quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

«Quando o diabo reza» de Mário de Carvalho



Mais uma vez Mário de Carvalho (escritor, advogado e jornalista nascido em Lisboa em 1944) escreve um livro genial, uma ficção que nos fala de uma realidade tão verídica e pertinente que nos deixa completamente envolvidos, usando uma linguagem apropriada e satírica, construindo personagens e revelando-os a pouco e pouco, como poucos conseguem. 
Neste livro, a história vai-se desenrolando a partir de três finórios candidatos a mais um golpe sujo num velho viúvo, que vai viver com uma das filhas, o que causa grande preocupação na outra. O velhote vai vegetando por entre  os restos de um passado de trabalho e de luta, aforreando bem os lucros duma vida inteira
Muitas peripécias trágico-cómicas se vão desenrolando até se atingir o climax, com o destino a tramar as «boas» intenções dos burlões.
Um livro a não perder, ou seja, a ler.

Mais tarde, iam de regresso ao bairro e Abreu não se calava:
-O gajo morava na Alameda, num primeiro andar. o prédio só luxos, dourados e vidros, com o segurança de farda, boné e tudo, mas a casa dele era um arraial de veludos podres, trastes velhos e mesas mancas.
-Como é que sabes?
-Sei - garantiu Abreu, muito pintão e misterioso. O telemóvel dele tocou, fazia um grunhido de porco entremeado a compassos «techno». Conversação secreta, gestos encolhidos, ar encordoado, a girar em volta, nos calcanhares. Mas duas passadas mais tarde, aprochegando a testa, arrecadou o apetrecho e aclarou:
-A minha irmã ia lá fazer limpezas quando o meu cunhado marrou c' a mota contra o muro.O gajo é podre de rico................................
Pá. Milhões. Tás a ouvir? Milhões.
 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

«Além Do Amor» de Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes (Rio de janeiro, 1913-Rio de janeiro 1980), mais conhecido pelas suas canções e pela sua voz sensual, foi muito mais do que um cantor. Foi diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro. Poeta do amor, ficou conhecido como «poetinha», nome que lhe terá sido atribuído por Tom Jobim, com quem cantou e colaborou em muitas composições. Boémio inveterado, grande conquistador, casou nove vezes, sendo uma das suas esposas da Bahia. Por essa razão, viveu cerca de oito anos em Itabuã, mesmo em frente a esta bela praia. Daí ter cantado este local em «Viver em Itabuã», canção bem conhecida. A sua casa ainda lá permanece, sendo alvo de visitas de muitos turistas que aí se deslocam para verem o «paraíso» do poeta. Ao lado da casa, uma estátua de Vinicius sentado a uma mesa. O curioso é que, entretanto, os óculos de Vinicius desapareceram de cima da mesa.

 http://www.youtube.com/watch?v=jkll9eRXhfk

 

Além Do Amor

Vinicius de Moraes

Se tu queres que eu não chore mais
Diga ao tempo que não passe mais
Chora o tempo o mesmo pranto meu
Ele e eu, tanto
Que só para não te entristecer
Que fazer, canto
Canto para que te lembres
Quando eu me for
Deixa-me chorar assim
Porque eu te amo
Dói a vida
Tanto em mim
Porque eu te amo
Beija até o fim
As minhas lágrimas de dor
Porque eu te amo, além do amor!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

«Fernando Pessoa, Plural como o Universo»


Retrato de Fernando Pessoa, por Almada Negreiros
 
Já consegui ver a exposição sobre Fernando Pessoa na Gulbenkian, domingo de manhã, nem havia fila para entrar, o que me surpreendeu. O local da exposição é um pouco labiríntico mas muito espaçoso, especialmente pensado para muitas pessoas poderem entrar e circular pelos diversos espaços, relativamente à vontade.
É uma exposição que surpreende pela grandeza e pelos belíssimos efeitos visuais, sonoros e mesmo tácteis. Uma exposição que requereu grandes meios de produção, que o nosso país irmão felizmente neste momento possui. Nós só temos que agradecer ao Brasil, em nome de Fernando Pessoa, que iria ficar «abismado» certamente, e de Portugal. 
Na famosa arca chamou-me a atenção as muitas marcas (redondas, possivelmente de objectos quentes) que ali ficaram assinaladas para a posteridade, testemunhos dos poucos recursos do escritor, que se serviria dela não só para guardar os seus escritos, como também para suporte ou quem sabe para mesa onde terá tomado algumas refeições.
Quanto ao novo acordo ortográfico, esta exposição é um bom local para se tirar algumas conclusões práticas. Os brasileiros continuam a escrever à sua maneira «heterônimos», com acento circunflexo. Nos papéis antigos que por lá se encontram lê-se «portuguêses», entre outras palavras que entretanto mudaram de grafia. Quem hoje se opõe a que a palavra «portuguêses» já não possua acento? Acho que ninguém, o que nos leva a concluir que toda esta polémica em volta do novo acordo não passa de mais uma «polémica» mesmo, com muita política à mistura, e que o tempo se encarregará de levar ou não em frente as mudanças que se impõem pelas necessidades dos  falantes.


                                     Começar de Almada Negreiros, Fundação Gulbenkian



Depois de ter recebido 250 mil visitantes em São Paulo, no Brasil, a exposição Fernando Pessoa, Plural como o Universo chega à Fundação Calouste Gulbenkian.

A exposição dedicada a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos pretende mostrar toda a multiplicidade da obra do grande poeta português, conduzindo o visitante numa viagem sensorial pelo universo de Pessoa, para que leia, veja, sinta e ouça a materialidade das suas palavras.

Com curadoria de Carlos Felipe Moisés e Richard Zenith, nesta exposição podem encontrar-se poemas, textos, documentos, fotografias e pintura, bem como raridades tais como a primeira edição do livro Mensagem, com uma dedicatória escrita pelo poeta.

Horário: Terça a domingo entre as 10h00 e as 18h00.
Preços: €5.   (Aos domingos de manhã, é gratuito, aproveitem)!