terça-feira, 15 de março de 2011

«Japão, Março 2011» de Isabel del Toro Gomes


Japão, Março 2011

 
Cá vamos fazendo


O nosso caminho


Por este atribulado mundo


Que estremece arde e se revolve


Simples mortais outrora ufanos


Orgulhosos e julgando-se deuses


Cá vamos fundindo os dias e as horas


Mitigando as noites e os minutos


Esperando o milagre


Enfrentando a catástrofe


E os segundos que faltam


Será o fim ?


Será o começo?


Nada sabemos


Apenas sentimos o frio a fome e a sede


A ansiedade e a esperança


E continuamos fazendo


O nosso caminho


Conforme podemos.





domingo, 13 de março de 2011

«Mãe Ilha» de Natália Correia


Natália Correia nasceu na ilha de São Miguel, Açores, em 13 de Setembro de 1923 e morreu em Lisboa, em 1993. Destacada figura da cultura e da intervenção política portuguesas, é um dos grandes nomes da poesia portuguesa.
Em tempos tão conturbados de guerras, sismos e outros abalos, um pouco de poesia.


Mãe Ilha
Foi isto outrora na ilha das fadas
Embrumada em hortênsias. Não sonhei.
Sobre as lagoas de águas encantadas
Dormiam os fetos e não havia lei.

As vacas, nas colinas esfumadas
Ruminavam o eterno. Ali folguei
Na festa das crianças coroadas.
Reinava o Amor e não havia Rei.

Dentro da música a casa repousava.
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.

Rumores longínquos da infância oclusa,
Que num desvão da alma ainda debruça
Uma varanda sobre um mar de auréolas.

                                                     in «Poesia - Sonetos Românticos»

quarta-feira, 9 de março de 2011

«Cartas de Lisboa» de Carlos Malheiro Dias



Em 1904, Carlos Malheiro Dias, «o nosso maior romancista  depois de Eça de Queirós» segundo João Gaspar Simões, escrevia assim sobre Lisboa e as lisboetas (elas e não eles), em tempos de Quaresma:
A Lisboa, que mais pareceu divertir-se durante o Carnaval, é a que mais simula rezar na Quaresma.
Não é conveniente pôr em dúvida a devoção da lisboeta. Mas a Quaresma oferece-lhe ainda um óptimo pretexto para sair de casa. E a lisboeta não tem por costume desperdiçá-los. Dobrado o dominó, com que intrigou em S.Carlos, a mulher de Lisboa examina escrupulosamente os seus vestidos pretos.
A moda, tanto como a liturgia, acrescentou às quatro estações do ano ainda mais esta. Enquanto dura a Quaresma, a lisboeta, que é terrivelmente preconceituosa, leva para a rua, dentro do regalo ou do indispensável, o seu livro de missa. E leva-o para a modista, para as lojas, para casa das amigas, para a Avenida ou para o Campo Grande. É duvidoso que se sirva dele. mas não o abandona. E, se não tem um carretel de linha ou um papel de agulhas para comprar - e isto basta para a ocupar durante uma tarde inteira - então a lisboeta, ao passar pelos Mártires ou pelo Loreto, sobe as escadas, despe a sua luva de suécia, vai rezar uma devoção em frente à capela do Santíssimo.
Mas hoje as igrejas não são, como há cem anos, verdadeiras escolas de socialibilidade, autênticos salões mundanos...Por isso também as igrejas apenas fazem, durante a Quaresma, um simulacro de concorrência às confeitarias. Raro é que a devota, para se restabelecer da comoção religiosa, não vá comer um bolo ao Ferrari, ao Marques ou ao Rendez-vous des gourmets.
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As actrizes adquirem com a prática a ciência de pisar o palco. A lisboeta possui a ciência nativa e subtil de pisar a rua.
Não há carruagens que a assustem, ajuntamentos que a embaracem. Alegre, com a cabecita no ar, os olhos vigilantes, ela vê tudo, cumprimenta todos os conhecidos, examina todas as vitrinas, lê todos os anúncios.
A rua de Lisboa, ninguém a conhece melhor do que ela. Sabe do conteúdo de todas as lojas como das gavetas da sua cómoda. Discute os preços, compara-os...
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Toda a empresa que desdenhe captar o seu interesse, arrisca-se a um desastre. Qualquer director de teatro, antes de aceitar um original, procura saber se agradará à mulher. O editor nunca esquece de perguntar ao homem de letras se o seu livro pode ser lido pela mulher.
                                in «Ciclorama Crítico de um Tempo»

