Depois de tudo o que se passou em 2020, depois de tantas mortes e de tanto sofrimento, não podemos iludirmo-nos com pensamentos irrealistas e demasiado sonhadores.
A única coisa que desejamos é que 2021 seja um ano melhor, com mais saúde e mais paz.
No dia em que soube que a operação que tinha feito à catarata do olho direito tinha sido bem sucedida, não obstante os riscos que corria, fomos rever o Jardim da Estrela, ainda a despertar.
Tudo me pareceu realmente novo, visto com outros olhos, sob um sol ainda morno.
“Já passaram alguma vez por aquelas vielas fuscas, tortuosas e escorregadias, que se chamam Calçada do Castelo Picão, a rua das Madres, o Beco da Peças, as Travessas do Pasteleiro, do Pé de Ferro, ou das Isabéis? Aí vivem, aí moram as varinas às onze e às doze em cada casa. Dormem à luz das estrelas, numas lojas térreas em que de verão se acende o lume à porta e de inverno no meio do chão, de porta e janela aberta, sem medo que as roubem, fazendo da canastra travesseiro e almofada do chapéu de Braga; partem de madrugada para a Ribeira ou ao encontro dos barcos de pesca; lá jantam por aí ao acaso nas tabernas, nas escadas, pela rua ; e à noite recolhem chilreando alegres como um bando de aves, com os filhinhos ao colo ou metidos nas canastras com o dinheiro, em acabando a venda. Quando lhes dá para ser formosas, nada há mais elegante que essas raparigas de olhos grandes e límpidos, esbeltas, donairosas, parecendo figuras tiradas de mármore, andando descuidosas de quem olha para elas, das galanterias com que as requestam, dos pedidos que lhes fazem…” in “Lisboa na Rua” por Júlio César Machado, desenho de Manoel Macedo, 1874
Como se costuma dizer «A vida é bela», nós é que damos cabo dela».
Ninguém o quer fazer propositadamente, mesmo os mais pessimistas, acredito. Por vezes são as doenças do foro psicológico ou mental que tiram toda a alegria ou beleza à vida das pessoas, que sofrem os efeitos devastadores delas, deixando-as amarradas e enclausuradas em grande depressão, tristeza ou incapacidade de reagir.
Felizmente que os medicamentos para estas doenças são cada vez melhores, precisando os médicos de acertar com o medicamento certo para aquele doente em concreto.
Aqui fica mais um poema de Eugénio de Andrade, que aborda tudo isto com verdade e singeleza de palavras.
A Flauta Mágica, de Bergman, no cinema Londres (com o seu mítico snack bar em círculo e sofás para sentar à entrada).
Deve ter sido em 1975.
Parece que foi há já muito muito tempo e que não passou de um mau sonho.
Mas não foi. O cinema Londres só fechou definitivamente em 2013 e virou um loja de produtos chineses (mais uma).
O processo por que tudo passou foi explicado num artigo de João Pedro Pincha, no Observador
A chegada dos empresários chineses é o fim da linha para o Londres, o fim de uma aventura cinematográfica iniciada em janeiro de 1972, com a exibição do filme Morrer de Amar, de André Cayatte. O filme não fez grande história, mas inaugurou aquela que durante muitos anos foi considerada a “mais luxuosa sala-estúdio de Lisboa”, com as famosas cadeiras que deslizavam para baixo onde, ao longo dos anos, milhares de espetadores viram títulos como Vivre sa Vie, Hiroxima, meu Amor, Fitzcarraldo, Paris Texas e, mais recentemente, êxitos de bilheteira como A Vida é Bela e Titanic, entre tantos outros.
“O meu falecido tio comprou o prédio em 1948”, lembra António Serralha Ferreira, a cujas mãos o edifício chegou em 1985, na sequência da morte daquele familiar. Na altura, a fração A já era ocupada pelo cinema. Mas podia nunca ter existido Londres. O espaço fora já uma discoteca e um salão de bowling e só por acaso não se transformou num supermercado.
“Quando aquilo deixou de ser [um salão de] bowling, ficou devoluto e o meu tio pediu-me para ver se havia hipótese de arranjar alguém, uma entidade do Estado, nomeadamente a obra social do Ministério das Corporações, que tinha um supermercado [que ocupasse o espaço]. Essa hipótese pôs-se, chegou-se a estudar, mas entretanto apareceu a Socorama”.
