domingo, 20 de maio de 2012

A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia. de Selma Lagerlof

                                                Quadro da escritora pintado por Carl Larsson

Selma Lagerlof (1858-1940) foi uma escritora sueca que se tornou famosa devido ao livro que escreveu entre 1906 e 1907, A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1909, entre outros.
Selma nasceu e viveu a sua infância na propriedade de seus pais, situada na parte oeste da Suécia, região repleta de mitos, lendas e histórias fantasmagóricas. Devido a um defeito articular na perna esquerda que a impedia de andar, passou a infância imobilizada, passando o tempo a ouvir as muitas histórias e lendas contadas por sua ama e a ler.
Mais tarde, começou miraculosamente de novo a andar e aos 15 anos Selma decidiu ser escritora, começando por escrever poesia. Como a situação financeira da família entrou em declínio, com a ajuda do irmão conseguiu formar-se e tornou-se professora de História. 
Foi escrevendo muitas obras, ganhando prémios e tornando-se famosa. Mais tarde, o diretor de uma escola fez-lhe a proposta de um livro para crianças das escolas primárias, que ensinasse a história e a geografia da Suécia. Assim nasceu a obra A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia, concluída em 1907.
Esta obteve tamanho sucesso que Selma pôde finalmente realizar o sonho de reaver a propriedade dos pais, comprando-a de novo em 1910. 
Esta obra ultrapassou largamente as expetativas da autora, pois tem sido lida por muitas crianças e adultos do mundo inteiro, dando a conhecer as regiões magníficas deste país, tão longíquo para a maioria dos leitores.
Tudo é prodigioso neste livro, que nos retrata a Suécia do século XIX e princípios do XX como um país predominantemente rural, onde se sobrevivia com dificuldade vivendo da terra e do que esta oferecia. Uma imagem bem diferente da próspera Suécia dos dias de hoje. Um país pobre que se tornou num dos mais ricos da Europa. Como? A História tem muita coisa a ensinar aos Homens, se eles quiserem!
A história trata de uma viagem que um jovem pastor de 14 anos, transformado em liliputiniano, faz no dorso de um ganso doméstico, seguindo o voo migratrório de um bando de patos selvagens até à Lapónia. Quando a viagem começa ele não passa de um rapaz irresponsável e ignorante, mas ao longo da viagem muitas aventuras e peripécias  se vão passar, que lhe trarão grandes aprendizagens.
Quem não gostaria de fazer esta maravilhosa viagem, mesmo passando as agruras por que Nils passou? Aqui fica o convite:

Nils voava muito alto - por baixo dele, estendia-se a grande planície da Ostrogócia. Divertia-se a contar as igrejas, brancas, cujas flechas surgiam por entre os maciços das árvores. Em breve, contou cinquenta. Depois, enganou-se e desistiu da contagem.
  
Selma Lagerlof,  Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia       
        


domingo, 13 de maio de 2012

«Duas ou três coisas que sei sobre livros» de Manuel António Pina



Na revista Notícias Magazine, publicada hoje com o jornal  Diário de Notícias, encontrei algumas palavras sábias de Manuel António Pina, no seu artigo Duas ou três coisas que sei sobre livros. 
Eis algumas delas:

(...)
Outra coisa que sei é que não se deve pedir de mais aos livros. Também eu, nos inquietos anos da juventude, exigi dos livros que transformassem o mundo e das palavras que me dissessem o que julgava que sabia. Depois fui aprendendo, lendo livros, que a sabedoria das palavras é feita de irrisão e de silêncio, de liberdade e de desnecessidade, e que, mesmo que as palavras e os livros possam transformar o mundo, nem as palavras nem os livros gostam de ser empurrados.
Terceira coisa: ler é um acto de amor. Se o leitor não for um amante, se o escritor for um proxeneta, os livros entregar-se-ão sem paixão e sem ternura...Um dos piores crimes praticados contra os livros é obrigarmo-nos a lê-los.
(...)

