sábado, 11 de julho de 2020

«À luz do Verão» in Histórias Alentejanas de Urbano Tavares Rodrigues



Urbano Augusto Tavares Rodrigues 

(Lisboa, 6 de dezembro de 1923 — Lisboa, 9 de agosto de 2013) foi um escritor e jornalista português.
Todos os meses, o projecto “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental”, ligado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dá-lhe a conhecer as paisagens e a biodiversidade que povoam as obras literárias de escritores portugueses.

Em começos de Junho não há prazer, para mim, como o de tomar banho no Ardila, ao entardecer. A água está geralmente morna, suave: durante o dia parece castanha, da cor dos barros, mas àquela hora é de oiro fundido. […] Vou nadando, em braçadas vagarosas, pelo meio do rio. Páro, fico a flutuar, e vejo na Rola os chaparros, cujas pernadas descem quase até ao solo, e nos areais, que arrefecem, de ardentes ainda agora, os tufos rosados dos loendreiros. Cegonhas e andorinhas de água, e estas, um instante, mergulham no rio a cabecita, para beber. Nos choupos, a música do vento.”
Urbano Tavares Rodrigues, “À luz do Verão”, in Histórias Alentejanas



À beira do Ardila, foi rural a infância de Urbano, num “monte” alentejano, perto de Moura, que confina com aquele afluente da margem esquerda do Guadiana. Esta paisagem ribeirinha foi o espaço físico e afectivo das suas aventuras de criança e cavalgadas de juventude – e, mais tarde, a geografia sentimental do escritor, um locus da sua “rota do paraíso”. Deste rio dirá, em outro conto: “Vadear o Ardila era um heróico contentamento, a grande proeza…”
Com nascente em Espanha, grandes variações do seu caudal e de águas pouco profundas, o Ardila alberga, ao longo do seu curso de 166 km, uma grande diversidade de habitats, com áreas quase selvagens e algumas espécies em vias de extinção (como o saramugo e o lince-ibérico).

Troço do rio Ardila. Foto: Eurico Rmn/Wiki Commons

O excerto acima apenas nos dá um pequeno vislumbre da paisagem que configura o seu troço final. Não longe da margem, avistam-se, na herdade da Rola, “os chaparros, cujas pernadas descem quase até ao solo”. Do montado, o olhar desce até à vegetação mais próxima do rio, sendo mencionadas duas espécies ripícolas autóctones: “nos areais, […] os tufos rosados dos loendreiros. […]. Nos choupos, a música do vento.” A paisagem delineada por este Ardila de curvas e contracurvas conformava um ecossistema de matagal mediterrânico, com sobreiro (Quercus suber), bosques baixos de loendro (Nerium oliander) e galerias dominadas por choupos (Populus alba).




Era nestes choupos do Ardila que as cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) nidificavam, como o autor dirá também em A Luz da Cal“os altos choupos do rio, com suas cegonhas”. Estas aves recorrem a locais variados para fazer os ninhos, podendo construí-los em árvores altas, como os choupos, geralmente ao longo de rios. Como se alimentam de insectos, peixes, anfíbios, répteis e pequenos mamíferos, procuram-nos em zonas de baixa vegetação ou dentro de águas pouco fundas.
Urbano recorda, com indelével remorso, um episódio da adolescência, passado nas imediações do rio, ao avistar “uma cegonha, linda, branca, voando em direcção ao choupo onde fizera ninho”. Jamais esta cegonha voou da memória do escritor, cujo requiem ele compôs, anos mais tarde, sob a forma do conto “A morte da cegonha”, que encerra a colectânea Histórias Alentejanas. Aliás, em vários dos seus contos se intui (ou flui?…) este invisível fio que liga, num amoroso triângulo, Ardila-choupos-cegonhas.
Amoroso é também o olhar que contempla, ao entardecer, as águas do Ardila: “Cegonhas e andorinhas de água vão e vêm, e estas, um instante, mergulham no rio a cabecita, para beber.” As poéticas andorinhas de água referidas por Urbano seriam, provavelmente, a ripícola andorinha-das-barreiras (Riparia riparia). De plumagem branca e castanha – quase como o Ardila “da cor dos barros” – é a mais pequena das cinco espécies de andorinhas que ocorrem em Portugal, avistada muitas vezes a voar rente às águas de rios, a baixa altitude, à caça de insectos.
Ao contrário das outras espécies, esta não constrói o seu ninho com lama, mas fá-los em colónias, escavando buracos em taludes, em barrancos verticais de areia, ou em areeiros, próximos de linhas de água. Nas margens do Ardila – perto da atalaia de onde, um dia, Urbano se aventurou a saltar para o rio – podemos observar, ainda hoje, um barranco com dezenas destes ninhos escavados na parede de terra.

Ninhos de andorinha-das-barreiras. Foto: Donald Hobern/Wiki Commons

Recordando, talvez, aquela parede esburacada de ninhos numa das derradeiras obras que publicou (A Última Colina), Urbano escreve: “Tenho buracos na minha memória”, mas lembra ainda (e é quase um convite…) “o passeio até à ribeira do Ardila, onde sempre me encantava aquele silêncio fresco, só cortado pelo murmúrio da água e pela música do vento nos choupos, hoje quase desaparecidos”. Vamos?

Joana Portela pertence ao grupo de investigadores ligados ao “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental”. A autora não segue a mais recente ortografia.


