sexta-feira, 1 de abril de 2016

António Aleixo, poeta popular



António Aleixo

António Aleixo nasceu a 18 de Fevereiro de 1899, em Vila Real de Santo António. Foi guardador de cabras, cantor popular, soldado, polícia, tecelão, servente de pedreiro em França, vendedor de lotaria, intitulando-se a si próprio como «poeta cauteleiro».
Percorria as feiras improvisando à guitarra ou vendendo folhas avulsas com as suas quadras e versos.
A sua enorme facilidade em exprimir-se poeticamente de forma concisa e simples, com humor, escolhendo a palavra exacta, a sua sensibilidade sobre as condições sociais da vida humana, fazem dele um dos grandes poetas populares portugueses.
Morreu vítima de tuberculose, em 1949, em Loulé, culminando desta trágica forma a sua vida cheia de dificuldades e acontecimentos infelizes, contras os quais lutou sempre, com a ajuda da sua poesia e de alguns amigos que lhe foram valendo nos infortúnios e doenças.
Aqui ficam algumas das suas quadras, para que a sua memória não se apague.

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardei gado,
Só me falta ser ladrão. 



Descreio dos que me apontem
Uma sociedade sã:
Isto é hoje o que foi ontem
E o que há-de ser amanhã.


Se fazes tudo às avessas,
Para que prometes tanto?
Não me faças mais promessas,
Bem sabes que não sou santo.


É um moço inteligente
O que passou há bocado;
Julga enganar toda a gente,
Mas ele é que é enganado.


Para não fazeres ofensas
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
Mas pensa tudo o que dizes.

António Aleixo, Este livro que vos deixo...


estátua de autoria de Lagoa Henriques

segunda-feira, 21 de março de 2016

«Ao longe»



Ao longe

Longe

Quero ficar bem longe daqui

Bem longe

Das cidades empoeiradas

Encaixadas noutras cidades

Onde os prédios são tórridas torres

Onde não se vêem pessoas

Apenas almas penadas, fantasmas

Apenas tijolos vidros paredes pardas


Quero ir para um lugar bem longe daqui

Onde não haja auto estradas, viadutos

Pontes guindastes em suspensão

Atravessando enormes rios poluídos

Tanto trânsito que nem já dá para respirar

Só para morrer e sufocar

Engarrafados em fumo e podridão


Quero ir para um lugar

Onde possa ter uma janela
Aberta de par em par

Com cortinas brancas a esvoaçar

Donde se possa ver à noite o céu escuro

Admirar as estrelas a piscar

Milhões de astros cavalgando pégasos

Que descem até ao meu jardim

De crisântemos, cravos, rosas e jasmim

Dando lugar a novas constelações

Duendes travessos fadas e anões

E o mundo finalmente seria melhor

Com todos esses seres e com todas as cores

                                                      21 de Março 2016


terça-feira, 8 de março de 2016

Maria Inês ou Conceição



No Dia da Mulher de 2016, dedico este poema à memória de todas as mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros, que foram vinte e sete no ano de 2015 e uma neste ano de 2016.
Estes crimes hediondos, cometidos muitas vezes «nas barbas das autoridades» e com a conivência por vezes de outros cúmplices gananciosos e sem escrúpulos, é uma terrível consequência (entre outras) do aumento da violência contra os mais frágeis e mais desprotegidos.
Se mais não posso fazer, é com muita mágoa e revolta que as recordo deste modo hoje, da forma que posso, para que esta realidade se vá superando dia a dia.


MULHER

Maria, Inês ou Conceição

Eram os seus nomes

Cuidadosamente escolhidos

Pela madrinha, senhora rica,

Naquele longínquo domingo

De baptismo e de infância feliz

Em que todos pensaram

Que aquelas crianças meninas

Iam ser um dia mulheres.



Mulheres a sério, bem casadas

Com muitos filhos netos e netas…

É isso que costuma acontecer, pois então!?

Manuela, Jessica ou Leonor

Belas, irrequietas ou muito tímidas

À espera do amanhã, porque não?



