sexta-feira, 9 de julho de 2021

«Para ti meu amor» de Jacques Prévert (tradução de Zé Lima)




Para ti meu amor


Fui ao mercado dos pássaros

e comprei pássaros

para ti

meu amor

Fui ao mercado das flores

e comprei flores

para ti

meu amor 

Fui à feira das ferragens

e comprei cadeias

pesadas cadeias

para ti

meu amor

E depois fui à feira dos escravos

e andei à tua procura

mas não te encontrei

meu amor

Jacques Prévert




sábado, 3 de julho de 2021

«Frutos» de Eugénio de Andrade

https://www.youtube.com/watch?v=xu-KeQROjEM 

  • Frutos

    Pêssegos, peras, laranjas,
    morangos, cerejas, figos,
    maçãs, melão, melancia,
    ó música de meus sentidos,
    pura delícia da língua;
    deixai-me agora falar
    do fruto que me fascina,
    pelo sabor, pela cor,  
    pelo aroma das sílabas:
    tangerina, tangerina.

     

  • Eugénio de Andrade




Estanos no Verão, época de todas as frutas, de as experimentar e de se deliciar com os seus delicados sabores.
Também eu gosto de tangerinas, que felizmente agora há o ano todo. Como-as principalmente ao pequeno-almoço, porque se deve comer um fruto nesta refeição, são fáceis de descascar e sumarentas.
Gosto também das outras todas enumeradas pelo poeta. Ele tem bom gosto.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

«Dança do Vento» de Afonso Lopes Vieira (Leiria, 26 de janeiro de 1878 — Lisboa, 25 de janeiro de 1946)

 

Dança do Vento

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!

Afonso Lopes Vieira, in 'Antologia Poética'



domingo, 14 de março de 2021

«Bucólica» de Miguel Torga




Neste domingo de Março, cheio de sol mas ainda frio, mais um poema de Miguel Torga, de grande beleza e inspiração na natureza.

Para nos animar e lembrar que a vida é o que temos de melhor, bem como a esperança.




 Bucólica


A vida é feita de nadas;
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.



TORGA, M., Diário, 1941.




sábado, 6 de março de 2021

«Visão cosmológica do tempo» de Isabel del Toro Gomes

 




Visão cosmológica do Universo


Como  tudo é  prodigioso

E mágico na natureza

Que renasce em cada madrugada




Como tudo me deslumbra

Do nascer ao pôr do sol

Que marca o tempo que passa

Sem darmos por ele passar

Como se fosse uma surpresa

A eternidade dum minuto

Que pode durar séculos, 

Milhões, bilhões de anos

Uma vida inteira que se traduz

Num pequeno nada que se renova

Um minuto de felicidade



Três ou quatro palavras por dizer

Como é tudo prodigioso

E trágico por natureza

No nosso imenso universo.




 

sábado, 27 de fevereiro de 2021

«O canto do Poeta» de Miguel Torga




Dia 27 de fevereiro é dia de Lua Cheia. 

Com ou sem confinamento, a Lua aí estará no céu mostrando-se completamente cheia.

Vamos ver se temos sorte de  a ver.

Nestes dias, é sempre bom lembrar o canto dum grande poeta, Miguel Torga, por exemplo.


O canto do Poeta


Tal como o camponês,

que canta a semear

A terra
Ou como tu, pastor, que cantas a bordar
A serra
de brancura,
Assim eu canto, sem me ouvir cantar,
Livre e à minha altura.

 

Miguel Torga

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Confinamento no Parque das Nações

 




Tivemos que ir ao Parque das Nações e encontrámos um fantasma do que foi a Expo de há 23 anos, quase.

Uma cidade deserta, o lince ibérico olhando triste o nada, o teleférico parado.




Apenas o Tejo azul e umas gaivotas andam na sua vida, se calhar contentes de tanto silêncio e da água toda para elas.




Esperemos o recomeço da vida.

Com sol e muito azul.



Entretanto, as grandes empresas estão fechadas, só com o porteiro ou seguranças à porta, capitalizando biliões de euros. Com os empregados em teletrabalho e o desenvolvimento do mundo digital, espera-nos um futuro de interrogações.