Esta é a sexta crónica da série “Escrita com Asas”.

quinta-feira, 9 de julho de 2020





Tejo


O rio da nossa cidade
É fonte de vida
De gritos das gaivotas
De patas amarelas, de cabeça-preta
Ou de tantas outras
É o rio que traz e leva quem trabalha
É a miragem
Para a outra margem.







terça-feira, 30 de junho de 2020

«Os girassóis» de Isabel del Toro Gomes






Os girassóis são flores maravilhosas pelo seu amarelo vivo, pelo seu tamanho impressionante (parece um malmequer gigante), pelo seu nome que nos lembra que tudo roda à volta desta estrela que nos ilumina, o sol.
Faz-me lembrar, além de tudo isto, os enormes campos de girassóis que vi pela 1ª vez nas nossas viagens dos anos 90 por terras de França. Eram quilómetros intermináveis de girassóis, pois deles se pode ainda fabricar óleo, para muitos usos.
Por isso, nada mais bonito do que uns girassóis que se podem plantar em qualquer pedaço de  horta ou jardim, e que lhe dão um toque especial de sol brilhando.

Estes são uns versinhos que fiz em jeito de louvor ao







 Belo girassol


Gira gira girassol

Ao ritmo do sol no céu
E da terra que vai girando
Que giro é o girassol
Nos campos crescendo
Para lá e para cá se revirando.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

«Poema das folhas secas de plátano» de António Gedeão


Quinta das Conchas

Os plátanos são árvores magníficas, que podem atingir quarenta ou mais metros, muito frequente nas ruas da cidade de Lisboa, em jardins, por todo o nosso país, enfim.

Reconhecem-se facilmente pela forma das suas folhas lobadas, que ficam vermelhas no inverno antes de cairem, criando belos tapetes naturais; pelas manchas esbranquiçadas nos seus troncos à medida que a casca vai saindo, e pelos seus ouriços que guardam a semente dentro até à primavera.




Poema das folhas secas de plátano

  As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,
  e os olhos de uma pobre criatura
  comovidos as seguem.
  São belas as folhas dos plátanos
  quando caem, nas tardes de Novembro
  contra o fundo de um céu  desgrenhado e sangrento.
  Ondulam como os braços da preguiça
  no indolente bocejo.
  Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,
  traçam erres e esses, cicloides e volutas,
  no espaço escrevem com o pecíolo breve,
  numa caligrafia requintada,
  o nome que se pensa,
  e seguem e regressam,
  dedilhando em compassos sonolentos
  a música outonal do entardecer.

  São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
  Eram lisas e verdes no apogeu
  da sua juventude em clorofila,
  mas agora, no outono de si mesmas,
  o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
  deixou-se trespassar por afiado ácidos.
  A verde clorofila, perdido o seu magnésio,
  vestiu-se de burel,
  de um tom que não é cor,
  nem se sabe dizer que nome tenha,
  a não ser o seu próprio,
  folha seca de plátano.
  A secura do Sol causticou-a de rugas,
  um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,
  e  esta real e pobre criatura
  vendo o solo coberto de folhas outonais
  medita no malogro das coisas que a rodeiam:
  dá-lhes o tom a ausência de magnésio;
  os olhos, a beleza.
António Gedeão (1906-1997),



sábado, 6 de junho de 2020

Manuel Cintra (1955-2020)




O poeta, tradutor e ator Manuel Cintra, autor de livros como 'Do lado de dentro' e 'Alçapão', morreu em Lisboa, aos 64 anos.


Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra ( nosso professor de Línguística no primeiro ano do Curso de Filologia Românica, de quem nunca esqueci as aulas no Grande Anfiteatro da Faculdade de Letras, que foram  uma experiência inesquecível para mim e acho que para todos os jovens que chegavam dos liceus habituados a salas para uma turma só) e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra.
Manuel Cintra nasceu em Lisboa, em março de 1956.
Foi tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia “a sua incontornável e apaixonada estrada”, sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans.
Ressalta desta vida de poeta o modo triste e chocante como morreu sozinho em casa e aí permaneceu durante 2 dias, situação que vai ainda acontecendo nos nossos tempos.
No seu livro/folheto Tangerina, editado em 1990, fez a seguinte dedicatória para a minha filha, que o conheceu: Para a Suzane, com a ternura inevitável, do Manuel, Junho de 2009


Um dos seus poemas, em homenagem e para que não fique esquecido:

E dói-me esse rio de já me não amares

de já me não quereres assim como eu te quero

de não sobressaltares porque sou eu que te espero

em esquinas de lágrima ou sorriso

foi-se o amor chegou o siso

e eu

que não nasci para ter juízo



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas está, dê para o que der

e doa a quem doer



Passam sanguessugas pelos trilhos da memória

umas são mortas, outras são vivas,

outras são glória

de já não existir e teimar em persistir

e eu vou ao vento, sou palmeira seca,

sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim

sou uns dias teu, outros assim assim



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas sente, e já pouco quer

para além de seres mulher



E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou

mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música

perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa

é coça umbigo, vai ter que parar



Mas dói-me o teu ventre que não afago

como quem não sabe nadar

e hoje é de festa, amanhã é de mar

é de mar



Manuel Cintra

in Não sei nunca por onde,

Quasi Edições