Tanto sonho perdido

Tanto sonho achado

Um belo príncipe

No seu cavalo branco

Que as ia arrancar de vez

À solidão, ao desespero

Do dia-a-dia duro na fábrica

No campo na seara no tanque

E as tornariam donas duma loja,

Duma casa

Duma mansão

Seriam como aquelas senhoras

Com vestidos e penteados finos

Pois então!?



E num dia, dolorosamente

Tudo desmorona se esfuma

Onde está a minha fada madrinha??

E no outro a seguir, dia tão triste

Tudo lhes foge como areia entre os dedos

Em lugar do belo príncipe encantado

O ciúme, a inveja e o ódio

O dia escuro, a solidão, a morte



Margarida, Andreia ou Joaquina

Tantas mulheres, tantos nomes comuns

Tanto sangue derramado

Tanto filho sem mãe

Tanto pai sem filha

Tanta vida perdida!!!


Tamanho amor, tamanha desilusão

Tamanho crime sem punição

Tudo não passou de falsidade,

De hipocrisia e de indiferença

De nomes e vidas já esquecidos

Maria, Inês, Isabel ou Conceição.             

8 de Março 2016


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A crise e a geringonça

A crise e a geringonça

Ler é mesmo muito importante, principalmente para perceber os políticos e a política do nosso tempo.
Já todos sabem que as crises económicas não são invenção recente, embora nunca se saiba se a última, a nossa, a que nós vivemos, que é o que importa (com as outras podemos nós bem), é mais destruidora do que as outras anteriores, a que os nossos pais e avós passaram e das quais nos contaram algumas peripécias e desgraças pessoais.
Quanto à linguagem das crises, ela parece ir dar toda ao mesmo, mais coisa menos coisa. E quando todos se riem muito com a descoberta da palavra geringonça, continuando todos a utilizá-la como arma de arremesso contra os políticos que lhe fazem oposição, constatamos que não passa de mais uma imitação macaqueada de algum escritor ou intelectual que a utilizou talvez originalmente.
Estava eu deliciada a ler O Milagre Segundo Salomé de José Rodrigues Miguéis (não o dos Santos, o maior, que esse não leio), quando me deparo com a dita geringonça ( a edição é de Estúdios Cor, 1974):
 (Mota-Santos):
          -Eu não perdi a fé na República, como ideia-força, mas se ela não se salva por si, alguém terá de a vir salvar. Quanto a mim, o problema é essencialmente económico, mas tudo depende da fórmula política. Se não for dentro da geringonça parlamentar, há que ir busca-la fora dela.

Eu não sei se ainda há fé na República, ou nalguma outra coisa, o que sei é que geringonças funcionam geralmente mal, é preciso oleá-las frequentemente e já era altura de as fazer desmontar, caso não tenham préstimo para a República.
E leiam este livro, são 2 volumes, mas deliciosos.





quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Agostinho da Silva - 110 anos do seu nasimento


Comemoração dos 110 anos do nascimento de Agostinho da Silva

George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906 e faleceu em Lisboa a 3 de Abril da 1994. Escreveu poesia e ensaios, mas foi como filósofo que se distinguiu em Portugal e no Brasil, onde viveu grande parte da vida, fugido do regime salazarista e da sua repressão.
O seu pensamento filosófico defende em primeiro lugar a Liberdade, como o valor mais importante para qualquer ser humano e para a sociedade, que ele tentou melhorar através do seu activismo prático.
Quando questionado sobre os seus graus académicos, Agostinho da Silva respondia invariavelmente ser licenciado em liberdade e doutorado em raiva.
Todos que tiveram possibilidade de ver e ouvir as suas «Conversas Vadias» na RTP, se lembrarão do que aprenderam com os seus dizeres simples e coloquiais, que nos davam a ideia de estarmos perante um sábio ancião.
Aqui ficam alguns dos seus pensamentos, sempre actuais e úteis:


Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder - isso sobretudo.

O importante é dar aos homens, na plenitude, a liberdade de serem aquilo que gostariam de ser.

O que ainda trava o nosso caminho é a convicção em que nos encontramos quase todos de que o homem é um animal egoísta.


