segunda-feira, 7 de novembro de 2011

«Toda a Terra...»


João José Cochofel nasceu em Coimbra em 1919 e morreu em 1982, na mesma cidade.
Licenciou-se em Coimbra em Ciências Histórico-Filosóficas, foi um dos membros mais representativos do movimento neorrealista coimbrão, concretizado no Novo Cancioneiro, foi crítico literário e também musical, mais tarde, em Lisboa.
O seu lirismo é intimista e delicado, de expressão simples e segura, com um estilo muito pessoal e de refinada sofisticação, pouco habitual nos neorrealistas.
Escolhi este poema, entre muitos que me agradavam:


Toda a Terra...
Toda a terra é
boa para viver
um outono doce
cor de liberdade,

do sol e do vento,
dos lumes da noite,
de tudo que é bom
ter por companhia,

tudo que afugente
este pesadelo
de envelhecer

com as mãos vazias
do peso secreto
de outras mãos nas minhas.


                                          João José Cochofel, in Quatro Andamentos(1966)



domingo, 6 de novembro de 2011

«Poesia» de Isabel del Toro Gomes




Poesia

Como pode alguém pensar

Ou sequer suspeitar

Que a poesia

Não tem futuro?

o futuro é a poesia ela própria.



Quando escrevo um poema

Estou só no mundo a pairar

as palavras e eu

Que dizem tudo por mim

Nada mais conta.



Quando leio um poema

É como se lesse assim

Milhões de livros

Árvores que meditam e se desfolham

Que Me oferecem o fruto maduro

Nada mais interessa.



A poesia somos todos nós

Quando olhamos os outros

E mesmo sem os amar

Os amamos com dor ou pena

E nada mais conta.

É claro que a poesia tem futuro

A poesia é o futuro.


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade e sua filha, Maria Julieta.

Carlos Drummond de Andrade foi um grande escritor brasileiro, que escreveu poesia, contos, crónicas e livros para crianças.
Nasceu em Itabira em 31 de Outubro de 1902, e faleceu em 1987.
Comemora-se hoje o 99º aniversário do seu nascimento, tendo a Casa Fernando Pessoa um programa de homenagem a este escritor, hoje, durante todo o dia.
Pena eu estar com gripe, gostava de ir até lá.
Em compensação, faço aqui a minha pequena homenagem a este poeta, que muito admiro:


A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? O amor?
Não digo nada.

Solidão, não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te embora o preço,
calco teu ouro no chão.

                                                    Carlos Drummond de Andrade

«Uma Viagem à Índia» de Gonçalo M. Tavares



Gonçalo M. Tavares é um dos mais importantes escritores da sua geração. Nasceu em 1970, em Luanda, e em 2001 publicou a sua primeira obra.
Autor já de muitos livros, destacam-se Jerusalém, O Senhor Valéry, Água,Cão, Cavalo, Cabeça e, mais recentemente, o premiado, Viagem à Índia.
Acabei de ler esta obra há pouco tempo, que me pareceu muito curiosa e de leitura cativante. Mais do que um livro de ficção, considero-o um «Manual de Metafísica», em que os leitores se podem identificar com a personagem de Bloom, que procura a sabedoria e a Índia.
Sobre ela, diz Eduardo Lourenço:

Uma Viagem à Índia, com consciência aguda da sua ficcionalidade, navega e vive entre os ecos de mil textos-objetos do nosso imaginário de leitores. Como todos os grandes livros, e este é um deles.

Eis alguns excertos, escolhidos por mim:
                                                                                     

Bloom disse que de Lisboa partira
e em viagem estava para a Índia. No outro lado do mundo
procurava uma alegria nova
ou, se possível, várias.
                                         (Canto I)


O futuro vem aí como o pastor que guarda o
seu rebanho lento, isto é: não vem,
atrasa-se, gera impaciência nas coisas que existem.
Certos acontecimentos, é certo, podem aumentar
dois ou três andares à vida. Mas nada de mais.
Toda a matéria tem futuro,
e mesmo a memória particular é, neste particular-particular,
matéria a ter em conta. a memória tem futuro,
eis uma ideia nada pessimista.

                                              (Canto II)

Procurou o Espírito na viagem à Índia
encontrou a matéria que já conhecia.

                                             (Canto X)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

«Fim do dia» de Isabel del Toro Gomes


Fim do dia

O dia termina e despede-se

Esvaindo-se em sangue

E a noite nasce lentamente

Do fogo ateado pelo sol

No horizonte

nos corpos dos homens

e dos bichos exangues.

domingo, 23 de outubro de 2011

«Trovas do vento que passa» de Manuel Alegre

Este é, para mim, um dos mais belos poemas de Manuel Alegre, cantado e imortalizado pelo cantor de intervenção Adriano Correia de Oliveira.
Escrito num contexto bem diferente do atual, contra o fascismo e salazarismo, relembro-o aqui como forma de protesto contra os desmandos e prepotências dos homens que nos têm governado que, embora vivendo em democracia, não souberam fazer dela uma rampa de progresso para o nosso país, antes o levaram à ruína e ao empobrecimento da população.
Temos todos o dever de perguntar ao vento  e também aos governantes e políticos que passaram e continuam a passar, o que fizeram do nosso país. E exigir a sua responsabilização.


Trovas do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.



Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre

terça-feira, 18 de outubro de 2011

«Barranco de Cegos» de Alves Redol



Barranco de Cegos de Alves Redol



Para mim, esta obra de Redol é mais do que um retrato magistral de uma personagem. É um dos maiores romances sobre Portugal, que nos dá a conhecer o Ribatejo profundo, nas suas grandezas e misérias, nas suas brutalidades por vezes chocantes, mas também nas suas coisas belas, como o Tejo, o fandango, os cavalos e os toiros.  O Ribatejo que o lavrador de Aldebarã descreve ao rei D.Carlos como a pátria  do homem criador da própria terra, onde semeava e colhia, como o holandês...

É ainda um precioso documento de como os portugueses viveram outros momentos de crise, de revoltas e convulsões sociais que levaram à morte do rei D. Carlos I e do príncipe real.
Um livro que devia ser lido por todos e pelos nossos políticos e governantes. A ver se aprendiam alguma coisa com a história!


Diz Diogo Relvas sobre os inimigos da Lavoura e da Pátria:

Façam todas as loucuras já que estão loucos. Caminhem para o abismo já que estão cegos. Mas não nos arrastem para o barranco dos cegos e dos loucos...

                                         Barranco de Cegos, de Alves Redol


Barranco de Cegos acaba por ser a biografia de uma personagem real, mas fundamentalmente simbólica de um potentado ribatejano, cuja história Redol nos relata a partir de 1891, ano da revolta republicana no Porto.
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Aquilo que Redol nos mostra é, fundamentalmente, a luta interior e exterior de Diogo Relvas - que simboliza tanto a ideologia conservadora de uma classe dominante como a ideologia reacionária de uma classe decadente - contra a ideologia revolucionária das classes ascendentes.
Redol dá-nos, dentro do romance português, o primeiro retrato magistral de um tal tipo de personagem.

Alexandre Pinheiro Torres