mesmo a evitar estratagemas para afugentar o passaredo: a colocação de armadilhas – costelas, esparrelas, chozes –, as negaças feitas de aves putrefactas, os engenhos barulhentos tinindo ao vento e os bonecos entrapados simulando gente.
Até a gata Defensora, animal de casa, estimado pelo escritor, esteve, uma vez, “de penitenciária na casa da lenha”, depois de ter tentado atacar um ninho com crias de gaio, “ninho serôdio de Julho, na coruta de uma das tílias, a meia dúzia de passos da habitação” (O Homem da Nave).

Gaio. Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

Aquilino Ribeiro conhece as aves e deleita-se com elas. Que importa se são comuns ou raras, discretas ou impositivas pela plumagem vistosa ou pelo canto melodioso? Juízos e preconceitos sociais, aqui, não se aplicam. Que importa se, como os pardais, ocupam o espaço em bandos, sem distância e sem receio? Que importa se, como as rapinas, tomam aqui e ali uma peça de caça, para sua própria alimentação? Ou se, para poder ter por perto as aves da sua paixão, é preciso dividir, com elas, os primores da quinta?
A propósito dos marantéus, que o escritor observa numa figueira junto à casa, escreve: “levam-me os figos-lampos e os vindimos, primeiros a amadurar. Em compensação, cantam-me o Salutaris, canto vibrante e amarelo com o corselete que vestem, ao desafio com o gemer das rolas” (Geografia Sentimental). Estes marantéus, também chamados papa-figos — disse-nos o seu guardião — são “oriundos do primeiro casal que beneficiou da minha política de paz, o qual proliferou a ponto que os descendentes se multiplicaram tão depressa como os filhos de Abraão” (O Homem da Nave).

Marantéu ou papa-figos. Foto: Dûrzan/Wiki Commons

A natureza próxima, que observamos da janela ou em volta da nossa casa, tal como aquela que, lá longe, sabemos habitar as estepes, as savanas, as florestas, ou as massas de água doce e o universo azul dos oceanos, é a riqueza mais preciosa do Planeta que coabitamos.
De facto, da quinta em que nos movemos, deveríamos fazer melhor do que um parque Kruger. Globalmente, não sobreviveremos de outro modo; com a nossa irresponsável atitude face aos nossos parceiros da biosfera, muitos animais e plantas caminham para a extinção.
Disso tomamos consciência, a cada leitura – para este efeito, recomenda-se Aquilino –, a cada evento excecional, a cada olhar maravilhado. O imperativo é fazer da Terra, com caráter de urgência, não apenas um lugar nosso, mas um lugar para todos os seres vivos, incluindo os humanos.

Ana Isabel Queiroz pertence ao grupo de investigadores ligados ao “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental”.
Esta é a sétima crónica da série “Escrita com Asas”.

domingo, 26 de julho de 2020

Caramulo - passado, presente e futuro




Quem despreza o passado não entende que ele é presente e futuro. 


A capela e a casa de pedra, os espigueiros para guardar um ano de trabalho, até os bancos esculpidos em pedra e madeira para os doentes poderem apanhar o ar puro e fugirem da tuberculose, a peste branca. 



E ouvirem os pássaros.




sexta-feira, 24 de julho de 2020

«Uma Pequena Flor» de Entre Aspas




Algures no Caramulo












Encontrar numa imensidão 

esta pequena flor silvestre amarela-alaranjada solitária, linda

que eu nunca tinha visto nem conhecia 

é o deslumbramento total é a vida a lembrar-me 

que tudo é possível

e que o nosso Universo ainda tem muita coisa desconhecida.

































O local foi
No

Uma Pequena Flor

Entre Aspas

Uma flor
Uma pequena flor
Que eu colhi
Só a pensar
Em ti 
Eu bem sei
Que fui longe demais
Também sei
Que eu não farei jamais
Uma flor
Uma pequena flor
Que eu colhi
Só, só a pensar
Em ti
Eu bem sei
Que fui longe demais
Também sei
Que eu não farei jamais
Tó Viegas / Viviane

quinta-feira, 23 de julho de 2020

A minha borboleta-pavão (inachis io) do Caramulo



Um momento inesquecível destas férias no Caramulo:

A borboleta-pavão, nome botânico Inachis io, ( que tive a sorte, a enorme sorte), de fotografar no Caramulo, logo no 2º dia. 

Estava na piscina, onde havia as flores de que estas borboletas mais gostam, Budleia. 
Nascem em Julho (mais um factor de sorte) e voa até Maio, o que é muito tempo. 



Hibernam em estábulos e outras construções rústicas, preferindo as pradarias floridas ou florestas até 1200m de altitude.


É mais frequente no Norte e Centro. Mas pode aparecer em jardins e mesmo em áreas urbanas. Põe os ovos minúsculos em tufos de urtigas. 

É uma espécie ameaçada, devido á destruição do seu habitat pela agricultura que não preserva as orlas dos campos de cultivo. Esperemos que continue viva e que haja urtigas e flores destas liláses e outras por muito tempo ainda.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

«As Amoras» de Eugénio de Andrade


Amoras, o fruto silvestre doce como um manjar dos deuses, quando bem maduras e pretas.
E, no entanto, tão difícil de se obter, mãos e pernas arranhadas na infância, pois os «grandes» já não se dão ao trabalho de as apanhar.
Comi este ano três ou quatro, oferecidas, pois no Caramulo ainda se estavam a desenvolver, as flores cor-de-rosa eram mais que os frutos e bem lindas nos seus pequenos ramalhetes.
Amoras, as flores e os frutos do amor.

AS AMORAS

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Eugénio de Andrade