quinta-feira, 16 de abril de 2020


A imunologista Maria de Sousa, que morreu esta terça-feira aos 81 anos vítima de Covid-19, deixou uma última mensagem, em verso, escrita a 3 de abril, momento em que já se encontrava gravemente doente.
O poema, escrito em inglês, foi divulgado esta quarta-feira numa tradução do médico e poeta João Luís Barreto Guimarães pela editora Quetzal.

A cientista foi uma das primeiras mulheres portuguesas reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas, tendo-se destacado na área da imunologia, nomeadamente na questão da distribuição dos linfócitos.


O último poema de Maria de Sousa, uma emocionante despedida da vida desta grande mulher portuguesa e uma carta do verdadeiro amor que dedicava à ciência e à humanidade.




Carta de amor numa pandemia vírica
Gaitas-de-fole tocadas na Escócia
Tenores cantam das varandas em Itália
Os mortos não os ouvirão
E os vivos querem chorar os seus mortos em silêncio
Quem pretendem animar?
As crianças?
Mas as crianças também estão a morrer
Na minha circunstância
Posso morrer
Perguntando-me se vos irei ver de novo
Mas antes de morrer
Quero que saibam
O quanto gosto de vós
O quanto me preocupo convosco
O quanto recordo os momentos partilhados e
queridos
Momentos então
Eternidades agora
Poesia
Riso
O sol-pôr
no mar
A pena que a gaivota levou à nossa mesa
Pequeno-almoço
Botões de punho de oiro
A magnólia
O hospital
Meias pijamas e outras coisas acauteladas
Tudo momentos então
Eternidades agora
Porque posso morrer e vós tereis de viver
Na vossa vida a esperança da minha duração



Maria de Sousa
3 de abril de 2020

terça-feira, 14 de abril de 2020

«Recordando o mar» de Isabel del Toro Gomes


Mais um dia de isolamento em casa.
Recordo o mar de todos os lados por onde andei.
Este é o de Burgau.


Esse mar que nos chama

E nos cativa, lá do fundo

E que é sempre da cor do céu







Esse mar em que todas as coisas

Se confundem e se misturam

Algas, rochas, lapas

Peixes, conchas, pedras










Ali, na linha do horizonte

Azul é o céu

Azul é o mar

Azul é a esperança







Ouço o teu apelo amigo

De dia suave e calmo

De noite rouco e turbulento



  

E respondo então assim: 

Mar grande e profundo

Estou aqui!

Deixa-me mergulhar em ti.





sábado, 11 de abril de 2020

«As palavras mal soam» de Isabel del Toro Gomes



No 30º dia de Quarentena devido ao Covid 19 e à beira de um ataque de nervos, pois a situação sanitária e o nº de mortos em Portugal continua assustadora e a respectiva sanidade mental é cada vez mais difícil de manter, aqui fica mais um excerto de um poema meu. 
Foi escrito noutras circunstâncias de angústia, mas adapta-se às actuais.


As palavras mal soam
Na minha memória
Longínquas e esquecidas
Qual viajante peregrino
Em busca do seu caminho
Por entre as urzes perdidas.

Isabel del Toro Gomes



terça-feira, 7 de abril de 2020

«Dia tristonho e cinzento» de Isabel del Toro Gomes



Dia tristonho e cinzento.
Mesmo assim mais um dia de vida com poesia. 
Com uma cesta de flores deslumbrantes, oferecidas pelo marido num dia.

Dia tristonho e cinzento
Onde foram parar
Os dias felizes de outrora?
Nada deles parece restar
Para além das belas paisagens
Dos postais ilustrados.
E de nós só parece ter ficado
Este pobre retrato desarticulado.





domingo, 5 de abril de 2020

«Film» de Adolfo Casais Monteiro



Adolfo Vítor Casais Monteiro  (Porto, 4 de Julho de 1908 - São Paulo, 23 de Julho/24 de Julho de 1972)  foi um poeta, tradutor, crítico e novelista português. 


Esperemos que as nuvens passem, como diz Adolfo Casais Monteiro neste poema. Hão-de passar .
Nada será como dantes, faltarão muitos que foram vítimas desta pandemia, mas as noites continuarão a suceder-se aos dias, a alegria voltará como nos anos 20 depois da 2ª Guerra Mundial, os vivos continuarão a tarefa iniciada pelos pais e pelos mortos.
Como nos filmes.




Film
Asas...Tanta coisa me fugiu!
Caminhos, entreabertas onde
espaço que não os becos?
Tantas fogueiras acesas
havia na minha vida...
Brancura. Nada se prende
nas malhas que se romperam.
E todavia, há ainda os horizontes!
Espero que as nuvens passem.

Adolfo Casais Monteiro
«Poesias Completas»




sábado, 4 de abril de 2020

«Ilha do Pessegueiro» de Isabel del Toro Gomes



Ilha do Pessegueiro


Nesta ilha - paraíso

Já não há nenhum pessegueiro



De dia

Apenas aves

Céu e paisagem



À noite

Promessas de mil estrelas e astros

Sobre o mar



Aí volvemos

Ao princípio dos tempos

Somos Adão e Eva



Comemos maçãs
Corremos saltamos

Somos companheiros

Inseparáveis e felizes.

Isabel del Toro Gomes
23 de Julho 2005


terça-feira, 31 de março de 2020

«Sonhos» de Isabel del Toro Gomes


«A neve» de Isabel d.T.Gomes

Hoje, último dia do mês de Março deste fatídico ano de 2020, foi-se o sol e veio o frio, a chuva e a neve.
Para nos deixar ainda mais tristes e desmoralizados.
Como se costuma dizer:  «Não há mal que venha só».
Resta-nos a esperança, como sempre.


Sonhos

Toda a gente podia
Ouvir os pássaros a cantar
Nos campos ou até nas cidades...
Mas só alguns os ouvem.
Toda a gente podia
Observar a forma das nuvens
Admirar uma flor
Refrescar-se à sombra duma árvore
Correr na areia da praia
Sentir o sol, passear à chuva...
Todos nós podíamos versejar
Sobre as coisas simples da vida
Transformar as tristezas em rimas
E as alegrias em poemas.