domingo, 3 de maio de 2020

«Mãe Negra» de Aguinaldo Fonseca


Para todas as mães do mundo, um bom dia da Mãe.


Aguinaldo Fonseca (Mindelo, Cabo Verde, 1922Lisboa, 2014)

MÃE NEGRA
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade... 

Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)



sexta-feira, 1 de maio de 2020

Dia do trabalhador




Dia do Trabalhador, o 1º do mês de Maio.
Geralmente um dia com manifestações em todo o mundo, com passeios pelos jardins cheios de verdura e de flores, pelo campo ou à beira mar.
Este 1º de Maio de 2020 não é assim, é mais um mês de isolamento em casa, de desolação e tristeza pelas muitas vítimas provocadas por um novo e terrível vírus, e de medo e angústia.

Vamos, no entanto, mesmo em casa, simbolicamente, levantar a bandeira da luta contra a opressão e continuar a lutar pelos direitos de quem trabalha e constrói este mundo: os trabalhadores.



Alguém que luta nas ruas

E faz ouvir a sua voz

Contra aqueles que disseram

Nós somos os senhores do mundo.

I.G.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

«História de um caracol que descobriu a importância da lentidão» de Luis Sepúlveda




Luis Sepúlveda (Ovalle, 4 de outubro de 1949Oviedo, 16 de abril de 2020) foi um romancista, realizador roteirista, jornalista e activista político chileno
Residia ultimamente em Gijon, Espanha, após viver entre Hamburgo e Paris
Morreu em Abril deste ano de Covid 19, depois de muitos dias de luta contra este vírus que está a assolar o mundo e a causar milhares de mortos.
Depois de vencer tantas dificuldades e barreiras desde jovem, de combater contra o fascismo de Pinochet e de lutar pela liberdade do seu país, o Chile, foi este vírus desconhecido que o fez sucumbir.
Deixou-nos uma grande obra, entre a qual realço este livro «História de um caracol que descobriu a importância da lentidão», que resultou de uma pergunta feita por um dos seus netos e que é uma lição para todos nós, que vivemos num mundo cada vez mais rápido e indiferente aos outros.
E que nos revoltamos, por vezes, contra a lentidão e contratempos a que a passagem do tempo pelo nosso corpo nos constrange.

- Quero saber porque sou tão lento - segredou o caracol.
O mocho abriu então os seus olhos enormes e redondos e observou atentamente o caracol.. Depois fechou-os outra vez.
-És lento porque carregas um grande peso - revelou-lhe o mocho.
(…)
Tu és um jovem caracol e tudo o que viste, tudo o que provaste, as coisas amargas e doces, a chuva e o sol, o frio e a noite, tudo isso vai contigo, pesa, e, como és tão pequeno, esse peso torna-te lento.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

23 de abril 2020 - Dia Mundial do livro





O que seria de todos nós , sem os livros, em todos estes dias de isolamento profilático, sem poder sair de casa?



Era muito mau, de certeza, porque os livros nos trazem o mundo lá de fora, nos falam de viagens, de coisas que não podemos ver nem sentir agora. 
E nos impedem de estar sempre a ver as notícias do Covid 19!


Ítalo Calvino disse:
«Só nas leituras desinteressadas pode acontecer encontrares o livro que se tornará o «teu livro».





quinta-feira, 16 de abril de 2020


A imunologista Maria de Sousa, que morreu esta terça-feira aos 81 anos vítima de Covid-19, deixou uma última mensagem, em verso, escrita a 3 de abril, momento em que já se encontrava gravemente doente.
O poema, escrito em inglês, foi divulgado esta quarta-feira numa tradução do médico e poeta João Luís Barreto Guimarães pela editora Quetzal.

A cientista foi uma das primeiras mulheres portuguesas reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas, tendo-se destacado na área da imunologia, nomeadamente na questão da distribuição dos linfócitos.


O último poema de Maria de Sousa, uma emocionante despedida da vida desta grande mulher portuguesa e uma carta do verdadeiro amor que dedicava à ciência e à humanidade.




Carta de amor numa pandemia vírica
Gaitas-de-fole tocadas na Escócia
Tenores cantam das varandas em Itália
Os mortos não os ouvirão
E os vivos querem chorar os seus mortos em silêncio
Quem pretendem animar?
As crianças?
Mas as crianças também estão a morrer
Na minha circunstância
Posso morrer
Perguntando-me se vos irei ver de novo
Mas antes de morrer
Quero que saibam
O quanto gosto de vós
O quanto me preocupo convosco
O quanto recordo os momentos partilhados e
queridos
Momentos então
Eternidades agora
Poesia
Riso
O sol-pôr
no mar
A pena que a gaivota levou à nossa mesa
Pequeno-almoço
Botões de punho de oiro
A magnólia
O hospital
Meias pijamas e outras coisas acauteladas
Tudo momentos então
Eternidades agora
Porque posso morrer e vós tereis de viver
Na vossa vida a esperança da minha duração



Maria de Sousa
3 de abril de 2020

terça-feira, 14 de abril de 2020

«Recordando o mar» de Isabel del Toro Gomes


Mais um dia de isolamento em casa.
Recordo o mar de todos os lados por onde andei.
Este é o de Burgau.


Esse mar que nos chama

E nos cativa, lá do fundo

E que é sempre da cor do céu







Esse mar em que todas as coisas

Se confundem e se misturam

Algas, rochas, lapas

Peixes, conchas, pedras










Ali, na linha do horizonte

Azul é o céu

Azul é o mar

Azul é a esperança







Ouço o teu apelo amigo

De dia suave e calmo

De noite rouco e turbulento



  

E respondo então assim: 

Mar grande e profundo

Estou aqui!

Deixa-me mergulhar em ti.





sábado, 11 de abril de 2020

«As palavras mal soam» de Isabel del Toro Gomes



No 30º dia de Quarentena devido ao Covid 19 e à beira de um ataque de nervos, pois a situação sanitária e o nº de mortos em Portugal continua assustadora e a respectiva sanidade mental é cada vez mais difícil de manter, aqui fica mais um excerto de um poema meu. 
Foi escrito noutras circunstâncias de angústia, mas adapta-se às actuais.


As palavras mal soam
Na minha memória
Longínquas e esquecidas
Qual viajante peregrino
Em busca do seu caminho
Por entre as urzes perdidas.

Isabel del Toro Gomes