sábado, 6 de abril de 2013

Olhos que são espelhos

  • Os olhos são o espelho da alma





«O silêncio» de Teolinda Gersão



O Silêncio (1981), de Teolinda Gersão (Coimbra, 1940), escritora e professora, foi um dos livros que reli nos últimos tempos e que gostei de reler.
Esta é, sem dúvida, uma autora que se dedica a uma escrita livre, que flui como o pensamento ou como as ondas do mar que vão e vêm ao sabor das luas, uma escrita de grande beleza natural.
Embora o título do livro seja O Silêncio, que nos faz lembrar a expressão «O silêncio é de ouro», só de verdadeiro alcance para alguns mais expeditos na arte do entendimento entre humanos, este é apenas uma das temáticas sobre que a autora quer falar. O silêncio é o do mar, que quase submerge a casa na falésia, o interior da casa e sua relação com as personagens, as flores e plantas, o jardim, a solidão.E nós, os leitores.
Um belo livro para ler ou reler. Este diálogo que se transcreve aqui, é tão real que me faz lembrar outros diálogos e outras palavras trocadas tantas vezes, numa praia ou noutro local qualquer.

 A revista de novo fechada, dobrada no cesto de vime, o relógio batendo, e não é nada disto que eu quero,
-recusar tudo e recomeçar de outra forma,
-mas não há outra forma possível,
-corpos que brevemente se entendem e de novo partem, soltos, separados,
-porque você recusa o real, você recusa,
-porque sempre sonhei viver de outro modo,
-mas só existe o real e é preciso resignar-se,
-mas quem vai definir o que é real,
 -o real é o contrário do  sonho,
-e se for o sonho que é real,
-está de novo mentindo ,
-a vida não se repete apenas, é possível uma súbita alteração qualitativa,
-a vida é uma coisa sem brecha, não há nunca rotura nem milagre,
-não sonhamos talvez o suficiente,
-é preciso parar de imaginar.
-Vou-me embora, disse-lhe, depois de uma pequena pausa.........


    



domingo, 10 de março de 2013

«Luna» de Isabel del Toro Gomes






Luna
A minha gata Luna
É meiga como uma pluma
De duas cores se enfeitou
É Lua é sol é estrela cadente
-Gata do mundo eu sou
Gata de toda a gente.



quinta-feira, 7 de março de 2013

«De onde vimos? O que somos? Para onde vamos?» -Gauguin1897

Paul Gauguin
1848-1903


 Paul Gauguin, eterno inconformado, que abandonou emprego, família e tudo o que representava estabilidade,  auto exilou - se no Taiti e noutras ilhas dos Mares do Sul para poder pintar o que o seu talento natural lhe ditava.
Este quadro foi pintado no final da sua vida,  quando se encontrava já doente, como se se tratasse da sua última mensagem ao mundo. Gauguin queria deixar um legado, mostrar à gente que o ridicularizara e que se rira dele o que perdia com a sua morte. 
 https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdpf4DISF61hPcU0u9DN7laa1UV2GalKbWxyaraPOjXoF7KrG_T0Mfii9Erw_crF2_bBQcc66_QdJE7_sJrBqriYeBF4Bo3xSE6aYwt8pQPfs9IcxfdzC53rrQvK25wSQFwL3-DtQJEE0d/s1600/Woher_kommen_wir_Wer_sind_wir_Wohin_gehen_wir.jpg

Concentrou todas as suas forças vitais nesta obra que representava a sua imagem da humanidade. Já não tinha nada a perder, nem receio de revelar toda a sua veemência artística, com todo o volume grosseiro das suas pinceladas, que a crítica tinha difamado como «demasiado primitivo».
No fundo, era Gauguin quem estava certo: o mais importante era pintar  a sua visão do mundo, sem se preocupar em ser compreendido pelos outros, interpretando a vida como um grande segredo.



quarta-feira, 6 de março de 2013






Nos anos 60 e 70, Daniel Filipe era uma espécie de lenda para as novas gerações que despertavam para a luta anti-fascista através da arte e da poesia.
Não se sabia muito bem quem era este poeta da Invenção do Amor, mas todos achavam que este era um poema magnífico, não só pela temática e sua exploração, como pelo dom de transformar palavras poéticas carregadas de emoção numa luta comprometida e acusatória contra o regime de Salazar, realçando a urgência deste tipo de mensagens que resistem a tudo e a todos, e persistem para além da censura.
Também desconhecia que Daniel Filipe tinha nascido em Cabo Verde, em 1925, na ilha da Boavista. Veio para Portugal ainda criança, onde fez os estudos liceais. Iniciou a sua vida profissional como funcionário da Agência - Geral do Ultramar e como jornalista, colaborando em várias publicações e coleções de poesia.
Combateu a ditadura de Salazar, sendo perseguido e torturado pela Pide.
Faleceu em 1964, em Cabo Verde. 
A Invenção do Amor é o seu poema mais conhecido, hoje talvez esquecido, como acontece a tantos outros e que vale a pena relembrar e dar a conhecer aos jovens.
Aqui fica a declamação do poema pelo próprio autor, com acompanhamento musical do seu filho. 
Um registo documental e histórico fabuloso que nos permitem as novas tecnologias. 

Transcrevem-se aqui apenas algumas estrofes do poema, devido à sua extensão.
 




A Invenção do Amor de Daniel Filipe




Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor...........



 























 
Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

«Gatos»



 Si je préfère les chats aux chiens, c' est qu' il n' y a pas de chats policiers.

                                                                             Siné


 Eu também prefiro os gatos aos cães, mas nunca me tinha passado esta ideia pela cabeça: gatos polícias. Oxalá ninguém mais se lembre disso!!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

«Nevoeiro» de Natércia Freire


Nevoeiro

O que possuo e não possuo
É uma ilusão.
O que suponho e não suponho
É sempre um sonho.
Um arrastar, um quase andar
Na cerração,
E tudo sonho, a vida sonho
E o sonho sonho.


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Não tenho forças para fundir-me
No clarão.
E é nevoeiro esse país
De que disponho.
Acha-me a vida a caminhar
Na cerração,
E tudo sonho, a vida sonho
E o sonho sonho.

                     Natércia Freire (Benavente 1920/ Lisboa 2004)