terça-feira, 20 de março de 2012

«Males de Anto» de António Nobre



Coimbra é certamente uma das cidades portuguesas por onde passaram e viveram mais escritores e homens de cultura. José Afonso, Miguel Torga, Artur Paredes, pai de Carlos Paredes, António Nobre, entre muitos muitos outros.
Nas minhas últimas e recentes deambulações pela cidade, deparei com a Torre de Anto, construção de origem medieval que fazia parte da antiga cerca de Coimbra, situada na Rua de Sobre-Ribas,que ficou famosa por aí ter residido, quando estudante, o poeta que lhe deu o nome e que a cantou nos seus versos.
António Nobre (1867/1900) aí terá vivido tempos de mocidade repletos de bons e maus momentos, embevecido certamente pela belíssima e vasta paisagem que daí se avista sobre a cidade e sobre o Mondego.
«Males de Anto» é um poema escrito no Seixo, para onde António Nobre se deslocou depois de abandonar o curso de Direito, em Coimbra, com a saúde muito abalada e cheio de desgostos.
Vergílio Ferreira diz no seu livro «Pensar» que António Nobre era um daqueles poetas que algumas pessoas liam e iam a correr para a casa de banho chorar. Era bom que isso continuasse a acontecer, ou que voltasse a acontecer. Sinal que o Homem ainda seria capaz de ler e de sentir alguma emoção com aquilo que lê, nos alvores deste terceiro e embrutecido milénio que nos calhou em sorte.

I
A ares numa aldeia

Quando cheguei aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o Ódio ao Tédio.
Moléstias d' Alma para as quais não há remédio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia acaso que perdera o meu talento:
No entanto, às vezes, os meus versos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relãmpagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cor e salteado as minhas aflições:
Quis partir , professar num convento de Itália, 
Ir pelo Mundo, com os pés numa sandália...
(...)

       
                                                                                      António Nobre, Só
Torre de Anto, Coimbra






terça-feira, 13 de março de 2012

«Balada do Outono» de José Afonso



Nesta casa morou José Afonso em Coimbra e nela poderá ter sido composta a Balada do Outono, quem sabe! Esta é a primeira composição verdadeiramente da autoria de José Afonso, nos seus tempos de Coimbra, que talvez se  devesse antes chamar Balada do Rio, pois fala-nos das águas do rio Mondego, a que a gíria estudantil coimbrã chama «Basófias», devido ao carácter caprichoso da subida e descida das suas águas.
José Afonso intitulou as suas primeiras canções de baladas, para as distinguir do chamado »Fado de Coimbra», que começara a cantar desde os tempos de estudante do liceu D. João III, nos anos 40.
José Afonso fez a composição, mas faltava-lhe o título. Parece que terá pensado em designá-la inicialmente por BALADA DO RIO (MONDEGO). Em troca de ideias com o Dr. António Menano, José Afonso seguiu a sugestão de Balada do Outono. A sua própria ideia teria sido melhor, a meu ver, já que o próprio poeta se apresenta como alguém que convoca a presença ou exige o silêncio das águas das fontes, das ribeiras e dos rios na sua eterna viagem para o mar. Foi gravada pela 1ª vez nos inícios dos anos 60.
Quanto à casa onde viveu José Afonso em Coimbra, que se encontra bem cuidada na parte da frente, é de estranhar que esteja a parede lateral em mau estado, precisamente onde está o painel comemorativo. Alguém deveria cuidar melhor das nossas memórias!


 

segunda-feira, 12 de março de 2012

«Canto Jovem» de José Afonso

Para todos os estudantes das escolas portuguesas que estão a passar por todo o tipo de dificuldades, aqui fica o Canto Jovem (ou Moço) de estudantes de outros tempos, que muito sofreram também.
Foi escrito por José Afonso para ser cantado pelos estudantes universitários que o autor conheceu numa digressão para que foi convidado. Destina-se a ser interpretado como música coral por duzentos figurantes de ambos os sexos e de todas as proveniências e condições.



Canto Jovem (Moço)
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegámos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira a proa da minha barca.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Castro Alves, «Poeta dos Escravos»

Descobrir a belíssima cidade de Salvador da Bahia é descobrir também os seus escritores, os seus poetas, a sua cultura. Jorge Amado é o mais conhecido escritor da Bahia, tendo a sua Casa-Fundação em pleno Pelourinho.


