domingo, 28 de julho de 2013

Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)

 Álvaro de Campos
 




Grandes são os desertos, e tudo é deserto.



http://youtu.be/46kilOmMCEU?list=RD46kilOmMCEU

O  poema Ai Margarida, do heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, é maravilhosamente cantado por Camané. Aqui fica o seu registo.

Ai, Margarida

Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que farias tu com ela?
Tirava os brincos do prego,
Casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrela.




Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
(Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.
E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
No sentido de morrer? 
Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.
Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia? 
Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.

Comunicado pelo Engenheiro Naval Sr. Álvaro de Campos, em estado de inconsciência alcoólica.


                                              
                                               Campo de margaridas, Olhos de Água
 

sábado, 27 de julho de 2013

«Não me peças sorrisos» de Agostinho Neto

Agostinho Neto e sua mulher, Maria Eugénia
 
Agostinho Neto (1922/1979)

Relembrando Agostinho Neto, que também foi poeta.


Não me peças sorrisos


Não me exijas glórias que ainda transpiro
os ais
dos feridos nas batalhas

Não me exijas glórias
que sou eu o soldado desconhecido
da Humanidade

As honras cabem aos generais
A minha glória
é tudo o que padeço
e que sofri
Os meus sorrisos
tudo o que chorei

Nem sorrisos nem glória
Apenas um rosto duro
de quem constrói a estrada
por que há-de caminhar
pedra após pedra
em terreno difícil

Um rosto triste
pelo tanto esforço perdido
-esforço dos tenazes que se cansam
à tarde
depois do trabalho

Uma cabeça sem louros
porque não me encontro por ora
no catálogo das glórias humanas

Não me descobri na vida
e selvas desbravadas
escondem os caminhos
por que hei-de passar

Mas hei-de encontrá-los
e segui-los
seja qual for o preço

Então 
num novo catálogo
mostrar-te-ei o meu rosto
coroado de ramos de palmeira

E terei para ti
os sorrisos que me pedes.

                                                     Agostinho Neto

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Jean Paul Sartre







O que interessa (...) é o que os homens fazem daquilo que fizeram deles.


                                                                                   Jean Paul Sartre



Concordo e partilho este pensamento de Sartre.
Não interessa o que dizem de nós, mas o que fazem de nós. 
E depois, o que nós somos capazes de fazer com isso.
Aplica-se a todos os tempos e a todas as pessoas!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

«As portas que Abril abriu» de José Carlos Ary dos Santos




 Ainda há quem se lembre de Ary dos Santos, e da poesia de Ary dos Santos. Parece mentira mas é verdade!
Por muito que custe a alguns mercenários e à gente medíocre e inculta que por aí anda no poder, fazendo todos os possíveis por apagar o passado recente e a História, nada nem ninguém irá conseguir fechar as portas que Abril abriu. Pela simples razão que a História não se apaga nunca. E ela está sempre do lado dos justos e das pessoas que fazem este País dia a dia, corajosamente.

As Portas Que Abril Abriu

(...)
Foi então que abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra 
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

(...)


Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

                                                      José Carlos Ary dos Santos
 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

«Verão» de Isabel del Toro Gomes




 Verão

Cerejas e figos
Já comi tantas cerejas
Que tu já nem me beijas
E de mim tens inveja!

Figos e cerejas
Já comi tantos figos
Que nem conto aos meus amigos
Que me querem salvar destes perigos!

Cerejas e figos 
Figos e cerejas...


quarta-feira, 17 de julho de 2013

«Tabacaria» de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)


Casa Álvaro de Campos em Tavira


Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890,é engenheiro naval(por Glasgow), é alto(1,75 de altura), magro, cara rapada, cabelo liso.(…)
Pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à minha vida.» - carta de Fernando Pessoa, falando do seu heterónimo.
 
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) 

                                                                  Álvaro de Campos




O que é fantástico neste poema é como o amargo pessimismo
sobre si próprio e sobre a sua vida é contrabalançado pela doce aparição do chocolate e da pequena que o devora gulosamente. E a percepção de que esse gesto equivale a uma metafísica mais verdadeira do que muitas outras a sério.
 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

«Dies Irae» de Miguel Torga

 


Os tempos em que viveu Miguel Torga não eram fáceis. Os tempos em que vivemos agora também não, salvaguardadas as distâncias históricas. Mas, no essencial, são Dias da Ira, em que nos apetece chorar, gritar, fugir.... Muitos de nós temo-lo feito, é necessário continuar a fazê-lo para que nos deixem viver a vida que ainda temos. A escrita e a poesia é uma das armas contra a tirania dos medíocres e incultos que se atrevem a querer governar o mundo.



 Dies Irae

 Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora. 
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! Maldição do tempo em que vivemos, 
Sepultura de grades cinzeladas
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
  
                                                                 Miguel Torga




                                                                     monumento em Coimbra