O poeta, tradutor e ator Manuel Cintra, autor de livros como 'Do lado de dentro' e 'Alçapão', morreu em Lisboa, aos 64 anos.
Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra ( nosso professor de Línguística no primeiro ano do Curso de Filologia Românica, de quem nunca esqueci as aulas no Grande Anfiteatro da Faculdade de Letras, que foram uma experiência inesquecível para mim e acho que para todos os jovens que chegavam dos liceus habituados a salas para uma turma só) e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra.
Manuel Cintra nasceu em Lisboa, em março de 1956.
Foi tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia “a sua incontornável e apaixonada estrada”, sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans.
Ressalta desta vida de poeta o modo triste e chocante como morreu sozinho em casa e aí permaneceu durante 2 dias, situação que vai ainda acontecendo nos nossos tempos.
No seu livro/folheto Tangerina, editado em 1990, fez a seguinte dedicatória para a minha filha, que o conheceu: Para a Suzane, com a ternura inevitável, do Manuel, Junho de 2009
Um dos seus poemas, em homenagem e para que não fique esquecido:
E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer
Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher
E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar
Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar
Manuel Cintra
in Não sei nunca por onde,
Quasi Edições