sexta-feira, 19 de junho de 2020

«Poema das folhas secas de plátano» de António Gedeão


Quinta das Conchas

Os plátanos são árvores magníficas, que podem atingir quarenta ou mais metros, muito frequente nas ruas da cidade de Lisboa, em jardins, por todo o nosso país, enfim.

Reconhecem-se facilmente pela forma das suas folhas lobadas, que ficam vermelhas no inverno antes de cairem, criando belos tapetes naturais; pelas manchas esbranquiçadas nos seus troncos à medida que a casca vai saindo, e pelos seus ouriços que guardam a semente dentro até à primavera.




Poema das folhas secas de plátano

  As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,
  e os olhos de uma pobre criatura
  comovidos as seguem.
  São belas as folhas dos plátanos
  quando caem, nas tardes de Novembro
  contra o fundo de um céu  desgrenhado e sangrento.
  Ondulam como os braços da preguiça
  no indolente bocejo.
  Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,
  traçam erres e esses, cicloides e volutas,
  no espaço escrevem com o pecíolo breve,
  numa caligrafia requintada,
  o nome que se pensa,
  e seguem e regressam,
  dedilhando em compassos sonolentos
  a música outonal do entardecer.

  São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
  Eram lisas e verdes no apogeu
  da sua juventude em clorofila,
  mas agora, no outono de si mesmas,
  o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
  deixou-se trespassar por afiado ácidos.
  A verde clorofila, perdido o seu magnésio,
  vestiu-se de burel,
  de um tom que não é cor,
  nem se sabe dizer que nome tenha,
  a não ser o seu próprio,
  folha seca de plátano.
  A secura do Sol causticou-a de rugas,
  um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,
  e  esta real e pobre criatura
  vendo o solo coberto de folhas outonais
  medita no malogro das coisas que a rodeiam:
  dá-lhes o tom a ausência de magnésio;
  os olhos, a beleza.
António Gedeão (1906-1997),



sábado, 6 de junho de 2020

Manuel Cintra (1955-2020)




O poeta, tradutor e ator Manuel Cintra, autor de livros como 'Do lado de dentro' e 'Alçapão', morreu em Lisboa, aos 64 anos.


Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra ( nosso professor de Línguística no primeiro ano do Curso de Filologia Românica, de quem nunca esqueci as aulas no Grande Anfiteatro da Faculdade de Letras, que foram  uma experiência inesquecível para mim e acho que para todos os jovens que chegavam dos liceus habituados a salas para uma turma só) e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra.
Manuel Cintra nasceu em Lisboa, em março de 1956.
Foi tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia “a sua incontornável e apaixonada estrada”, sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans.
Ressalta desta vida de poeta o modo triste e chocante como morreu sozinho em casa e aí permaneceu durante 2 dias, situação que vai ainda acontecendo nos nossos tempos.
No seu livro/folheto Tangerina, editado em 1990, fez a seguinte dedicatória para a minha filha, que o conheceu: Para a Suzane, com a ternura inevitável, do Manuel, Junho de 2009


Um dos seus poemas, em homenagem e para que não fique esquecido:

E dói-me esse rio de já me não amares

de já me não quereres assim como eu te quero

de não sobressaltares porque sou eu que te espero

em esquinas de lágrima ou sorriso

foi-se o amor chegou o siso

e eu

que não nasci para ter juízo



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas está, dê para o que der

e doa a quem doer



Passam sanguessugas pelos trilhos da memória

umas são mortas, outras são vivas,

outras são glória

de já não existir e teimar em persistir

e eu vou ao vento, sou palmeira seca,

sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim

sou uns dias teu, outros assim assim



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas sente, e já pouco quer

para além de seres mulher



E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou

mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música

perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa

é coça umbigo, vai ter que parar



Mas dói-me o teu ventre que não afago

como quem não sabe nadar

e hoje é de festa, amanhã é de mar

é de mar



Manuel Cintra

in Não sei nunca por onde,

Quasi Edições

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Eritrina Crista-de-galo



Mais uma descoberta na floresta da Portela de Sacavém, que neste caso podia ser na amazónica, pois esta árvore exuberante é originária do sul do Brasil e da Argentina: a eritrina crista-de-galo, que está na época de floração dum vermelho muito vivo, cujas flores se assemelham à crista dum galo.


Quem lhe deu o nome acertou em cheio.
Tem um grande valor comercial (madeira) e paisagístico e não conheço mais lugar nenhum que as tenha plantado.



sábado, 9 de maio de 2020

«O Íbis» de Fernando Pessoa


A fazer planos para o futuro, como o Íbis, que sonha e esquece.

O Íbis
O íbis , ave do Egito,
Pausa sempre sobre um pé
(O que é esquisito).
É uma ave sossegada
Porque assim não anda nada.
Uma cegonha parece
Porque é uma cegonha.


Sonha Esquece-
Propriedade notável
De toda ave aviável.
Quando vejo esta Lisboa,
Digo sempre, Ah quem me dera
( E essa era boa)
Ser um íbis esquisito
Ou p'lo menos 'star no Egito. 

Fernando Pessoa





sexta-feira, 8 de maio de 2020

75 anos do fim da II Guerra Mundial


75 anos do fim da II Guerra Mundial


A 8 de maio de 1945, a Alemanha Nazi capitulou. Era o fim da II Guerra Mundial na Europa. Este conflito moldou a história alemã como nenhum outro acontecimento. Passados 75 anos, preservar a memória é fundamental.

E em 2020, a Guerra é contra um inimigo invisível, o Covid 19. Que está a moldar também a história do mundo.
É preciso dar-lhe luta, como em todas as outras guerras.

Hamburgo em agosto de 2019 (destruída em cerca de 50% durante a II Guerra Mundial)



domingo, 3 de maio de 2020

«Mãe Negra» de Aguinaldo Fonseca


Para todas as mães do mundo, um bom dia da Mãe.


Aguinaldo Fonseca (Mindelo, Cabo Verde, 1922Lisboa, 2014)

MÃE NEGRA
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade... 

Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)



sexta-feira, 1 de maio de 2020

Dia do trabalhador




Dia do Trabalhador, o 1º do mês de Maio.
Geralmente um dia com manifestações em todo o mundo, com passeios pelos jardins cheios de verdura e de flores, pelo campo ou à beira mar.
Este 1º de Maio de 2020 não é assim, é mais um mês de isolamento em casa, de desolação e tristeza pelas muitas vítimas provocadas por um novo e terrível vírus, e de medo e angústia.

Vamos, no entanto, mesmo em casa, simbolicamente, levantar a bandeira da luta contra a opressão e continuar a lutar pelos direitos de quem trabalha e constrói este mundo: os trabalhadores.



Alguém que luta nas ruas

E faz ouvir a sua voz

Contra aqueles que disseram

Nós somos os senhores do mundo.

I.G.