sábado, 28 de abril de 2012

Adeus a MIguel Portas


Miguel Portas (1 de Maio de 1958/24 de Abril de 2012) foi um político que admiro e não esquecerei nunca, pela sua simplicidade, honestidade, grande capacidade de trabalho e coragem. Não era definitivamente um político como os outros, pautava-se por valores éticos, por uma seriedade e defesa dos mais desfavorecidos, hoje quase raros.
Foi também um homem culto e defensor da cultura. Foi jornalista, director da revista cultural Contraste (1986), redator do semanário Expresso (1988) e editor internacional da sua revista (1992-1994). Dirigiu ainda o semanário (1996), foi repórter da revista Vida Mundial (1998/1999), além de cronista do Diário de Notícias (2000-2006) e no semanário Sol (2008-2012). Foi co-autor e apresentador de duas séries documentais para televisão: "Mar das Índias" (2000) e "Périplo" (2004), sobre o Mediterrâneo. Teve três livros publicados: "E o resto é paisagem" (2002), de crónicas, ensaios e entrevistas; "No Labirinto" (2006), sobre o Líbano e "Périplo" (2009), dedicado ao Mediterrâneo.
Um recado aos senhores livreiros e editores: em vez de encherem os escaparates com os livros de sua mãe, aproveitando a morte do filho para fins lucrativos, ficava-lhes melhor exporem os livros do próprio Miguel Portas, nem que fosse em sua homenagem.
Parece que o dinheiro fala sempre mais alto e é pena!
Nada melhor na hora da despedida que ler as palavras que ele escreveu, como se a sua voz ainda continuasse a soar nos nossos ouvidos.

 Miguel Portas com os filhos na praia das MaçãsMiguel Portas com os filhos, Frederico e André, em maio de 2006, na Praia das Maçãs

Revolução: testemunho, por Miguel Portas

A cada um a sua revolução. A minha iniciou-se ainda no tempo da outra senhora, uma expressão que caiu em desuso. E coincidiu com outra, obrigatória pela lei da vida, a da passagem à adolescência. 
Crónica de Miguel Portas de abril de 1999, retirada no livro “E o resto é paisagem”.
 
