quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

«De tarde» de Cesário Verde



Passam hoje 160 anos do nascimento deste grande poeta português, Cesário Verde (1855-1886), menosprezado pelos seus contemporâneos, que não atribuíram grande valor aos seus belíssimos poemas, cheios de naturalidade e de musicalidade.
Coisas que acontecem aos precursores, em muitos casos. A juntar à infelicidade de ter morrido apenas com 31 anos, vítima da terrível tuberculose que tantas pessoas dizimou, nos sécs. XIX e XX.
Esta narrativa em verso de um pic-nic de burguesas, é para mim, um dos seus mais belos poemas.




                                                                 DE TARDE

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.



Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via.
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.


                                       O Livro de Cesário Verde, Lisboa, 1887


domingo, 8 de fevereiro de 2015

«SEI DE UM RIO» de Camané

 
 
Um belo poema de Camané para um belíssimo rio, o rio Douro.
 

SEI DE UM RIO
 
 
                                                                                          Rio Douro e barco rabelo

 
Sei de Um Rio
 
Sei de um rio...
Sei de um rio
Em que as únicas estrelas
Nele sempre debruçadas
São as luzes da cidade
Sei de um rio…
Sei de um rio
Rio onde a própria mentira
Tem o sabor da verdade
Sei de um rio
Meu amor, dá-me os teus lábios!
Dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede!
Mas o sonho continua…
E a minha boca (até quando?)
Ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
- Sei de um rio…
Sei de um rio…
Sei de um rio…
Ai!
Até quando?

                                                                                   Camané

                                 Rio Douro, comboio para Tormes