quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Um Ano Melhor de 2021




Depois de tudo o que se passou em 2020, depois de tantas mortes e de tanto sofrimento, não podemos iludirmo-nos com pensamentos irrealistas e demasiado sonhadores.

A única coisa que desejamos é que 2021 seja um ano melhor, com mais saúde e mais paz.





E o ano 2021 lá vai entrando

Sem som de foguetes

Nem panelas a bater

Mas com muita esperança

De que a vida se renove

E as marés continuem a subir e a descer

Até ao amanhecer.



Um Ano Melhor de 2021, sem pandemia



sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

«Ver com outros olhos» de Isabel del Toro Gomes





No dia em que soube que a operação que tinha feito à catarata do olho direito tinha sido bem sucedida, não obstante os riscos que corria, fomos rever o Jardim da Estrela, ainda a despertar.



Tudo me pareceu realmente novo, visto com outros olhos, sob um sol ainda morno.

Olhei e tornei a olhar. Era lindo, como sempre. 



Pequenas flores despontam

em camas de folhas secas

Gerações que se sucedem

De vida e de esperança

lilás branco amarelo
Verde muito verde

E os olhos que rejuvenescem

Contemplam atentos





terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A nossa Borboleta-Zebra

 

A «nossa» borboleta-zebra já nasceu, abriu asas e voou.

Aprendi com ela muita coisa, como pequena criatura agarrada a uma folha resistiu a temporais, ventos e chuvas.

É o chamamento da natureza e da vida.


Voa voa por esse mundo e quem sabe, não nos tornaremos a ver?




terça-feira, 15 de dezembro de 2020

«Quando um homem quiser» de Ary dos Santos

 


Tu que dormes à noite na calçada do relento

numa cama de chuva com lençóis feitos de vento

tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento

és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme

numa cama de raiva com lençóis feitos de lume

e sofres o Natal da solidão sem um queixume

és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro

mas em Maio pode ser

Natal é em Setembro

é quando um homem quiser

Natal é quando nasce

uma vida a amanhecer

Natal é sempre o fruto

que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar

tu que inventas bonecas e comboios de luar

e mentes ao teu filho por não os poderes comprar

és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei

fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei

pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei

és meu irmão, amigo, és meu irmão


Poema: Quando o homem quiser, de...
Ary dos Santos, in 'As Palavras das Cantigas


Casa onde viveu Ary dos Santos, na Rua da Saudade, Alfama

sábado, 12 de dezembro de 2020

As varinas excerto de «Lisboa na rua» por Júlio César Machado



Lisboa na Literatura


“Já passaram alguma vez por aquelas vielas fuscas, tortuosas e escorregadias, que se chamam Calçada do Castelo Picão, a rua das Madres, o Beco da Peças, as Travessas do Pasteleiro, do Pé de Ferro, ou das Isabéis? Aí vivem, aí moram as varinas às onze e às doze em cada casa. Dormem à luz das estrelas, numas lojas térreas em que de verão se acende o lume à porta e de inverno no meio do chão, de porta e janela aberta, sem medo que as roubem, fazendo da canastra travesseiro e almofada do chapéu de Braga; partem de madrugada para a Ribeira ou ao encontro dos barcos de pesca; lá jantam por aí ao acaso nas tabernas, nas escadas, pela rua ; e à noite recolhem chilreando alegres como um bando de aves, com os filhinhos ao colo ou metidos nas canastras com o dinheiro, em acabando a venda. Quando lhes dá para ser formosas, nada há mais elegante que essas raparigas de olhos grandes e límpidos, esbeltas, donairosas, parecendo figuras tiradas de mármore, andando descuidosas de quem olha para elas, das galanterias com que as requestam, dos pedidos que lhes fazem…” in “Lisboa na Rua” por Júlio César Machado, desenho de Manoel Macedo, 1874



Almada Negreiros, Gare Marítima de Alcântara

sábado, 5 de dezembro de 2020

«Canção de outono» de Paul Verlaine

 




Mais um poema sobre o Outono, de um grande poeta francês


Paul Verlaine (1844-1896)


Canção de Outono

(Tradução: Manuel Bandeira)

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.




sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

«Não queiras transformar em nostalgia» de Eugénio de Andrade




Como se costuma dizer «A vida é bela», nós é que damos cabo dela».

Ninguém o quer fazer propositadamente, mesmo os mais pessimistas, acredito. Por vezes são as doenças do foro psicológico ou mental que tiram toda a alegria ou beleza à vida das pessoas, que sofrem os efeitos devastadores delas, deixando-as amarradas e enclausuradas em grande depressão, tristeza ou incapacidade de reagir.

Felizmente que os medicamentos para estas doenças são cada vez melhores, precisando os médicos de acertar com o medicamento certo para aquele doente em concreto. 


Aqui fica mais um poema de Eugénio de Andrade, que aborda tudo isto com verdade e singeleza de palavras.




Não queiras transformar

em nostalgia

o que foi exaltação,

em lixo o que foi cristal.

A velhice,

o primeiro sinal

de doença da alma,

às vezes contamina o corpo.

Nenhum pássaro

permite à morte dominar

o azul do seu canto.

Faz como eles: dança de ramo

em ramo.

Eugénio de Andrade, in “Ofício da Paciência”