segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade e sua filha, Maria Julieta.

Carlos Drummond de Andrade foi um grande escritor brasileiro, que escreveu poesia, contos, crónicas e livros para crianças.
Nasceu em Itabira em 31 de Outubro de 1902, e faleceu em 1987.
Comemora-se hoje o 99º aniversário do seu nascimento, tendo a Casa Fernando Pessoa um programa de homenagem a este escritor, hoje, durante todo o dia.
Pena eu estar com gripe, gostava de ir até lá.
Em compensação, faço aqui a minha pequena homenagem a este poeta, que muito admiro:


A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? O amor?
Não digo nada.

Solidão, não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te embora o preço,
calco teu ouro no chão.

                                                    Carlos Drummond de Andrade

«Uma Viagem à Índia» de Gonçalo M. Tavares



Gonçalo M. Tavares é um dos mais importantes escritores da sua geração. Nasceu em 1970, em Luanda, e em 2001 publicou a sua primeira obra.
Autor já de muitos livros, destacam-se Jerusalém, O Senhor Valéry, Água,Cão, Cavalo, Cabeça e, mais recentemente, o premiado, Viagem à Índia.
Acabei de ler esta obra há pouco tempo, que me pareceu muito curiosa e de leitura cativante. Mais do que um livro de ficção, considero-o um «Manual de Metafísica», em que os leitores se podem identificar com a personagem de Bloom, que procura a sabedoria e a Índia.
Sobre ela, diz Eduardo Lourenço:

Uma Viagem à Índia, com consciência aguda da sua ficcionalidade, navega e vive entre os ecos de mil textos-objetos do nosso imaginário de leitores. Como todos os grandes livros, e este é um deles.

Eis alguns excertos, escolhidos por mim:
                                                                                     

Bloom disse que de Lisboa partira
e em viagem estava para a Índia. No outro lado do mundo
procurava uma alegria nova
ou, se possível, várias.
                                         (Canto I)


O futuro vem aí como o pastor que guarda o
seu rebanho lento, isto é: não vem,
atrasa-se, gera impaciência nas coisas que existem.
Certos acontecimentos, é certo, podem aumentar
dois ou três andares à vida. Mas nada de mais.
Toda a matéria tem futuro,
e mesmo a memória particular é, neste particular-particular,
matéria a ter em conta. a memória tem futuro,
eis uma ideia nada pessimista.

                                              (Canto II)

Procurou o Espírito na viagem à Índia
encontrou a matéria que já conhecia.

                                             (Canto X)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

«Fim do dia» de Isabel del Toro Gomes


Fim do dia

O dia termina e despede-se

Esvaindo-se em sangue

E a noite nasce lentamente

Do fogo ateado pelo sol

No horizonte

nos corpos dos homens

e dos bichos exangues.

domingo, 23 de outubro de 2011

«Trovas do vento que passa» de Manuel Alegre

Este é, para mim, um dos mais belos poemas de Manuel Alegre, cantado e imortalizado pelo cantor de intervenção Adriano Correia de Oliveira.
Escrito num contexto bem diferente do atual, contra o fascismo e salazarismo, relembro-o aqui como forma de protesto contra os desmandos e prepotências dos homens que nos têm governado que, embora vivendo em democracia, não souberam fazer dela uma rampa de progresso para o nosso país, antes o levaram à ruína e ao empobrecimento da população.
Temos todos o dever de perguntar ao vento  e também aos governantes e políticos que passaram e continuam a passar, o que fizeram do nosso país. E exigir a sua responsabilização.


Trovas do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.



Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre

terça-feira, 18 de outubro de 2011

«Barranco de Cegos» de Alves Redol



Barranco de Cegos de Alves Redol



Para mim, esta obra de Redol é mais do que um retrato magistral de uma personagem. É um dos maiores romances sobre Portugal, que nos dá a conhecer o Ribatejo profundo, nas suas grandezas e misérias, nas suas brutalidades por vezes chocantes, mas também nas suas coisas belas, como o Tejo, o fandango, os cavalos e os toiros.  O Ribatejo que o lavrador de Aldebarã descreve ao rei D.Carlos como a pátria  do homem criador da própria terra, onde semeava e colhia, como o holandês...

É ainda um precioso documento de como os portugueses viveram outros momentos de crise, de revoltas e convulsões sociais que levaram à morte do rei D. Carlos I e do príncipe real.
Um livro que devia ser lido por todos e pelos nossos políticos e governantes. A ver se aprendiam alguma coisa com a história!