Só a fé no homem, nas possibilidades divinas do homem, nos pode levar de novo à Idade de Ouro.


Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta.

 
Temos que viver para o universo ou seremos inúteis.


São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.


Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império.



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Como pensador completo e universal, Agostinho da Silva expressou-se também em linguagem poética. Escolhi, por isso, este poema que fala de sonho, do sonho perpétuo do homem que deseja um Mundo melhor e quer para ele participar activamente.

Sonho

Teria passado a vida
atormentado e sozinho
se os sonhos me não viessem
mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite
outras em pleno de sol
com relâmpagos saltados
ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu
se o nada que é tudo à vida
ou se eu os finjo a mim mesmo
para ser sem que decida.


Agostinho da Silva, in Poemas

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

«O grupo do Leão» de Columbano Bordalo Pinheiro


Grupo do Leão, 1885

Leão, no presente contexto, não se refere ao rei dos animais, nem a nenhum clube desportivo, que disso não entendo nada. Tem a ver com uma tertúlia de artistas portugueses que se reuniam na Cervejaria Leão de Ouro em Lisboa, entre 1881 e 1889.
A Cervejaria em causa situava-se na então Rua do Príncipe, actual Rua 1º de Dezembro, sendo o quadro pintado para a decoração da mesma.
Em 1885, este grupo foi pintado por Columbano, celebrizando-o e tornando-o assim conhecido para a posterioridade.
Nele se encontram Silva Porto, José Malhoa, os irmãos Rafael Bordalo Pinheiro e Columbano Bordalo Pinheiro, entre outros.

Pode ser admirado presentemente no Museu do Chiado, em Lisboa (entrada 4 euros, excepto no 1º domingo de cada mês).

Quero acrescentar que não só considero o bilhete muito caro para os portugueses em geral, em enorme crise económica, como também me deixa triste o facto de se ter  reduzido a entrada livre para apenas o 1º domingo de cada mês. Em tempos anteriores,  todos os domingos eram dias de arte.





segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Fonte Luminosa da Alameda

                             


A Fonte Luminosa

No verão passado, fui até à Alameda Dom Afonso Henriques (em Lisboa), de propósito para  (re)visitar a Fonte Luminosa.
A Monumental Fonte da Alameda.
Ela lá estava, vertendo enormes cataratas de água, mas agora, depois da requalificação, sem luzes.
Só água branca, pura e limpa.
Mesmo assim, maravilhosa e refrescante, só de olhar.



O ambiente por ali à volta, no relvado, na esplanada do quiosque ou no parque infantil, era de fraternidade entre raças e idades. Todos passeavam e brincavam animadamente, em alegre harmonia com a paisagem.
Até as pessoas de mais idade andavam na rua ao cair da tarde, não tendo medo de ser assaltados nem mostrando qualquer constrangimento.
Enfim, um bom retrato da nossa bela cidade, de fazer inveja a qualquer habitante doutro bairro lisboeta.

Esta era a Fonte Luminosa da minha infância, uma das 7 Maravilhas do meu pequeno mundo. À falta das belas fontes de Itália, por exemplo, inacessíveis, passava por aqui alguns tempos de lazer da minha juventude.
Agora já não é luminosa, mas continua a ser monumental e bela.
Que se oferece deslumbrante, a qualquer um que passe ou a procure, rico ou pobre, desde os finais dos anos 40.
Um verdadeiro refresco para o corpo e para a alma.
Agora já não é luminosa, mas continua a ser monumental e bela.



Alguns dados históricos:

A fonte foi construída para celebrar o abastecimento regular de água à zona oriental da cidade. Apesar de concebida originalmente em 1938, foi inaugurada apenas em 30 de Maio de 1948.
O projecto é dos irmãos Carlos Rebello de Andrade e Guilherme Rebello de Andrade e enquadra-se no estilo conservador, frequentemente apelidado Português Suave, dominante na década de 1940; as esculturas são da autoria de Maximiano Alves (Cariátides) e de Diogo de Macedo (Tejo e Tágides); os baixos-relevos (painéis laterais) de Jorge Barradas.