A Socorama, distribuidora de cinema ligada à família Castello Lopes, ocupou o Londres até fevereiro de 2013. Nessa altura, a empresa pediu insolvência e viu-se obrigada a encerrar essa e outras salas por falta de pagamento da conta da luz. Apesar de, à data, o encerramento ter sido dado como meramente provisório, a verdade é que a histórica sala não voltou a abrir as portas e as tão famosas cadeiras ficaram paradas definitivamente, à espera de melhores dias.
Situado na Avenida de Roma, o cinema Londres foi durante 41 anos o refúgio de muitos que buscavam um outro cinema. Hugo Amaral/Observador
Uma questão de vida ou de morte
Os dias melhores nunca chegaram. E, quando António Serralha Ferreira recebeu a confirmação definitiva de que o Londres já não exibiria mais filmes da Castello Lopes, começou a movimentar-se. “Eu tentei junto de vários empresários do ramo cinematográfico – que fizeram algumas visitas – e do ramo cultural – que fizeram algumas visitas -, que aquilo continuasse da mesma forma. Tanto assim é que eu pedi ao João Paulo Abreu, administrador da Socorama, que não mexessem em nada, deixassem estar tudo tal e qual, equipamentos, salas montadas, cadeiras, projetores, tudo, para ver se conseguia encontrar alguém que os substituísse.”
É aqui que as versões entre movimento de comerciantes e os proprietários divergem. Após a assinatura do contrato com os empresários chineses, a 7 de dezembro de 2013, estes promoveram imediatamente obras no espaço. António Serralha diz que os trabalhos eram necessários dada a destruição causada pela retirada de equipamento. Carlos Moura-Carvalho rejeita que a responsabilidade seja toda da administração de insolvência da Socorama. “Não foi só a massa falida a destruir, foram também as obras dos chineses”, que, aliás, “queriam que o entulho fosse a base” do nivelamento do chão do cinema. O co-proprietário desvaloriza as críticas. Isso, diz, foi “mais uma guerra levantada por essa famigerada associação de comerciantes”.
A Socorama pediu a insolvência em fevereiro de 2013 e levou ao encerramento de 49 salas de cinema. Setenta e cinco pessoas ficaram desempregadas. Manuel de Almeida/Lusa
Voando sobre um ninho de cucos
“Se eu preferia um uso diferente? Preferia, mas não era possível. A ideia era boa, mas pura e simplesmente inexequível.” António Serralha Ferreira é peremptório quando fala no projeto proposto pelo movimento de comerciantes, que chegou a contar com o apoio de Rui Nabeiro, fundador da Delta Cafés. Só em dezembro de 2013, quando o negócio entre os proprietários do Londres e os chineses estava já consumado, é que houve a primeira reunião entre Serralha e Moura-Carvalho, entre outros negociantes. Desse contacto saiu desilusão para ambas as partes.
“Ali não estava nenhum interesse cultural, ali estava um interesse totalmente comercial e financeiro, nada mais do que isso. Eles entendem que uma loja de chineses ali lhes vai fazer sombra em diversos aspetos. É a minha impressão de tudo aquilo”, acusa António Ferreira.
“Fomos sempre procurando mantê-los [aos proprietários] no processo. Nunca quiseram [dialogar]”, acusa, por seu turno, Carlos Moura-Carvalho.
Assinado o novo contrato de arrendamento, foi pedido à Secretaria de Estado da Cultura que, tal como está na lei, autorizasse a afetação do recinto a outros usos que não os cinematográficos. Essa desafetação chegou apenas em junho deste ano, mas já em maio o Expresso noticiara que essa seria a decisão de Jorge Barreto Xavier. Entretanto, as obras iniciadas foram suspensas e o responsável governamental reuniu-se com o movimento de comerciantes para avaliar a viabilidade do seu projeto. “Falámos com ele e correu muito bem”, lembra Moura-Carvalho. “Não fomos para a posição cómoda à espera do dinheiro do Estado. Apresentámos um plano financeiro sólido”, afirma. Também com o adido cultural da Embaixada da China chegou a haver um encontro. “Mostrou-se acessível, mas não queria polémicas”.
Barreto Xavier recebeu os comerciantes, mas não os proprietários, que apenas foram ouvidos por dois assessores do secretário de Estado numa reunião que juntou todas as partes à mesma mesa. “Senti-me mal”, admite António Ferreira, que ficou “com a pior impressão” do responsável do Governo.