Quando me levaram até ao Teatro Castro Alves e à Praça Castro Alves, descobri que havia um poeta com este nome, de grande importância para a cidade de Salvador e para o estado da Bahia, que eu não tinha ideia de já ter ouvido falar dele em terras lusas.


António Frederico de Castro Alves nasceu em 1847 em Curralinho e morreu em Salvador em 1871, com apenas 24 anos. É conhecido pelo «Poeta dos Escravos», pois as suas poesias mais conhecidas são marcadas pelo combate à escravatura.
No mundo em que vivemos, em pleno séc. XXI, muitos outros poetas dos escravos deveriam surgir, já que li algures que existem cerca de 600 milhões de escravos, em todo o mundo. Vítimas de outras formas de escravidão, mas igualmente escravos.
Antevendo a necessidade do incentivo à leitura no Brasil, o poeta traz uma bênção a todos que se dedicam a este labor.
O LIVRO E A AMÉRICA, é o primeiro poema, de seu primeiro livro:

Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.
(…)
Bravo! a quem salva o futuro!
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.

Incentivo à leitura para salvar o Futuro! Castro Alves foi sem dúvida um homem avançado no seu tempo, de grande inspiração e sentido da responsabilidade que a cultura deve ter no progresso da Humanidade. Daí o justo tributo que a cidade de Salvador lhe dedica.

Jorge Amado,  escritor baiano de renome internacional empenhado na luta pela liberdade e pela construção de uma sociedade mais justa, escreveu uma peça sobre Castro Alves, O Amor do Soldado, dando a conhecer assim ao mundo o grande poeta do povo e dos escravos, o grande defensor da abolição da escravatura e da implantação da República. 
É fácil de encontrar esta obra, já que faz parte da coleção Livros de bolso Europa América.
 


sexta-feira, 2 de março de 2012

COM'È PROFONDO IL MARE, di Lucio Dalla (1977)



Lucio Dalla (4/3/1943 - 1/3/2012) morreu ontem, 1 de março, a 3 dias de fazer 69 anos, em Montreux, Suíça . Grande compositor e grande voz da música italiana, ficou célebre pela cançaõ «Caruso», dedicada ao tenor italiano Enrico Caruso e à sua história de amor. Fez sucesso desde os anos 60 com as canções «Era um Garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones» e «Minha História» (Gesu Bambino - Menino Jesus), que foi gravada no Brasil por Chico Buarque. Esta última foi alvo de censura na Itália, pois conta a história de uma mãe solteira, tendo Dalla mudado o seu título para «4 de Março 1943».
Como é profundo o mar, diz no seu poema Lucio Dalla. Profunda terá sido a sua vida também, interrompida abruptamente pelo coração que não aguentou mais.


                                                             Com' è profondo il mare

Ci nascondiamo di notte
Per paura degli automobilisti
Degli inotipisti
Siamo i gatti neri
Siamo i pessimisti
Siamo i cattivi pensieri
E non abbiamo da mangiare
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

Babbo, che eri un gran cacciatore
Di quaglie e di faggiani
Caccia via queste mosche
Che non mi fanno dormire
Che mi fanno arrabbiare
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

E’ inutile
Non c’è più lavoro
Non c’è più decoro
Dio o chi per lui
Sta cercando di dividerci
Di farci del male
Di farci annegare
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

Con la forza di un ricatto
L’uomo diventò qualcuno
Resuscitò anche i morti
Spalancò prigioni
Bloccò sei treni
Con relativi vagoni
Innalzò per un attimo il povero
Ad un ruolo difficile da mantenere
Poi lo lasciò cadere
A piangere e a urlare
Solo in mezzo al mare
Com’è profondo il mare

Poi da solo l’urlo
Diventò un tamburo
E il povero come un lampo
Nel cielo sicuro
Cominciò una guerra
Per conquistare
Quello scherzo di terra
Che il suo grande cuore
Doveva coltivare
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