A minha revolução tinha, por isso, razões de urgência inusitada.
No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados entre liceus e escolas técnicas. Os primeiros chegariam às universidades, os segundos ficar-se-iam por um ofício qualificado. Não viria daí mal ao mundo, se tal representasse uma escolha. Acontece que era um destino. Filho de operário, operário serás. Filho de rico, garantia de doutor. Eu estava no segundo grupo, mas nem por isso sentia menos a injustiça.
No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados por sexos. Havia liceus para rapazes e liceus para raparigas. Alguns tinham mesmo muretes de separação, seguramente para estimular a imaginação. Elas estavam obrigadas a usar bata, a bata das escolas delas. Nós não, que éramos candidatos a homens.
No meu país as universidades já eram mistas. Elas eram bem menos do que eles. Elas sentavam-se, por ordem alfabética, nas primeiras filas do anfiteatro. Eles, também por ordem alfabética, ocupavam o restante. Assim era fácil marcar faltas: os alunos não tinham nome, na realidade tinham número.
No meu país havia, como em qualquer outro, bons e maus professores. Mas, com excepções, aquilo não era ensino, eram exames de memória. Um colega não perguntava ao outro «já estudaste aquilo?», invectivava-o com um «já decoraste?»
No meu país os nossos pais estavam condenados a entenderem-se sempre e para sempre. Casavam pela igreja, não tinham direito a divórcio. Há quem diga que o hábito faz o monge, mas a máxima nem sempre se aplica. Esta obrigatoriedade sobrava para muitos filhos, principalmente sobrava para muitas filhas.
O papel da igreja era omnipresente. Quem não fosse à missa era olhado de soslaio. Mas nem isso evitava as crises de fé, que geravam hecatombes familiares, ou vice-versa. Naquele tempo havia filhos e meio-filhos, não havia apenas filhos. Eu tinha uma meia-irmã, adivinhem lá o que isso seja. Durante anos não pôde visitar parte da família alargada. Culpada por ter nascido à margem da lei que os homens atribuíam a Cristo.
E depois, no meu país havia ainda o espectro de uma condenação antecipada: a guerra. Mais cedo ou mais tarde, iríamos lá bater com os costados. Em nome da Pátria e da nossa missão civilizadora no mundo dos cafres, assim era legítimo classificar os africanos.
Ah! E havia política. Lembro-me de ver Marcelo Caetano na televisão.
A emissão chamava-se “Conversas em família”. O patriarca falava e a plateia escutava. Parece que esta forma de comunicação foi então uma novidade absoluta no pacato mundo dos lusitanos, uma modernice. Adivinhem como seria antes...
A revolução, portanto. E nada menos do que a revolução.
A revolução começa por ser uma construção contra a realidade, um mundo como o que os primeiros cristãos escavaram para se protegerem das forças do Império romano.
No mundo onde me envolvi, os rapazes e as raparigas eram iguais. Não aprendíamos o que a escola nos dava, mas exactamente o que ela nos escondia. Outras leituras, outras músicas, outra conversa. E outra História.
Outra vida, também. Com maior ou menor tolerância das famílias, conquistávamos o tempo. Tempo para reuniões, agitações ou manifestações-relâmpago de alta adrenalina. Mas tempo também para acampamentos e namoros, tempo até para, à boleia, se conhecer Paris ou visitar a meca das liberdades, Amesterdão. No fundo, tempo para se confirmar como Portugal ficava mesmo muito longe do mundo. Do mundo e do nosso mundo.
Depois a revolução é a própria revolução, quando a nossa «contra-realidade» emerge como realidade. Há imagens que ficam para uma vida. A minha é a de um velho contínuo do Liceu Passos Manuel, homem corajoso que nunca denunciara as acções de agitação que, amiúde, se faziam. Foi ele quem, no dia 26 de Abril, se colocou na frente dos estudantes, hino nacional saindo da sua boca, antes da invasão das instalações do Secretariado para a Juventude (antiga Mocidade Portuguesa) do liceu. Esperara uma vida por aquele gesto e era comunista.
Lembro-me também da noite em que ficou claro que havíamos perdido. Da preocupação nos rostos, no desespero de alguns porque não era assim que estava escrito. E recordo-me também do alívio com que ouvi Melo Antunes nessa noite. Perdera-se, mas não se perdia tudo.
Perdemos? Uma revolução incompleta é uma revolução falhada? Talvez a História venha a dizer-nos que sim, ou talvez esta não seja a boa pergunta. Com ou sem revolução estaríamos hoje onde estamos, como diz Saramago? Mas como é possível não se ter superado ainda na cultura da esquerda a submissão estalinista aos resultados como critério de verdade? Como é possível continuar a desvalorizar o modo – neste caso, a revolução – face às finalidades? No limite, revolução é atitude, atitude de vida. O que ela, quando ocorre, tem de extraordinário, de único e insubstituível, é que marca quantos com ela se travam de razões.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

«Anatomia dos Mártires» de João Tordo

  

João Tordo é um dos melhores escritores da nova geração, que se tem vindo a afirmar pela sua escrita escorreita, direta, liberta de vícios de linguagem e de forma a que outros novos autores lançam mão para obterem sucesso rápido.
 João Tordo nasceu em Lisboa em 1975. Formou-se em Filosofia e estudou Jornalismo e escrita Criativa em Londres e Nova Iorque. Em 2009 ganhou o Prémio Literário José Saramago com o romance As Três Vidas (2008). Trabalha como cronista, tradutor, guionista e formador em workshops de ficção.
Este seu último romance, Anatomia dos Mártires, é a história de uma obsessão do narrador-jornalista que se transforma em investigação sobre o «mito» de Catarina Eufémia, tentando destrinçar a verdade da lenda, o que se revela uma tarefa quase impossível, passados mais de 50 anos. 
É também uma reflexão sobre a existência dos «Mártires» ao longo da história da humanidade,  que tem como origem a dramática vida e morte de Francis Dumas.