O estado da sala de cinema em junho. Retirado do blogue Encontros Informativos Democracia Direta
Adeus, Cinema Paraíso
Eis-nos chegados ao momento presente. Desde que o Londres fechou passaram 21 meses e ninguém parece ter realmente ganho nada com tudo o que aconteceu. O movimento de comerciantes não conseguiu ver implementado o seu projeto. Os chineses não conseguiram ainda abrir a sua loja, onde, dizem, haverá móveis de Paços de Ferreira e atoalhados de Torres Novas à venda. António Serralha Ferreira não recebeu um único euro em rendas. O prejuízo já será superior a 200 mil euros.
Quem terá perdido mais, contudo, foram os espetadores. “Era frequentador do cinema, fui lá muita vez. Muito frequentador. Foi uma surpresa muito desagradável”, garante o proprietário, que tinha dois lugares reservados em todas as estreias. “Tive pena, pois tive, como tive pena que fechasse o King”. Ele e muitas pessoas, que durante anos rumaram à Avenida de Roma e arredores em busca do cinema alternativo que ofereciam o Londres, o King, o Star, o Quarteto, o Roma… Agora, na zona, não há qualquer cinema de rua.
E, como é unanimemente apontado por quantos se envolveram na ‘questão Londres’, a criação da loja chinesa é um mal menor. Tal como no fim do Cinema Paraíso, deste filme não se sai sem um sabor agridoce na boca.
Com apenas 27 anos, José Luís Peixoto foi o mais jovem vencedor de sempre do Prémio Literário José Saramago. Desde esse reconhecimento, a sua obra tem recebido amplo destaque nacional e internacional. Os seus livros estão traduzidos e publicados em 26 idiomas.
Em Março deste ano, escreveu este poema que retrata o que todos nós sentimos quando ficámos enclausurados em casa, por motivo da pandemia.
Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.”
Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.”
Mas vamos conhecer melhor a Urze. Esta pequena planta que se destaca na paisagem das montanhas e serras, nas florestas e jardins de Portugal e que Torga tão bem descreveu, revelando a sua importância e a “personalidade” única de resistência e persistência.
A urze
Esta espécie, única do género Calluna, pertence à família das Ericaceae, e também é conhecida pelos nomes vulgares de Torga, Queiró, Queiroga, entre outros.
A sua designação científica apresenta alguma curiosidade. O género Calluna surge do grego – Kallunein – que significa “varrer” e que está associado ao tradicional uso de vassouras artesanais e vulgaris, do latim, que indica que se trata de uma planta comum.
A urze é um pequeno arbusto perene, que pode chegar aos 40 anos de idade. De crescimento reduzido, pode atingir 20 a 100 cm de altura e formar pequenos tufos densos e coloridos. Bastante ramificada desde a base, os seus ramos crescem na vertical, apresentando tons amarelos e avermelhados. As raízes ramificam profundamente, garantindo um bom suporte e sustentação. Com o decorrer dos anos as raízes tornam-se grossas, lenhosas e retorcidas.
As folhas persistentes e muito pequenas, ligeiramente pubescentes, são verdes durante todo o ano. No entanto durante o inverno, as folhas envelhecidas que permanecem na planta, podem apresentar tons de bronze, prata, amarelo, laranja, púrpura e vermelho. Os frutos são pequenas cápsulas, redondas, com cerca de 2 mm de diâmetro e com numerosas sementes no seu interior.
As flores, de tons rosa, púrpura e lilás, surgem no outono numa tela colorida muito especial, atraindo inúmeros polinizadores. A diversidade de insectos que visitam esta planta é notável, incluindo as abelhas, moscas, borboletas noturnas e diurnas. Da atração das abelhas, pelas suas flores ricas em néctar, resulta um mel rico e escuro, descrito como sendo um mel perfumado, com odor a caramelo, doce e com um travo ligeiramente amargo.
A urze em Portugal
Esta é uma espécie nativa da Europa e norte de África. Em Portugal ocorre um pouco por todo o território, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
A beleza desta planta com flores amarelas e brancas dão grande beleza aos campos, além de terem um agradável cheirinho adocicado.
Tive a sorte de ter passado umas pequenas férias num hotel no Caramulo, que tinha belos recantos para descanso ou para leitura rodeados de Madressilva. Nunca hei-de esquecer esse tempo e essa flor, que já inspirou até um fado, cantado por Maria da Fé, cujos versos se seguem.