sábado, 6 de junho de 2020

Manuel Cintra (1955-2020)




O poeta, tradutor e ator Manuel Cintra, autor de livros como 'Do lado de dentro' e 'Alçapão', morreu em Lisboa, aos 64 anos.


Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra ( nosso professor de Línguística no primeiro ano do Curso de Filologia Românica, de quem nunca esqueci as aulas no Grande Anfiteatro da Faculdade de Letras, que foram  uma experiência inesquecível para mim e acho que para todos os jovens que chegavam dos liceus habituados a salas para uma turma só) e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra.
Manuel Cintra nasceu em Lisboa, em março de 1956.
Foi tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia “a sua incontornável e apaixonada estrada”, sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans.
Ressalta desta vida de poeta o modo triste e chocante como morreu sozinho em casa e aí permaneceu durante 2 dias, situação que vai ainda acontecendo nos nossos tempos.
No seu livro/folheto Tangerina, editado em 1990, fez a seguinte dedicatória para a minha filha, que o conheceu: Para a Suzane, com a ternura inevitável, do Manuel, Junho de 2009


Um dos seus poemas, em homenagem e para que não fique esquecido:

E dói-me esse rio de já me não amares

de já me não quereres assim como eu te quero

de não sobressaltares porque sou eu que te espero

em esquinas de lágrima ou sorriso

foi-se o amor chegou o siso

e eu

que não nasci para ter juízo



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas está, dê para o que der

e doa a quem doer



Passam sanguessugas pelos trilhos da memória

umas são mortas, outras são vivas,

outras são glória

de já não existir e teimar em persistir

e eu vou ao vento, sou palmeira seca,

sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim

sou uns dias teu, outros assim assim



E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas sente, e já pouco quer

para além de seres mulher



E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou

mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música

perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa

é coça umbigo, vai ter que parar



Mas dói-me o teu ventre que não afago

como quem não sabe nadar

e hoje é de festa, amanhã é de mar

é de mar



Manuel Cintra

in Não sei nunca por onde,

Quasi Edições

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Eritrina Crista-de-galo



Mais uma descoberta na floresta da Portela de Sacavém, que neste caso podia ser na amazónica, pois esta árvore exuberante é originária do sul do Brasil e da Argentina: a eritrina crista-de-galo, que está na época de floração dum vermelho muito vivo, cujas flores se assemelham à crista dum galo.


Quem lhe deu o nome acertou em cheio.
Tem um grande valor comercial (madeira) e paisagístico e não conheço mais lugar nenhum que as tenha plantado.



sábado, 9 de maio de 2020

«O Íbis» de Fernando Pessoa


A fazer planos para o futuro, como o Íbis, que sonha e esquece.

O Íbis
O íbis , ave do Egito,
Pausa sempre sobre um pé
(O que é esquisito).
É uma ave sossegada
Porque assim não anda nada.
Uma cegonha parece
Porque é uma cegonha.


Sonha Esquece-
Propriedade notável
De toda ave aviável.
Quando vejo esta Lisboa,
Digo sempre, Ah quem me dera
( E essa era boa)
Ser um íbis esquisito
Ou p'lo menos 'star no Egito. 

Fernando Pessoa





sexta-feira, 8 de maio de 2020

75 anos do fim da II Guerra Mundial


75 anos do fim da II Guerra Mundial


A 8 de maio de 1945, a Alemanha Nazi capitulou. Era o fim da II Guerra Mundial na Europa. Este conflito moldou a história alemã como nenhum outro acontecimento. Passados 75 anos, preservar a memória é fundamental.

E em 2020, a Guerra é contra um inimigo invisível, o Covid 19. Que está a moldar também a história do mundo.
É preciso dar-lhe luta, como em todas as outras guerras.

Hamburgo em agosto de 2019 (destruída em cerca de 50% durante a II Guerra Mundial)



domingo, 3 de maio de 2020

«Mãe Negra» de Aguinaldo Fonseca


Para todas as mães do mundo, um bom dia da Mãe.


Aguinaldo Fonseca (Mindelo, Cabo Verde, 1922Lisboa, 2014)

MÃE NEGRA
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade... 

Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)



sexta-feira, 1 de maio de 2020

Dia do trabalhador




Dia do Trabalhador, o 1º do mês de Maio.
Geralmente um dia com manifestações em todo o mundo, com passeios pelos jardins cheios de verdura e de flores, pelo campo ou à beira mar.
Este 1º de Maio de 2020 não é assim, é mais um mês de isolamento em casa, de desolação e tristeza pelas muitas vítimas provocadas por um novo e terrível vírus, e de medo e angústia.

Vamos, no entanto, mesmo em casa, simbolicamente, levantar a bandeira da luta contra a opressão e continuar a lutar pelos direitos de quem trabalha e constrói este mundo: os trabalhadores.



Alguém que luta nas ruas

E faz ouvir a sua voz

Contra aqueles que disseram

Nós somos os senhores do mundo.

I.G.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

«História de um caracol que descobriu a importância da lentidão» de Luis Sepúlveda




Luis Sepúlveda (Ovalle, 4 de outubro de 1949Oviedo, 16 de abril de 2020) foi um romancista, realizador roteirista, jornalista e activista político chileno
Residia ultimamente em Gijon, Espanha, após viver entre Hamburgo e Paris
Morreu em Abril deste ano de Covid 19, depois de muitos dias de luta contra este vírus que está a assolar o mundo e a causar milhares de mortos.
Depois de vencer tantas dificuldades e barreiras desde jovem, de combater contra o fascismo de Pinochet e de lutar pela liberdade do seu país, o Chile, foi este vírus desconhecido que o fez sucumbir.
Deixou-nos uma grande obra, entre a qual realço este livro «História de um caracol que descobriu a importância da lentidão», que resultou de uma pergunta feita por um dos seus netos e que é uma lição para todos nós, que vivemos num mundo cada vez mais rápido e indiferente aos outros.
E que nos revoltamos, por vezes, contra a lentidão e contratempos a que a passagem do tempo pelo nosso corpo nos constrange.

- Quero saber porque sou tão lento - segredou o caracol.
O mocho abriu então os seus olhos enormes e redondos e observou atentamente o caracol.. Depois fechou-os outra vez.
-És lento porque carregas um grande peso - revelou-lhe o mocho.
(…)
Tu és um jovem caracol e tudo o que viste, tudo o que provaste, as coisas amargas e doces, a chuva e o sol, o frio e a noite, tudo isso vai contigo, pesa, e, como és tão pequeno, esse peso torna-te lento.