terça-feira, 1 de maio de 2012

«1º de maio 2012» de Isabel del Toro Gomes




1º de Maio 2012


nos nossos lábios um sorriso

amargo e doce

no nosso olhar angústia 

e esperança

nas nossas mãos cansadas 

uma rosa branca e negra

Nas nossas bocas caladas

palavras de silêncio

No nosso mês de Maio
  
Morre-se e vive-se
  
e Continua-se a luta

Que  A nossa vida é só para isso


sábado, 28 de abril de 2012

Adeus a MIguel Portas


Miguel Portas (1 de Maio de 1958/24 de Abril de 2012) foi um político que admiro e não esquecerei nunca, pela sua simplicidade, honestidade, grande capacidade de trabalho e coragem. Não era definitivamente um político como os outros, pautava-se por valores éticos, por uma seriedade e defesa dos mais desfavorecidos, hoje quase raros.
Foi também um homem culto e defensor da cultura. Foi jornalista, director da revista cultural Contraste (1986), redator do semanário Expresso (1988) e editor internacional da sua revista (1992-1994). Dirigiu ainda o semanário (1996), foi repórter da revista Vida Mundial (1998/1999), além de cronista do Diário de Notícias (2000-2006) e no semanário Sol (2008-2012). Foi co-autor e apresentador de duas séries documentais para televisão: "Mar das Índias" (2000) e "Périplo" (2004), sobre o Mediterrâneo. Teve três livros publicados: "E o resto é paisagem" (2002), de crónicas, ensaios e entrevistas; "No Labirinto" (2006), sobre o Líbano e "Périplo" (2009), dedicado ao Mediterrâneo.
Um recado aos senhores livreiros e editores: em vez de encherem os escaparates com os livros de sua mãe, aproveitando a morte do filho para fins lucrativos, ficava-lhes melhor exporem os livros do próprio Miguel Portas, nem que fosse em sua homenagem.
Parece que o dinheiro fala sempre mais alto e é pena!
Nada melhor na hora da despedida que ler as palavras que ele escreveu, como se a sua voz ainda continuasse a soar nos nossos ouvidos.

 Miguel Portas com os filhos na praia das MaçãsMiguel Portas com os filhos, Frederico e André, em maio de 2006, na Praia das Maçãs

Revolução: testemunho, por Miguel Portas

A cada um a sua revolução. A minha iniciou-se ainda no tempo da outra senhora, uma expressão que caiu em desuso. E coincidiu com outra, obrigatória pela lei da vida, a da passagem à adolescência. 
Crónica de Miguel Portas de abril de 1999, retirada no livro “E o resto é paisagem”.
 
A minha revolução tinha, por isso, razões de urgência inusitada.
No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados entre liceus e escolas técnicas. Os primeiros chegariam às universidades, os segundos ficar-se-iam por um ofício qualificado. Não viria daí mal ao mundo, se tal representasse uma escolha. Acontece que era um destino. Filho de operário, operário serás. Filho de rico, garantia de doutor. Eu estava no segundo grupo, mas nem por isso sentia menos a injustiça.
No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados por sexos. Havia liceus para rapazes e liceus para raparigas. Alguns tinham mesmo muretes de separação, seguramente para estimular a imaginação. Elas estavam obrigadas a usar bata, a bata das escolas delas. Nós não, que éramos candidatos a homens.
No meu país as universidades já eram mistas. Elas eram bem menos do que eles. Elas sentavam-se, por ordem alfabética, nas primeiras filas do anfiteatro. Eles, também por ordem alfabética, ocupavam o restante. Assim era fácil marcar faltas: os alunos não tinham nome, na realidade tinham número.
No meu país havia, como em qualquer outro, bons e maus professores. Mas, com excepções, aquilo não era ensino, eram exames de memória. Um colega não perguntava ao outro «já estudaste aquilo?», invectivava-o com um «já decoraste?»
No meu país os nossos pais estavam condenados a entenderem-se sempre e para sempre. Casavam pela igreja, não tinham direito a divórcio. Há quem diga que o hábito faz o monge, mas a máxima nem sempre se aplica. Esta obrigatoriedade sobrava para muitos filhos, principalmente sobrava para muitas filhas.
O papel da igreja era omnipresente. Quem não fosse à missa era olhado de soslaio. Mas nem isso evitava as crises de fé, que geravam hecatombes familiares, ou vice-versa. Naquele tempo havia filhos e meio-filhos, não havia apenas filhos. Eu tinha uma meia-irmã, adivinhem lá o que isso seja. Durante anos não pôde visitar parte da família alargada. Culpada por ter nascido à margem da lei que os homens atribuíam a Cristo.
E depois, no meu país havia ainda o espectro de uma condenação antecipada: a guerra. Mais cedo ou mais tarde, iríamos lá bater com os costados. Em nome da Pátria e da nossa missão civilizadora no mundo dos cafres, assim era legítimo classificar os africanos.
Ah! E havia política. Lembro-me de ver Marcelo Caetano na televisão.
A emissão chamava-se “Conversas em família”. O patriarca falava e a plateia escutava. Parece que esta forma de comunicação foi então uma novidade absoluta no pacato mundo dos lusitanos, uma modernice. Adivinhem como seria antes...
A revolução, portanto. E nada menos do que a revolução.
A revolução começa por ser uma construção contra a realidade, um mundo como o que os primeiros cristãos escavaram para se protegerem das forças do Império romano.
No mundo onde me envolvi, os rapazes e as raparigas eram iguais. Não aprendíamos o que a escola nos dava, mas exactamente o que ela nos escondia. Outras leituras, outras músicas, outra conversa. E outra História.
Outra vida, também. Com maior ou menor tolerância das famílias, conquistávamos o tempo. Tempo para reuniões, agitações ou manifestações-relâmpago de alta adrenalina. Mas tempo também para acampamentos e namoros, tempo até para, à boleia, se conhecer Paris ou visitar a meca das liberdades, Amesterdão. No fundo, tempo para se confirmar como Portugal ficava mesmo muito longe do mundo. Do mundo e do nosso mundo.
Depois a revolução é a própria revolução, quando a nossa «contra-realidade» emerge como realidade. Há imagens que ficam para uma vida. A minha é a de um velho contínuo do Liceu Passos Manuel, homem corajoso que nunca denunciara as acções de agitação que, amiúde, se faziam. Foi ele quem, no dia 26 de Abril, se colocou na frente dos estudantes, hino nacional saindo da sua boca, antes da invasão das instalações do Secretariado para a Juventude (antiga Mocidade Portuguesa) do liceu. Esperara uma vida por aquele gesto e era comunista.
Lembro-me também da noite em que ficou claro que havíamos perdido. Da preocupação nos rostos, no desespero de alguns porque não era assim que estava escrito. E recordo-me também do alívio com que ouvi Melo Antunes nessa noite. Perdera-se, mas não se perdia tudo.
Perdemos? Uma revolução incompleta é uma revolução falhada? Talvez a História venha a dizer-nos que sim, ou talvez esta não seja a boa pergunta. Com ou sem revolução estaríamos hoje onde estamos, como diz Saramago? Mas como é possível não se ter superado ainda na cultura da esquerda a submissão estalinista aos resultados como critério de verdade? Como é possível continuar a desvalorizar o modo – neste caso, a revolução – face às finalidades? No limite, revolução é atitude, atitude de vida. O que ela, quando ocorre, tem de extraordinário, de único e insubstituível, é que marca quantos com ela se travam de razões.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

