sábado, 20 de agosto de 2011

«Os pastores da noite» de Jorge Amado



Jorge Amado é um dos maiores escritores brasileiros, o escritor das gentes da Bahia, dos miúdos da rua (os «capitães da areia»), das pobres gentes das favelas ou sem abrigo, dos bebedores de cachaça, das prostitutas, de toda a espécie de gente que vive e morre na região onde nasceu e que ele conhece como ninguém. É um escritor que dá um enorme prazer de ler ( falo por mim claro, mas muitos concordarão comigo),  que se lê sem parar, sôfregamente, que usa a linguagem simples do povo, que nos faz rir mesmo com a miséria.
Com uma vida cheia de aventuras e peripécias, de viagens, de comprometimento político, de experiências e de vivências, a sua obra literária é imensa, está traduzida em quarenta e duas línguas e calcula-se que os seus livros venderam entre vintre e trinta milhões de exemplares.
É um escritor «Amado», sem dúvida e lê-lo constitui uma experiência inolvidável.
Li «Os pastores da noite» em férias, é uma ótima sugestão de leitura para passarem momentos divertidos e de lazer.
Saliento estas linhas de descrição do ambiente da Bahia:

Era o começo da noite, o misterioso começo da noite da cidade da Bahia, quando tudo pode suceder sem causar espanto. A primeira hora de Exu, a hora das sombras do crepúsculo quando Exu sai pelos caminhos. Teriam feito naquele dia o seu despacho em todas as casa-de-santo, seu indispensável padê, ou por acaso alguém esquecera a obrigação? Quem, senão Exu, podia encher de mulatas formosas e devassas a Ladeira do Pelourinho e os olhos azuis de Pé-de-Vento?
No mar, lá em baixo, as velas dos saveiros numa urgência de chegar antes da chuva.

                                    «Os pastores da noite» de Jorge Amado

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

«Se num dia de sol...» de Isabel del Toro Gomes




Se num dia de sol…

Se num dia de sol

Me perguntassem

O que queria ser

Se pudesse escolher

Diria que apenas queria

Ser uma simples lagarta

Para me poder transformar

Numa bela borboleta amarela

Para do chão me libertar

E pelos ares esvoaçar…



Se num dia de sol

Me perguntassem

Porque gosto tanto dos rios e do mar

Diria que é porque a água

Jamais se cansa de correr e saltitar

De pedra em pedra

Repousando um pouco ali

Na translúcida e doce lagoa

Logo se precipitando de novo acolá

De rocha em rocha

Para as ondas do imenso mar…


 
Se num dia de sol

Me perguntassem

Como gostaria de morrer

Diria que como uma folha

Que de verde e luzidia

Lá nas alturas

Aos poucos se transforma

Castanha amarela vermelha

E um dia voa

Como um pássaro louco

Rodopiando subindo descendo

E logo ali fica repousando

No útero da terra mansa

Que há de renascer…

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

E a vida...o que é que me deu? de Isabel del Toro Gomes

Esta é a centésima mensagem deste blogue!
Para mim é dia de festa, as palavras são enganadoras, por vezes, mas deram-me muito! A vida deu-me muito, de bom e de mau!
Hoje estou quase feliz!


E a vida…o que é que me deu?

Costuma dizer-se dos homens

Que nada sabem aos vinte anos…

E que os quarenta  são

A idade de ouro da sabedoria…



Grande mentira! Balelas!

Com vinte anos de vida

Um homem sabe tudo

É o rei do universo

Nada lhe falta

Nada lhe mete medo

Tudo é aventura tudo é glória!



A realidade é que quando se dá por ela

Já se tem os dentes furados

O cabelo a cair

Óculos encavalitados no nariz

E ainda só se tem quarenta e cinco…



O mundo já não nos pertence

Pelos caminhos andam já os filhos

À solta à descoberta

São jovens bonitos felizes

Comandam os nossos destinos

E puxam os fios das marionetas

Em que nos tornámos!



Por fim os homens pensam

Como foi que isto aconteceu?

Já estou tão velho apático

Sem memória desinfeliz

E a vida…o que é que me deu?


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«Rosa» de Mário Cláudio



«Rosa» (1988) é o título do terceiro volume de uma trilogia de romances inspirados em personagens reais. Sobre ele, disse Mário Cláudio:

Eu procurei fazer dela uma figura pluridimensional. No fundo, a Rosa Ramalho é a figura do norte português, é a fêmea do Norte de Portugal que vem desde a Idade Média, que se prolonga pelos nossos  dias, e que naquela mulher específica de S. Martinho de Galegos, de certa forma, encarnou com uma violência tal que permitiu que se erigisse como uma figura tutelar na nossa neutralidade.»