Opiniões à parte, tanto sobre o mérito de Carlos Malheiro Dias, que me parece na realidade ser um grande escritor, como sobre o mérito das lisboetas dos inícios do século XX, este texto é um importante estudo sociológico dos usos e costumes dos tempos em que certas senhoras tinham todo o tempo do mundo para passear pela cidade, ir às compras, passar pelas igrejas, sem olhar o relógio e sem correr dum lado para o outro (agora só muito poucas se poderão dar a este luxo). E, pelo que parece, a importância da mulher nesses gloriosos tempos dos nossos avós, era bem maior do que nos tempos actuais, em certpos aspectos. Muito curioso! 

terça-feira, 8 de março de 2011

«Mataram a Tuna» de Manuel da Fonseca


Manuel da Fonseca, um dos principais escritores neo-realistas, nasceu em Santiago do Cacém em 1911 e morreu em Lisboa em 1993. A sua faceta de poeta é a menos conhecida, pelo que escolhi este poema dele, em que retrata admiravelmente a atmosfera de festa duma qualquer vila (possivelmente do seu Alentejo natal), onde as classes populares se divertem de forma simples e espontânea, sem pompas nem circunstâncias, mas com alma e muita garra, o que desagrada aos «senhores e senhoras» importantes.
Mais um exemplo em como a palavra e a poesia podem servir uma causa, neste caso a do neo-realismo. 
E porque não seguir o conselho do autor, neste frio e chuvoso dia de Entrudo: façamos qualquer coisa de louco e de heróico! Nem que seja umas panquecas ou uns crepes...para alegrar as almas e o dia!



Mataram a Tuna
Nos domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.

Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.
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Entanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
-que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.
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Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
-onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!
                                                      Planície

quinta-feira, 3 de março de 2011

«Da minha janela» de Isabel d.T. Gomes


Da minha janela


Sonho que vejo o mar

É um mar sempre azul

Um mar sempre a brilhar

Não é um mar sombrio

Não é um mar amargo

É a imagem da vida

A espuma branca a pairar

Nos meus olhos e no ar.

Não é um mar esquecido

Que mata a nossa memória

É o mar infindo de amor

é o espanto de tanta beleza

Que brilha nos olhos e na alma.

Da minha janela

Sonho que vejo o mar.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

«Uma Árvore na Minha Vida» de Ruy Belo



Ruy Belo, mais um grande poeta que morreu precocemente aos 45 anos (parece que os tiranos têm vidas mais longas!), nasceu em   São João da Ribeira, Rio Maior, em 1933, e morreu em Queluz, em 1978. 
A sua obra foi organizada em três volumes, sob o título Obra Poética de Ruy Belo, em 1981, tendo sido considerada uma das obras cimeiras da poesia do século XX, apesar da brevidade da vida deste poeta e ensaísta.
Diz-se que todos os homens devem plantar uma árvore durante o seu tempo de vida, por isso escolhi este poema:


UMA ÁRVORE NA MINHA VIDA


Não sei um dia mas alguma coisa me doía
ou talvez não doesse mas havia fosse o que fosse
Era isso sentia a grande falta de uma árvore
e pensei plantar em seguida uma árvore na minha vida
uma árvore ouvida sempre que me sentisse só
e mostrasse ela só na face a compreensão que mais ninguém mostrasse
mesmo que não me queixasse fosse por pudor ou fosse pelo que fosse
Era mesmo uma árvore que me faltava
precisava de sombra mais do que vivia eu envelhecia
não dispunha da companhia de ninguém
e far-me-ia decerto bem conhecer gente nova
gente que se renova no alto de um tronco forte
que não sabe da morte que floresce ou sorri
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Tudo mas tudo me sobressalta cansaço ou mentira
a palavra demora há falta de gente
um ramo inocente que me dê a mão
que aparado aproveite para o caixão quando um dia morrer
que eu possa queimar e que me dê lume
Que a sombra serena de uma árvore mesmo sem nome
facilmente se afaça a submeter-se a face
A árvore é vária e resume compaixão ternura
é humana e dura não há nada melhor
Tragam-me a árvore seja ela qual for

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

«O sonho»



O Sonho

De tanto sonhar
O espírito levantou-se da terra
E tornou-se
Na mais bela ave do paraíso


Isabel d.T.Gomes