Diz Diogo Relvas sobre os inimigos da Lavoura e da Pátria:

Façam todas as loucuras já que estão loucos. Caminhem para o abismo já que estão cegos. Mas não nos arrastem para o barranco dos cegos e dos loucos...

                                         Barranco de Cegos, de Alves Redol


Barranco de Cegos acaba por ser a biografia de uma personagem real, mas fundamentalmente simbólica de um potentado ribatejano, cuja história Redol nos relata a partir de 1891, ano da revolta republicana no Porto.
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Aquilo que Redol nos mostra é, fundamentalmente, a luta interior e exterior de Diogo Relvas - que simboliza tanto a ideologia conservadora de uma classe dominante como a ideologia reacionária de uma classe decadente - contra a ideologia revolucionária das classes ascendentes.
Redol dá-nos, dentro do romance português, o primeiro retrato magistral de um tal tipo de personagem.

Alexandre Pinheiro Torres



sábado, 15 de outubro de 2011

Montaigne




A vida é como um grande livro que folheamos e cujas páginas mais belas se encontram no fim.

                                               Montaigne (1533-1592)

Montaigne devia ter razão quando escreveu isto, já há alguns séculos.
Que a vida de todos nós podia dar um livro, acho que sim, mesmo a dos mais simples mortais. Aliás, são esses que mais  interessam muitas vezes, porque mais cheias de episódios cómicos e trágicos, ao contrário das vidas vazias de alguns famosos.
Que as páginas mais belas se encontram no fim, já é controverso, embora compreenda a ideia de Montaigne. O fim dum livro é  o mais importante para muitas pessoas, o que desperta mais curiosidade. Daí irem espreitar as páginas finais, o que  tira todo o mistério à história ou ao que se está a relatar. Também o fim  pode ser «a página mais bela» das nossas vidas.
A propósito de tudo isto, aproveito para dizer que ler um LIVRO continua a ser uma experiência maravilhosa, para mim e para muitas pessoas felizmente. Nada poderá substituir ou usurpar o prazer e o lugar desse objeto de arte que é o livro, nem ipods nem ipads ou seja lá o que venham a inventar. Ter um livro nas mãos, folheá-lo, ver e admirar as suas ilustrações, levá-lo para todo o lado, sem limitações de qualquer espécie (espaço, tempo eletricidade, internet...), ler e reler quando se quer (muitas vezes releio os livros da minha infância ou doutros tempos), encher a casa com os livros de que gostámos e que fizeram parte da nossa vida, enfim, é algo insubstituível.
Neste momento de crise social, política e financeira, de angústias,  tristezas e  revoltas, resta-nos sempre o livro que nos permite sobreviver a tudo isto. E as bibliotecas.
Quanto aos jovens, grandes vítimas dos erros que todos têm cometido, governantes e não governantes, só lhes posso dizer que leiam, leiam tudo o que quiserem e que puderem, que desenvolvam as suas capacidades de leitura e que se cultivem com o prazer da leitura. Para que possam defender-se melhor, reagir melhor a todas as situações, principalmente as más, e interpretar melhor toda a realidade que nos rodeia, que cada vez é mais complexa. Por isso, é preciso saber mais e a sabedoria vem da VIDA e dos LIVROS.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

«Erosão» de Fernando Namora



Fernando Namora nasceu em Condeixa-a-Nova, em 1919, e faleceu em Lisboa,em 1989. Foi médico e escritor duma vasta obra que, durante os anos 70 e 80, foi das mais divulgadas e traduzidas. Mas a sua estreia foi com uma coletânea de poemas, quando era muito jovem, em 1938. O seu terceiro livro de poesia, em 1941, teve a importância histórica de iniciar a coleção Novo Cancioneiro e contribuiu decisivamente para fixar certas linhas rurais e humanitárias do neorrealismo na poesia. Seguiu-se um longo silêncio poético, regressando no entanto mais tarde à poesia, com o livro As Frias Madrugadas e Marketing. Sendo tão  pouco divulgada a obra de Fernando Namora poeta, faz todo o sentido lembrá-lo aqui:
Erosão

As terras envelhecem como as pessoas.
São meninas
são adultas
são caducas.
Dói ver morrer
mesmo sendo casas pedras.
Dói que o silêncio
entre nas aurículas
e aí seja musgo
paz saqueada.
Dói tanta coisa:
até um western
numa cidade fantasma.
Dói tudo o que finda
e a findar nos mata.

As terras envelhecem como as pessoas.
São hoje
são amanhã
são ontem.
São futuro
são urtigas
são remorso.
São o próprio desejo
de acabar.

Marketing



Casa onde viveu Fernando Namora, em Monsanto, onde exerceu a profissão de médico