De facto, o autor consegue transmitir o retrato duma figura não só pluridimensional, mas única no nosso meio cultural. Figura franzina, pequena e de olhos ladinos, de resposta trocista na ponta da língua afiada, como é próprio de quem vive num meio natural inóspito, é uma personagem verdadeiramente telúrica, uma força da natureza que fazia o milagre dos bonecos de barro, que lhe saíam das mãos prodigiosas e da mente ensimesmada.
Rosa fazia bonecos desde muito nova, quando a mãe a chamava guardava-os no seio, como tesouro. Quando se casou com um moleiro aos 16 anos, dedicou-se aos 7 filhos que teve e à vida dos moinhos, nunca mais fazendo bonecos. Só aos 68 anos, depois de enviuvar, se dedicou novamente aos seus bonecos fantasiosos e dramáticos. Mulher inteligente, ensinou tudo que sabia à sua neta Júlia Ramalho, filha de um filho que lhe morreu, para que a sua arte não acabasse.

Abria a porta do forno, retirava as telhas e a lama com que a barrara, esperava que se dissipasse aquela névoa. ali estava, pois, diante da assadura, breve magote de fantoches calcinados, como se fora recolhê-los aos depósitos eternos. Lambiam-lhe as farripas do cabelo algumas chamas, que retomavam o ar livre, enfim, uma vez concluída sua função torturadora e aglutinante. Formava-se o Universo dos gestos que executava, conferia o resultado que deles obtinha, com as rugas todas numa crispação. e a paz a tomava, porque não conhecia o parto dos artistas em pecado que, na proximidade de tudo, não sabem adestrar a natureza que têm.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Agosto de 2011

1º de Agosto 1º de Inverno - provérbio popular

E assim se cumpre mais uma vez a tradição, neste maléfico e estranho ano de 2011.

domingo, 31 de julho de 2011

«O tempo os lugares» de José Coutinho e Castro



Gostei da simplicidade das suas palavras ( é sempre o mais difícil).
Gostei da cumplicidade entre o poeta e a escrita (é dificílimo).
Gostei.

A cozinha do gian

é preciso cortar o basilico
tão miudinho quanto possível
com o cutelo afiado
o perfume verde espalha-se pelo pão
os copos de chianti tomam a cor do sangue
e a pasta asciutta espera o tempero pressuroso
de amizade com alegria


a marta faz desenhos pelo chão
com tinta preta e água de sabão

os varais da janela
aberta para os telhados
deixam passar as vespas
da madona delle grazie
trindades nos sinos

a manuela
chama para a mesa
ri

do lado de salò
pelas encostas do lago
surgem núvens
carregadas de vento
portadas batem

a marta levanta os olhos de coral verde - luz
interroga surpresa

sentamo-nos em volta
uma vela acesa
tremula na penumbra
resiste

comemos
bebemos
sorrimos

                                      brescia, setembro de 1985



sábado, 30 de julho de 2011

«Setembro» de Silva Carvalho




Silva Carvalho nasceu a 8 de Fevereiro de 1948 em Vila do Conde.

Frequentou dois anos de Medicina na Universidade de Coimbra, antes de se exilar em Paris, França, em 1969.

Regressa a Portugal em 1975, onde se licencia em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1980.

Professor do ensino secundário, Leitor na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, E.U.A. (1985-89), na Universidade de Goa, Índia (1990-91) e na Universidade de Massachusetts, Dartmouth, E.U.A. (1997-2001).
Leccionou na Escola Secundária de Santa Maria em Sintra até 2008.

Conheci este poeta quando morava nos arrabaldes, à sombra da bela serra de Sintra e passávamos por ele fazendo compras, ele e nós. 
Tem fama de hermético, mas não me pareceu tanto assim. É um poeta diferente, um homem com uma sensibilidade e um dom da palavra fora do comum. Podia ser um grande poeta, se vivêssemos num país com oportunidades para quem tem realmente valor. Talvez no futuro venha a ser considerado um dos grandes poetas portugueses, leve prémios póstumos, etc.
Por enquanto é apenas um «poreta», como ele diz.
Gostei do seu modo de escrita em Setembro, meu mês de eleição.

Agora que agosto estrebucha na agonia, o verão
aparece. Não há estação que se cumpra idealmente.
Até no clima as variações, os percalços surgem.
Só que este verão é diferente. Setembro, mês
da despedida, será sempre setembro. O calor
extemporâneo nunca o fará agosto. Sabê-lo, assim,
é como ter meditado na essência do mundo, é
ter vivido no suspiro da reflexão quanto ser
arvora, pisa as margens da loucura.

Nunca dominei as palavras. Agora abandono-me.
Digam o que disserem, serei responsável. Mesmo
quando não concordo.


                                       Silva Carvalho in Setembro