Ma la terra
Gli fu portata via
Compresa quella rimasta addosso
Fu scaraventato
In un palazzo,in un fosso
Non ricordo bene
Poi una storia di catene
Bastonate
E chirurgia sperimentale
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

Intanto un mistico
Forse un’aviatore
Inventò la commozione
E rimise d’accordo tutti
I belli con i brutti
Con qualche danno per i brutti
Che si videro consegnare
Un pezzo di specchio
Così da potersi guardare
Com’è profondo il mare
Com’è profondo il mare

Frattanto i pesci
Dai quali discendiamo tutti
Assistettero curiosi
Al dramma collettivo
Di questo mondo
Che a loro indubbiamente
Doveva sembrar cattivo
E cominciarono a pensare
Nel loro grande mare
Com’è profondo il mare
Nel loro grande mare
Com’è profondo il mare

http://nardelladellova.blogspot.com/2011/01/come-profondo-il-mare-di-lucio-dalla.html

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

«Quando o diabo reza» de Mário de Carvalho



Mais uma vez Mário de Carvalho (escritor, advogado e jornalista nascido em Lisboa em 1944) escreve um livro genial, uma ficção que nos fala de uma realidade tão verídica e pertinente que nos deixa completamente envolvidos, usando uma linguagem apropriada e satírica, construindo personagens e revelando-os a pouco e pouco, como poucos conseguem. 
Neste livro, a história vai-se desenrolando a partir de três finórios candidatos a mais um golpe sujo num velho viúvo, que vai viver com uma das filhas, o que causa grande preocupação na outra. O velhote vai vegetando por entre  os restos de um passado de trabalho e de luta, aforreando bem os lucros duma vida inteira
Muitas peripécias trágico-cómicas se vão desenrolando até se atingir o climax, com o destino a tramar as «boas» intenções dos burlões.
Um livro a não perder, ou seja, a ler.

Mais tarde, iam de regresso ao bairro e Abreu não se calava:
-O gajo morava na Alameda, num primeiro andar. o prédio só luxos, dourados e vidros, com o segurança de farda, boné e tudo, mas a casa dele era um arraial de veludos podres, trastes velhos e mesas mancas.
-Como é que sabes?
-Sei - garantiu Abreu, muito pintão e misterioso. O telemóvel dele tocou, fazia um grunhido de porco entremeado a compassos «techno». Conversação secreta, gestos encolhidos, ar encordoado, a girar em volta, nos calcanhares. Mas duas passadas mais tarde, aprochegando a testa, arrecadou o apetrecho e aclarou:
-A minha irmã ia lá fazer limpezas quando o meu cunhado marrou c' a mota contra o muro.O gajo é podre de rico................................
Pá. Milhões. Tás a ouvir? Milhões.
 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

«Além Do Amor» de Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes (Rio de janeiro, 1913-Rio de janeiro 1980), mais conhecido pelas suas canções e pela sua voz sensual, foi muito mais do que um cantor. Foi diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro. Poeta do amor, ficou conhecido como «poetinha», nome que lhe terá sido atribuído por Tom Jobim, com quem cantou e colaborou em muitas composições. Boémio inveterado, grande conquistador, casou nove vezes, sendo uma das suas esposas da Bahia. Por essa razão, viveu cerca de oito anos em Itabuã, mesmo em frente a esta bela praia. Daí ter cantado este local em «Viver em Itabuã», canção bem conhecida. A sua casa ainda lá permanece, sendo alvo de visitas de muitos turistas que aí se deslocam para verem o «paraíso» do poeta. Ao lado da casa, uma estátua de Vinicius sentado a uma mesa. O curioso é que, entretanto, os óculos de Vinicius desapareceram de cima da mesa.

 http://www.youtube.com/watch?v=jkll9eRXhfk

 

Além Do Amor

Vinicius de Moraes

Se tu queres que eu não chore mais
Diga ao tempo que não passe mais
Chora o tempo o mesmo pranto meu
Ele e eu, tanto
Que só para não te entristecer
Que fazer, canto
Canto para que te lembres
Quando eu me for
Deixa-me chorar assim
Porque eu te amo
Dói a vida
Tanto em mim
Porque eu te amo
Beija até o fim
As minhas lágrimas de dor
Porque eu te amo, além do amor!