segunda-feira, 31 de março de 2014

O mistério do amolador





O mistério do amolador


Dia de chuva é dia de amolador passar.
Ou antes de chover, a preanunciar o evento molhado, ou depois, é certo que o amolador vai soltar pelas ruas a sua música.
A sua melodia soa-me sempre bem, além de ser um convite para ir à janela,  arredar mais ou menos timidamente a cortina e espreitar quem lá vem.
A curiosidade é sempre mais forte que a certeza. 
Nós temos a certeza de quem vem lá, ou quase, é o nosso conhecido amolador, artista que conserta as coisas todas, desde as rachas dos pratos, pondo-lhes uns desengraçados e fortes gatos, que remedeiam para mais uns tempos, até às varetas dos chapéus de chuva. E afiam também as facas e as tesouras, utensílios tão elementares e úteis que ninguém os pode dispensar.
Ninguém é capaz de explicar que mistério liga este homem simples e andarilho à chuva. Ou a chuva ao amolador. O certo é que eles estão intimamente relacinados, não existindo um sem o outro, na maior parte das vezes.
Vamos lá ver se não é verdade: da próxima vez que chover, vamos todos esperar pela aparição do misterioso amolador. 
Com o nosso chapéu de chuva avariado.
Ou a nossa faca de estimação por afiar. 
Ou a tesoura da costura, quem sabe...


                                                                      Isabel del toro Gomes


sexta-feira, 28 de março de 2014

Um homem-estátua na primavera 2014



Um homem-estátua na primavera 2014

Na Primavera de 2014, no dia 28 de Março, o sol brilhava na rua Augusta, mas não aquecia o suficiente o ar ainda gélido. 
Por isso, mais espantoso foi ainda, para mim, o aparecimento deste homem-estátua, ali em plena Rua Augusta, empoleirado num estreito escaparate, num equilíbrio instável, todo de branco, figurando um lançador do disco, que variava com um músico de percussão (com tampas de panela).
Tirei-lhe fotografias e apreciei o seu árduo trabalho, num dia tão frio de março, não obstante o sol.
Não havia por ali mais nenhum homem ou mulher fazendo de estátua, ao contrário do que é costume. 
É que esta vida deve ser mesmo dura!


segunda-feira, 24 de março de 2014

«Cinco Réis de Gente» de Aquilino Ribeiro




Aquilino Ribeiro (1885-1963) foi um ficcionista, autor dramático, cronista e ensaísta português, de grande importãncia para a nossa literatura. A sua Beira natal (Sernancelhe) está bem presente na sua novelística, retratando de forma bem pitoresca e realista as paisagens e personagens desta região, bem como as de outros cenários.
Ler Cinco Réis de Gente é uma experiência divertida, cheia de interesse, tanto mais que a trama deriva de episódios autobiográficos da infância do autor.
É, para além de tudo o mais, um documento vivo sobre a educação e a escola portuguesa dos fins do século XIX.


                                       Quadro «Palmatória» de Debret

A vida de escola, se não fossem as operações de multiplicar e dividir, de muitas casas e com os algarismos mais altos, 9,8,7, raro matizadas pelo simpático cifrão, sem o inominável ferro-velho dos reis e das batalhas e o escalracho gramatical, não era má de todo. É certo que a professora não ascendia ao reino de Deus pela paciência, e a menina-de-cinco-olhos com ela andava numa roda - vida. Por mim observava um certo miramento; contudo, para que se não dissesse que abria excepções, ao desfastio, perante uma nega escandalosa, uma resposta de todo inadmissível, lá sentenciava:
-Menino Amadeu, estenda a mão...
E a palmatória caía-me na mão, mole ou pelo menos nada irosa, como com os outros alunos, para inglês ver.
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...a escola tornava-se aceitável que mais não fosse pelas idas e voltas. As tardes dos dias grandes passadas pelos caminhos à lei da natureza inscreveram-se indelevelmente no curso da minha vida. O que o homem mais aprecia de grandeza, glória, amor, acima do próprio pão para a boca, é a liberdade.

                        Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, cap. X


Escusado será dizer que a «menina dos cinco olhos» é uma outra forma de denominar esse instrumento horrível de tortura que era a palmatória, eliminada em alguns países só bem recentemente, como é o caso da Grã-Bretanha, pois só em 1987 deixou de ser usada em algumas escolas. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

«Quando Vier a Primavera» de Alberto Caeiro






Quando Vier a Primavera 


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

                                                               Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
                                                              




Para comemorar o início da primavera 2014, que não vai ser uma primavera qualquer, certamente, aqui fica este poema de Alberto Caeiro, o heterónimo de Fernando Pessoa panteísta e bom conhecedor das sensações. Com muitas flores, como as prímulas ou primaveras.

domingo, 16 de março de 2014

«Ó sino da minha aldeia» de Fernando Pessoa

 

Ó sino da minha aldeia 


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.



Por mais que me tanjas perto,
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

                                                                Fernando Pessoa


                                                                  retrato de Fernando Pessoa por Almada Negreiros

Em 1964, por encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, Almada Negreiros realiza uma réplica do Retrato de Fernando Pessoa, executado em 1954 para o restaurante Irmãos Unidos, estabelecimento de que era sócio Alfredo Pedro Guisado, colaborador de Orpheu, frequentado por Almada e outros nomes ligados à célebre revista modernista. 

quarta-feira, 12 de março de 2014




Pablo Neruda (1904 - 1973 ) foi um dos mais importantes poetas chilenos e da língua castelhana do século XX.
Escreveu um dos mais belos poemas sobre as mulheres.

 
Mulheres






Elas sorriem quando querem gritar.

Elas cantam quando querem chorar.

Elas choram quando estão felizes.

E riem quando estão nervosas. 

Elas brigam por aquilo que acreditam.

Elas levantam-se para a injustiça.

Elas não levam "não" como resposta quando 
acreditam que existe melhor solução. 




Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.

Elas vão ao médico com uma amiga assustada.

Elas amam incondicionalmente.

Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prémios.

Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversário ou um novo casamento.

                                                                   Pablo Neruda



domingo, 9 de março de 2014

Exposição de Máquinas de Cena para o espectáculo «Romagem de Agravados» de Gil Vicente


Foi uma agradável surpresa encontrar esta exposição de extraordinárias Máquinas de Cena, criadas e construídas por José Carlos Barros, para o espectáculo Romagem de Agravados,  de Gil Vicente.
Foram inspiradas nas pinturas de H. Bosh, As Tentações de S. António.
Nos jardins do Museu do Teatro, no Lumiar.