Se existe uma evolução, então toda a evolução é uma catástrofe. Temos hoje menos recursos do que há mil anos; temos hoje menos humanidade do que há mil anos. O mundo é um lugar tão disperso, fragmentado e cruel que um homem como Francis teve de cair do espaço para se fazer ouvir. Em tempos imemoriais as pessoas punham-se em cima duma rocha e os outros escutavam-nas, tão atentamente, com tanta paixão e fé, que assim nasceram quase todas as religiões conhecidas. 
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Evoluímos? Para onde? Para o quê? O homem transformou-se nisto, numa criatura demasiado inteligente para se contentar com telefones ligados a satélites no espaço e demasiado estúpida para ouvir a pessoa que está ao seu lado.

                                   João Tordo, Anatomia dos Mártires
 
 Interrogações demasiado pertinentes, que nos põem a pensar!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

«Pedra Filosofal» de António Gedeão

Este é um dos mais belos poemas portugueses de sempre, para mim. E a canção de Manuel Freire uma das mais belas canções portuguesas. Nunca é de mais relembrá-las.

Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
em perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


In Movimento Perpétuo, 1956

domingo, 8 de abril de 2012

Páscoa de 2012



Para quem acredita que Páscoa é o renascer das cinzas, bem como para os outros, um dia feliz. Pelo menos, podemos tentar.

                                       Em cada madrugada
 
Como  tudo é  prodigioso
E mágico na natureza
Que renasce em cada madrugada
Como tudo me deslumbra
Do nascer ao pôr do sol
Que marca o tempo que passa
Sem darmos por ele passar
Como se fosse uma surpresa
A eternidade dum minuto
Que pode durar séculos
Uma vida inteira que se traduz
Num pequeno nada que se renova
Um minuto de eternidade
Três ou quatro palavras por dizer
Como é tudo prodigioso
E trágico por natureza.

                                                  Isabel del Toro Gomes


 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

«Poemas escolhidos» de Jorge Luis Borges



Este livro de «Poemas Escolhidos» é um dos Cadernos de Poesia, editado pela Publicações dom Quixote, em 1971. Portanto uma preciosidade. Não só porque os poemas publicados foram escolhidos pelo próprio autor e incluídos na sua obra Antologia Personal (1ª edição, 1961), como também porque foram traduzidos por Ruy Belo.
Jorge Luis Borges (Buenos Aires, 1899/Genebra, 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. 
De ascendência portuguesa e inglesa, estudou na Suíça, viajou pela Espanha, passou por Lisboa em 1921, esteve nos Estados Unidos e em França. De regresso à Argentina, desempenha várias funções: funcionário municipal, professor, tradutor. Depois da queda de Perón, passa a dirigir a Biblioteca Nacional. A cegueira, provocada por uma antiga lesão, já não lhe permite escrever, obrigando-o a ditar.
Intensamente lido e apreciado na América latina, só a partir da atribuição, em 1961, do Prémio Internacional de Literatura, é que se torna conhecido na Europa. A sua obra incide sobre o caos que governa o mundo e os seus livros mais famosos, Ficciones (1944) e O Aleph (1949) são coletâneas de histórias curtas interligadas por temas comuns: sonhos, labirintos, bibliotecas, escritores e livros fictícios, religião e Deus. A sua escrita contribuiu significativamente para o desenvolvimento do género de literatura fantástica.
De todos eles, escolhi a sua «Arte Poética», um valioso contributo para o estudo e conhecimento da Poesia, como forma privilegiada de arte e de expressão, em todos os tempos. E também de luta!

Arte Poética

Olhar o rio que é de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme a nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou até no ano um símbolo
Quer dos dias do homem quer dos anos,
Converter a perseguição dos anos
Numa música, um rumor e um símbolo,

Ver só na morte o sono, no ocaso
Um triste ouro, assim é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Volta como a aurora e o ocaso.

                                     Arte Poética, in Poemas Escolhidos 
 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Dia Internacional do Livro Infantil - 2 de abril

 
Hoje, dia 2 de abril, comemora-se o Dia Internacional do Livro Infantil. 
Que seja um dia em que se lembrem as crianças e os livros, pois são eles que as ajudam a crescer e a aprender. Todas as crianças e todos os livros para a infância, sem discriminações.

 

Para assinalar esta data, a DGLB publicou um cartaz da autoria de Yara Kono, vencedora do Prémio Nacional de Ilustração do ano passado.  Como tem sido habitual nos últimos anos, o cartaz será distribuído pelas Bibliotecas Municipais e por algumas livrarias de literatura infantil.