«Anatomia dos Mártires» de João Tordo

  

João Tordo é um dos melhores escritores da nova geração, que se tem vindo a afirmar pela sua escrita escorreita, direta, liberta de vícios de linguagem e de forma a que outros novos autores lançam mão para obterem sucesso rápido.
 João Tordo nasceu em Lisboa em 1975. Formou-se em Filosofia e estudou Jornalismo e escrita Criativa em Londres e Nova Iorque. Em 2009 ganhou o Prémio Literário José Saramago com o romance As Três Vidas (2008). Trabalha como cronista, tradutor, guionista e formador em workshops de ficção.
Este seu último romance, Anatomia dos Mártires, é a história de uma obsessão do narrador-jornalista que se transforma em investigação sobre o «mito» de Catarina Eufémia, tentando destrinçar a verdade da lenda, o que se revela uma tarefa quase impossível, passados mais de 50 anos. 
É também uma reflexão sobre a existência dos «Mártires» ao longo da história da humanidade,  que tem como origem a dramática vida e morte de Francis Dumas.

Se existe uma evolução, então toda a evolução é uma catástrofe. Temos hoje menos recursos do que há mil anos; temos hoje menos humanidade do que há mil anos. O mundo é um lugar tão disperso, fragmentado e cruel que um homem como Francis teve de cair do espaço para se fazer ouvir. Em tempos imemoriais as pessoas punham-se em cima duma rocha e os outros escutavam-nas, tão atentamente, com tanta paixão e fé, que assim nasceram quase todas as religiões conhecidas. 
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Evoluímos? Para onde? Para o quê? O homem transformou-se nisto, numa criatura demasiado inteligente para se contentar com telefones ligados a satélites no espaço e demasiado estúpida para ouvir a pessoa que está ao seu lado.

                                   João Tordo, Anatomia dos Mártires
 
 Interrogações demasiado pertinentes, que nos põem a pensar!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

«Pedra Filosofal» de António Gedeão

Este é um dos mais belos poemas portugueses de sempre, para mim. E a canção de Manuel Freire uma das mais belas canções portuguesas. Nunca é de mais relembrá-las.

Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
em perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


In Movimento Perpétuo, 1956